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Ser brasilianista é pensar com sotaque e sem colonialismo, diz pesquisador

Daniel Buarque

24/06/2017 14h37

Página da Associação de Estudos Brasileiros, Brasa

Especialistas em "estudos brasileiros" em universidades de todo o mundo, pesquisadores estrangeiros são citados frequentemente na mídia nacional como "brasilianistas". Apesar da autoridade intelectual automaticamente ligada ao termo, entretanto, muitos dos próprios estudiosos que se classificam assim não sabem exatamente o que significa a palavra "brasilianista", e o que é exatamente essa área de pesquisa acadêmica chamada de "estudos brasileiros".

Um desses brasilianistas em "crise de identidade", o pesquisador Vinicius Mariano de Carvalho se debruçou sobre este tema em um artigo publicado recentemente na revista acadêmica "Brasiliana".

"É interessante ver a reação das pessoas, sejam acadêmicas ou não, quando me perguntam o que faço e eu respondo que dou aulas de estudos brasileiros. Uma segunda pergunta quase sempre se segue a esta resposta: 'mas o que é isso?" E o momento da surpresa vem em seguida, quando digo que eu não sei exatamente o que é, mas que é esta pergunta que me atrai à área", diz Carvalho na começo do artigo.

Brasileiro e professor do Instituto Brasil do King's College de Londres, um departamento multidisciplinar voltado a estudos sobre o país, Carvalho é especialista em temas relacionados a segurança pública e violência.

Ele questiona a definição do dicionário Houaiss, que diz que brasilianista é "estrangeiro especializado em assuntos brasileiros". Seu texto trata da evolução histórica do uso do termo para buscar seus conceitos, e cita um estudo que define a área de pesquisas como"thought with accent", algo como "pensamento com sotaque".

O pesquisador brasileiro Vinicius Mariano de Carvalho, do King's College London

"Não entendo brasilianista como alguém que estuda o Brasil, enquanto objeto, mas que estuda o mundo desde uma perspectiva brasileira", diz.

Em entrevista ao blog Brasilianismo, Carvalho explicou um pouco melhor sua avaliação do significado de brasilianista. Ele defende ainda que brasileiros podem ser brasilianistas tanto quanto estrangeiros e levanta uma discussão muito enriquecedora, mas evita traçar uma conclusão excessivamente limitadora do significado da palavra.

"Para mim, o brasilianista é aquele que procura incluir vozes críticas e hermenêuticas nascidas desta experiência chamada Brasil e que foram silenciadas por imposições coloniais de pensamento (que estão ainda extremamente fortes e ativas na academia, muitas até mesmo 'travestidas em pele de cordeiro')", diz.

Brasilianismo – Seu artigo chama a área de pesquisas e estudos brasileiros, da qual fazem parte os brasilianistas, de "pensamento com sotaque", o que quer dizer com isso?

Vinicius Mariano de Carvalho – Tiro esta ideia e expressão da introdução do livro da Teresa Caldeira que cito no artigo. Ela, nesta introdução, menciona a luta que é de exprimir-se em uma língua que não é sua, o inglês, e o quanto isso é relevante na sua maneira de pensar. Comparando com o sotaque que temos quando falamos outras línguas, ela faz a analogia com o pensar com sotaque, quando o fazemos também em outra língua. É como uma apropriação interessante de um modo de pensar, que já não é mais em português, nem tampouco totalmente em inglês.

Acho que nós, brasilianistas, sendo brasileiros expressando em outra língua, ou estrangeiros expressando-se em português, estão neste processo dinâmico, criativo, penoso e fecundador de expressar-se com sotaque, sem estar em busca de um purismo epistemológico, mas capaz de, por causa do sotaque, fazer soar as ideias com modulações inovadoras e provocadoras.

Brasilianismo – A mídia brasileira costuma se referir a brasilianista como qualquer acadêmico estrangeiro que estuda o Brasil. O quanto essa interpretação está errada?

Vinicius Mariano de Carvalho – Bom, a mídia, em qualquer lugar do mundo, gosta de criar categorias (e nós acadêmicos também). Eu, sendo brasileiro, me considero brasilianista porque me ocupo de promover este pensar com sotaque. Não entendo brasilianista como alguém que estuda o Brasil, enquanto objeto, mas que estuda o mundo desde uma perspectiva brasileira. E o pode fazer na literatura, na política, nas artes, na antropologia, na ciência, em qualquer área do saber.

Não vejo o Brasil como meu objeto de estudo, mas como um ambiente sócio-historico-cultural que me provoca questionamentos epistemológicos e ontológicos que, em diálogo com outras tradições críticas, podem provocar um 'sotaque' na maneira como olhamos para nossos objetos de estudos.

Dito isso, sei que a mídia e a academia vão começar a me chamar de 'brasilianista' (e já está fazendo) como se fosse o meu rótulo. O que acho também um tanto quanto curioso. Somos, em todas as universidades do mundo, mais e mais provocados a ser interdisciplinares, mas continuamos subordinados as nossas disciplinas. Parece-me que ao dizer-me brasilianista, estou na verdade aceitando que para se fazer estudos de área desta maneira, eu preciso começar a questionar esses rótulos. Mas isso é conversa longa demais

Brasilianismo – Você é brasileiro e se define como brasilianista. A existência de brasileiros entre os brasilianistas é algo novo?

Vinicius Mariano de Carvalho – Como rótulo talvez seja. No entanto, me parece que desde o momento em que acadêmicos brasileiros começaram a buscar uma inserção mais crítica em um contexto global, construindo um aparato crítico e hermenêutico em diálogo com outras tradições, mas incorporando percepções ontológicas, cosmológicas e epistemológicas resultantes deste espaço sócio-histórico-cultural chamado Brasil –em outras palavras, 'pensar com sotaque', provocar um pensamento com sotaque em um outro– já temos brasilianistas brasileiros.

Brasilianismo – O que diferencia um brasilianista de um pesquisador brasileiro em uma universidade brasileira estudando temas relacionados ao país?

Vinicius Mariano de Carvalho – De novo, se a questão é estudar temas relacionados ao país, estamos novamente colocando o Brasil como objeto. O que me parece curioso, no entanto, é que, muitas vezes, brasileiros, em universidades brasileiras, estudando temas brasileiros, se valem de um aparato crítico puramente eurocêntrico, como se somente pudéssemos fornecer o objeto. Parece-me que continua-se a estabelecer uma hierarquização na qual ideias eurocêntricas são mais afeitas a explicar um fenômeno. A mim, me parece ainda um certo colonialismo intelectual. Como digo no meu artigo, me parece que precisamos de uma versão brasileira do "Orientalismo" do Edward Said.

Para falar a verdade, não estou defendendo uma posição de que se deve ou não identificar-se como brasilianista e quais os critérios para se considerar alguém brasilianista ou não. Só me parece que é preciso abrir os olhos para uma multiplicidade de ontologias e hermenêuticas nascidas na forja disso que chamamos Brasil.

Chamando-se ou não brasilianista, um pesquisador como Eduardo Viveiros de Castro provocou um "pensar com sotaque" no ambiente acadêmico que ocorreu não porque este antropólogo objetificou indígenas, mas porque formulou no ambiente acadêmico uma epistemologia e ontologia de matriz indígenas e com isso provocou um repensar teórico muito profundo.

O debate, a meu ver, é como lidamos com subordinações e colonialismos na academia, no nosso modo de pensar o mundo e não só o Brasil. Para mim, o brasilianista é aquele que procura incluir vozes críticas e hermenêuticas nascidas desta experiência chamada Brasil e que foram silenciadas por imposições coloniais de pensamento (que estão ainda extremamente fortes e ativas na academia, muitas até mesmo "travestidas em pele de cordeiro")

Neste sentido, muitos daqueles que são chamados de brasilianistas –os tais estrangeiros que estudam o Brasil– não seriam tão brasilianistas assim, se já chegam com a teoria pronta e só falta buscar a empiria no Brasil. Não é a nacionalidade que faz o brasilianista. A nacionalidade não é por si um critério para se definir quem faz estudos brasileiros.

Brasilianismo – Que contribuição a área de pesquisas em "estudos brasileiros" em universidade no exterior pode trazer para o Brasil?

Vinicius Mariano de Carvalho – Talvez promovendo de fato um pensamento crítico a partir do Brasil em universidades fora do Brasil. Talvez até mesmo as universidades brasileiras podem contribuir com isso, com mais pesquisa em estudos brasileiros, epistemologicamente falando.

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Sobre o Autor

Daniel Buarque vive em Londres, onde faz doutorado em relações internacionais pelo King's College London (em parceria com a USP). Jornalista e escritor, fez mestrado sobre a imagem internacional do país pelo Brazil Institute da mesma universidade inglesa. É autor do livro “Brazil, um país do presente - A imagem internacional do ‘país do futuro’” (Alameda Editorial) e do livreto “Brazil Now” da consultoria internacional Hall and Partners, além de outros quatro livros. Escreve regularmente para o UOL e para a Folha de S.Paulo, e trabalhou repórter do G1, do "Valor Econômico" e da própria Folha, além de ter sido editor-executivo do portal Terra e chefe de reportagem da rádio CBN em São Paulo.

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O Brasil é citado mais de 200 vezes por dia na mídia internacional. Essas reportagens e análises estrangeiras ajudam a formar o pensamento do resto do mundo a respeito do país, que tem se tornado mais conhecido e se consolidado como um ator global importante. Este blog busca compreender a imagem internacional do Brasil e a importância da reputação global do país a partir o monitoramento de tudo o que se fala sobre ele no resto do mundo, seja na mídia, na academia ou mesmo e conversas na rua. Notícias, comentários, análises, entrevistas e reportagens sobre o Brasil visto de fora.

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