Crise e falhas na segurança dão força política ao Exército, diz pesquisador
Daniel Buarque
24/03/2017 14h06
O uso das Forças Armadas para garantir a segurança de cidades brasileiras é um reflexo do fracasso dos governos do país em controlar a violência e manter a segurança pública, especialmente em tempos de crise econômica, e não deve ser entendido como um sinal de risco à democracia. Ainda assim, o apelo aos militares para resolver questões internas do país acaba dando força política a este grupo, e garantindo privilégios.
A avaliação foi feita pelo pesquisador alemão Christoph Harig, em artigo publicado no site "The Conversation". "Estes casos estão longe do intervencionismo militar do passado. Eles seguem regras constitucionais e são definidas por autoridades civis", explica. "No Brasil, a segurança pública é responsabilidade constitucional dos governos estaduais e não do governo federal. E é no nível estadual que o aperto da austeridade está sendo sentido", diz.
Depois de trabalhar com temas relacionados ao Brasil no Instituto Alemão para Assuntos Internacionais e de Segurança (SWP), Harig se mudou para Londres, onde estuda a militarização da segurança pública brasileira no programa de doutorado do Brazil Institute do King's College London.
Segundo ele, apesar de não ser uma ameaça imediata, entretanto, o uso de forças militares em questões internas foi trivializado no Brasil e se torna cada vez mais comum, explica, tanto que os brasileiros já estão acostumados a ver o Exército em patrulha nas ruas de suas cidades quando há problemas com a polícia ou situações especiais.
A explicação para essa trivialização, diz, é que os governos estaduais tratam com naturalidade os pedidos de apoio federal por meio dos militares. Com a crise econômica em todo o país, os Estados passam a apelar a esta ajuda externa.
Segundo Harig, o uso excessivo de militares em questões internas não deve ser visto como positivo, entretanto.
"Este hábito de enviar tropas em situações que não são emergenciais é preocupante, e críticos dentro e fora das forças militares temem que as Forças Armadas estejam se tornando uma ferramenta política. No passado, chamar os militares era visto como um reconhecimento de que as instituições dos estados eram incapazes de fazer seu trabalho; hoje, governos federais e estaduais apresentam essas operações como uma forma de 'fazer algo' a respeito da crise na segurança pública do país, não um reflexo dos seus fracassos", diz.
Ele explica ainda que este tipo de estratégia pode parecer como uma solução rápida para os problemas de segurança pública, mas tem seu preço. "Políticos estão consolidando a posição privilegiada dos militares na política brasileira e assim aumentam o poder de barganha das Forças Armadas, permitindo que elas resistam a tentativas do governo federal para reformá-las."
Este é o caso, diz, da dificuldade em incluir militares nos cortes previstos pela reforma da Previdência em discussão no governo atualmente.
Outro problema, segundo ele, é que o envio de militares para lidar com questões de segurança pública têm apenas efeito de curto prazo, e não consegue ter efeito duradouro contra a violência urbana.
Especialista em temas ligados aos militares brasileiros, política e democracia, Harig tem analisado a situação política brasileira em meio à crise que levou ao impeachment de Dilma Rousseff e ao surgimento de movimentos (ainda que pequenos) que pediam intervenção militar. Segundo ele, a crise política no país é um momento de tensão, e que é importante dar atenção ao papel dos militares mesmo em meio à democracia.
Em um artigo recente, Harig argumentou que era preciso haver maior diálogo entre militares e civis, para evitar escalada dessa tensão e de ameaças de radicalismos. Para ele, um novo golpe militar no Brasil parecia improvável, mas o país enfrenta problemas políticos reais com suas forças armadas, e elas não podem ser ignoradas."As lideranças militares claramente veem a democracia como o único sistema válido. Políticos aumentaram seu controle sobre os militares desde a volta da democracia em 1985″, dizia o texto.
Em entrevista a este blog Brasilianismo, em 2015, Harig argumentou que nem os militares mais conservadores estavam levando a sério os pedidos de alas mais radicais dos protestos contra o governo Dilma para uma intervenção do Exército na política nacional. Ainda assim, ele explicava, as relações entre civis e militares no país continuam marcadas pelo legado da ditadura que comandou o Brasil por mais de duas décadas, o que se manifesta fortemente na forma como é feita a segurança pública no país.
Sobre o Autor
Daniel Buarque vive em Londres, onde faz doutorado em relações internacionais pelo King's College London (em parceria com a USP). Jornalista e escritor, fez mestrado sobre a imagem internacional do país pelo Brazil Institute da mesma universidade inglesa. É autor do livro “Brazil, um país do presente - A imagem internacional do ‘país do futuro’” (Alameda Editorial) e do livreto “Brazil Now” da consultoria internacional Hall and Partners, além de outros quatro livros. Escreve regularmente para o UOL e para a Folha de S.Paulo, e trabalhou repórter do G1, do "Valor Econômico" e da própria Folha, além de ter sido editor-executivo do portal Terra e chefe de reportagem da rádio CBN em São Paulo.
Sobre o Blog
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