Olimpíada reforça estereótipos e consolida imagem do Brasil como decorativo
Daniel Buarque
23/08/2016 09h35
Este texto é a versão expandida de análise publicada na "Folha de S. Paulo"
Foi uma grande festa. E um alívio ainda maior que a Olimpíada passou sem grandes sobressaltos.
A exemplo do que aconteceu durante a Copa do Mundo de 2014, o clima de pessimismo que se viu na imprensa internacional antes do início do evento global foi substituído por uma surpresa positiva. Com as expectativas tão em baixa, o Rio conseguiu manter tudo dentro do controle, e foi feliz ao evitar problemas e fazer seu evento. No fim, (quase) tudo deu certo. O Brasil superou as expectativas e não só passou pelo evento sem ter sua imagem manchada, como mostrou que sabe festejar como nenhum outro país.
O evento foi um sucesso, é verdade, mas essa avaliação pode esconder seu verdadeiro efeito sobre a reputação internacional do Brasil.
Apesar de ter acertado na organização e de ter saído da Olimpíada recebendo elogios por todo o mundo, o Brasil falhou na sua tentativa de usar grandes eventos internacionais para transformar sua "marca" global. Em vez de melhorar sua reputação, os jogos serviram para reforçar estereótipos e consolidar a imagem do Brasil como um país decorativo.
Quando o Brasil ganhou o direito de sediar a Copa e a Olimpíada, na época em que tudo ia bem na economia e que o país vendia no exterior a imagem de uma potência ascendente, a ideia era de que poderíamos mostrar ao mundo que nossa nação é mais do que praia, carnaval e futebol —tanto que o ex-presidente Lula comemorou a conquista alegando que o Brasil viraria um país de "primeira classe".
Passados os dois eventos, escapamos do vexame, mas reforçamos os clichês já conhecidos do Brasil no mundo: Somos um país de festa.
Parte da imprensa internacional encerrava a cobertura apontando o que vem para o país a partir de agora: a comemoração seria trocada pela "dura realidade" de impeachment e recessão.
Ao fim dos jogos, milhares de turistas saíram satisfeitos e empolgados até mesmo com a ideia de voltar ao Brasil. O país reforçou a sua marca de um bom lugar para conhecer e se divertir. Todo o noticiário sobre problemas do país, entretanto, reforçaram a imagem de que pode não valer muito a pena ir além do lazer. O país vale só por suas festas.
Entre estudiosos de "nation branding", área de pesquisa que avalia a reputação internacional de países, a ideia de nação decorativa indica que o lugar costuma ser bem avaliado nos aspectos leves da sua personalidade, mas escorrega nas características mais "sérias".
Pesquisas de opinião sobre a reputação de países costumam indicar que o Brasil é visto como um lugar de povo amigável, cultura forte, com ambiente para turismo e diversão. Por outro lado, não aparece bem em avaliações sobre seriedade política ou eficiência econômica.
Isso não chega a ser um problema. Poucos países conseguem aliar lazer e eficiência, e o exemplo de nação decorativa é a Itália, que vai muito bem mesmo assim.
E o Brasil pode aproveitar para capitalizar este perfil. Segundo uma pesquisa do Ministério do Turismo, nove entre dez estrangeiros que visitaram o país pela primeira vez nos Jogos têm intenção de voltar.
BALANÇO
Ainda não há um levantamento de dados abrangente sobre a cobertura internacional da Olimpíada, mas é provável que se repita o perfil do que ocorreu na Copa de 2014, quando 80% das reportagens que citavam o Brasil recorriam a clichês para descrever o país.
O estereótipo do Brasil como um país de festas foi um dos mais repetidos na cobertura da Copa – assim como foram martelados os gastos exagerados do país para organizar o evento e as tensões sociais enfrentadas nacionalmente.
A diferença entre Copa e Olimpáida deve ficar no espectro político. Em 2014, mais de 30% das reportagens que citavam o Brasil na imprensa internacional mencionavam a tensão social e política no país, dando destaque aos protestos contra o governo.
Na cobertura da Olimpíada, foram muitas as menções à crise política e à recessão econômica, mas a ausência de protestos e confrontos nas ruas dava a impressão de menor tensão social – o que aparecia com maior frequência eram as explicações sobre o impeachment e a recessão.
A impressão gerada deixada pela olimpíada no resto do mundo e positiva, mas o balanço de reportagens ainda pode pesar para o lado mais negativo. Foi assim na Copa, que teve um roteiro de cobertura parecido com o dos Jogos Olímpicos.
Os principais relatos no resto do mundo desde o encerramento dos jogos repetiam o que havia acontecido na Copa. Depois de passar semanas esmiuçando os problemas e contrastes do Brasil e de prever tudo o que podia dar errado, a opinião estrangeira ficou surpreendida com o evento.
Mesmo durante a Olimpíada parecia ainda haver um certo mau humor, e interesse em mostrar com destaque exagerado o que estava indo fora do roteiro. Tanto que o ex-correspondente do "New York Times" no Brasil Roger Cohen escreveu uma coluna pedindo que os estrangeiros tivessem um pouco mais de boa vontade com o país. "Estou cansado, muito cansado, de ler reportagens negativas sobre a Olimpíada brasileira", escreveu.
Em 2014, 47% das reportagens internacionais que mencionavam o Brasil tinham uma descrição negativa do país, e apenas 20% eram positivas.
Isso aconteceu especialmente por conta do perfil da cobertura de grandes eventos na imprensa. É normal ter uma maior quantidade de reportagens sobre o evento antes do início da competição, que é justamente quando o foco costuma ser nos problemas e no que pode dar errado.
Depois do fim da festa, por mais positiva que seja a cobertura e as descrições sobre o país, o volume de matérias é menor, o que faz com que fique registrado um histórico com mais críticas do que aplausos.
UFANISTAS E DESIGUAIS
Além dos clichês básicos, o patriotismo e a desigualdade se juntaram em um destaque da imagem brasileira.
Durante a Olimpíada, não faltaram análises estrangeiras indicando o orgulho dos brasileiros ao sediar os Jogos, torcer pelos seus atletas, bem como o alívio nacional de ela passar sem problemas.
O nacionalismo foi especialmente destacado no caso do falso assalto ao nadador americano Ryan Lochte.
Depois de aparecer como provável mancha na imagem dos Jogos, o caso Lochte mostrou ao mundo que o Brasil se importa com o que os visitantes falam sobre o país, leva a sério casos de violência e que não é uma "terra sem lei" onde os gringos podem fazer o que quiserem sem se responsabilizar. Ao mostrar a violência que acontecia fora da área olímpica do Rio, a cobertura feita por veículos sérios revelou a desigualdade com a qual a criminalidade é tratada no país.
Ficou a imagem de que os convidados recebem tratamento especial, mas devem se comportar durante a festa.
Sobre o Autor
Daniel Buarque vive em Londres, onde faz doutorado em relações internacionais pelo King's College London (em parceria com a USP). Jornalista e escritor, fez mestrado sobre a imagem internacional do país pelo Brazil Institute da mesma universidade inglesa. É autor do livro “Brazil, um país do presente - A imagem internacional do ‘país do futuro’” (Alameda Editorial) e do livreto “Brazil Now” da consultoria internacional Hall and Partners, além de outros quatro livros. Escreve regularmente para o UOL e para a Folha de S.Paulo, e trabalhou repórter do G1, do "Valor Econômico" e da própria Folha, além de ter sido editor-executivo do portal Terra e chefe de reportagem da rádio CBN em São Paulo.
Sobre o Blog
O Brasil é citado mais de 200 vezes por dia na mídia internacional. Essas reportagens e análises estrangeiras ajudam a formar o pensamento do resto do mundo a respeito do país, que tem se tornado mais conhecido e se consolidado como um ator global importante. Este blog busca compreender a imagem internacional do Brasil e a importância da reputação global do país a partir o monitoramento de tudo o que se fala sobre ele no resto do mundo, seja na mídia, na academia ou mesmo e conversas na rua. Notícias, comentários, análises, entrevistas e reportagens sobre o Brasil visto de fora.