Luta contra a corrupção ameaça estabilidade do Brasil, diz 'New York Times'
Daniel Buarque
28/05/2017 17h34
O Brasil dos anos 2010 corre risco de se aproximar cada vez mais da Itália dos anos 1990, quando a Operação Mãos Limpas prometeu acabar com a corrupção, mas acabou desestabilizando a política nacional e criando um vácuo de poder preenchido por lideranças populistas. Segundo um artigo publicado neste fim de semana pelo jornal americano "The New York Times", este é um risco agora enfrentado pelo Brasil –e é preciso tomar cuidado para proteger a política nacional.
Em uma avaliação detalhada e histórica do Brasil e de países que passaram por processos semelhantes de combate a práticas ilícitas na política, a analista Amanda Taub (que assina uma seção em que interpreta a situação da política internacional) indica que a luta contra a corrupção deu origem ao caos em que o Brasil se encontra atualmente.
"A ciência política sugere que este é um exemplo de como as 'ilhas de honestidade' em sistemas corruptos –como procuradores e tribunais independentes com a disposição e autoridade para impor o Estado de Direito– podem entrar em conflito com redes de corrupção arraigadas, provocando e atrapalhando as tentativas das elites políticas de se protegerem", diz.
O comentário ecoa uma coluna publicada pela própria Taub no final de 2016 no mesmo jornal, quando ela elogiava esforços contra a corrupção no Brasil e em outros países como sendo essas "ilhas de honestidade".
Ele também é uma referência a uma interpretação constante sobre o Brasil no exterior. Para muitos observadores internacionais, a crise atual no Brasil é um processo positivo, que tem o potencial de eliminar (ou ao menos reduzir) a corrupção desenfreada registrada pelo país.
Segundo Taub, entretanto, à medida que as forças honestas e corruptas lutam uma contra a outra, seus confrontos podem ter efeitos imprevisíveis sobre o sistema político.
"A corrupção depende de um 'equilíbrio"', diz. "As pessoas pagam ou aceitam subornos porque pensam que todo mundo está fazendo isso. Como conseqüência, as propinas podem se espalhar rapidamente através de um sistema como um câncer, se apropriando das instituições políticas", complementa.
"Mas quando promotores ou juízes ganham independência suficiente para investigar e processar a corrupção, a corrupção generalizada de repente se torna vulnerabilidade generalizada, criando um incentivo para que os políticos tomem medidas drásticas para se protegerem", diz.
A analista faz referência à gravação do senador Romero Jucá, que falou sobre um "pacto" para retirar Dilma Rousseff da Presidência e estabilizar o país.
"Era uma escolha adequada de palavras. Na ciência política, um 'pacto de transição' é uma forma de os membros da elite, muitas vezes dentro do governo ou seu círculo de aliados, unir forças com a oposição para substituir um presidente ou regime, na esperança de proteger seus próprios interesses. O termo é geralmente usado para explicar como um regime autoritário transita para a democracia, mas também oferece uma explicação útil sobre como o impeachment funciona em sistemas democráticos."
O problema, segundo ela, é que esses pactos também são vulneráveis, e dependem de instituições poderosas e apoio popular. Mas, se a população se opuser à transição, o poder e a autoridade do governo são minados.
Apesar de haver grande apoio à luta contra a corrupção no Brasil e de o governo do "pacto" ter baixa popularidade, especialistas preocupam-se que cada novo escândalo possa enfraquecer o sistema político e diminuir a confiança do público, ela explica.
"Em outros países, situações semelhantes provaram ser uma oportunidade para líderes populistas que prometem jogar fora todo o sistema e começar de novo. Os especialistas que acompanham a crise do Brasil voltam repetidamente ao mesmo exemplo –a investigação "Mãos Limpas" da Itália na década de 1990. Lá, uma série de processos criminais eliminaram redes de corrupção, limpando o sistema político", diz.
O resultado da chamada "limpeza", entretanto, foi a ascensão de Silvio Berlusconi. "O Brasil corre o risco de ter um resultado parecido", diz.
Sobre o Autor
Daniel Buarque vive em Londres, onde faz doutorado em relações internacionais pelo King's College London (em parceria com a USP). Jornalista e escritor, fez mestrado sobre a imagem internacional do país pelo Brazil Institute da mesma universidade inglesa. É autor do livro “Brazil, um país do presente - A imagem internacional do ‘país do futuro’” (Alameda Editorial) e do livreto “Brazil Now” da consultoria internacional Hall and Partners, além de outros quatro livros. Escreve regularmente para o UOL e para a Folha de S.Paulo, e trabalhou repórter do G1, do "Valor Econômico" e da própria Folha, além de ter sido editor-executivo do portal Terra e chefe de reportagem da rádio CBN em São Paulo.
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