'USA Today': Constrangimento fez Brasil exagerar em caso de nadadores
Daniel Buarque
18/08/2016 09h14
A colunista Nancy Armour, do jornal americano "USA Today", publicou uma dura crítica à polícia brasileira e à organização dos Jogos Olímpicos em meio à polêmica envolvendo o suposto assalto a nadadores dos EUA durante a Olimpíada do Rio.
Depois que a Polícia Federal impediu o embarque de Gunnar Bentz e Jack Conger para investigação sobre a denúncia de que teriam sido assaltados, Armour disse que o caso é um problema de relações públicas, e que o Brasil não tolera o fato de que o caso envolvendo o medalhista Ryan Lochte tenha envergonhado o país.
Armour citou outros casos de violência e de problemas registrados no Rio desde o início dos Jogos, e insinuou que a polícia e a organização do evento mentem para fingir que não há nada de errado. "As autoridades do Rio já mostraram que os fatos são sobrevalorizados e muito abertos a interpretação", ironizou.
Segundo Armour, há um exagero na reação da polícia e da Justiça brasileiras. O medalhista olímpico e seus colegas "estão sendo tratados como se tivessem subido no Cristo Redentor e mostrado o dedo médio para todo o Brasil", disse.
"Está claro que algo aconteceu na manhã de domingo, e ninguém ficaria surpreso se acabasse sendo algo constrangedor ou que possa gerar problemas para os nadadores com o comitê olímpico dos EUA e seus patrocinadores. Mas o grande crime de Lochte parece ter sido de relações públicas – ele mencionou que os assaltantes eram homens fingindo ser da polícia, incluindo o fato de um deles ter mostrado um distintivo", explicou.
Segundo ela, é "irrelevante" saber se o caso de Lochte é verdade, e a polícia deveria ter problemas maiores com que se preocupar. "Mas a história de Lochte gerou constrangimento, e isso não vai ser tolerado."
"Elevar [o caso] ao nível de um crime capital parece apropriado no Brasil. É o equivalente a uma amputação por um corte com papel. Mentir para a polícia é ruim. Mentiras da polícia são uma diferença de opinião", criticou.
Para ela, os Estados Unidos devem se preocupar em tirar do Brasil os americanos que tiveram os passaportes retidos. "Pois, se eles fizeram uma comunicação falsa de crime, no Brasil isso aparentemente é muito pior do que atirar em um ônibus cheio de pessoas".
Em reportagem sobre o caso, o "New York Times" diz que o episódio criou um teste para a relação colaborativa entre polícias do Brasil e dos EUA.
"Nos meses antes da Olimpíada, os países trabalharam de forma próxima para tentar melhorar a capacidade do Brasil de evitar um ataque terrotrista. Mas na noite de quarta-feira, oficiais americanos pareciam no escuro sobre a detenção de Conger e Bentz", diz.
Segundo o jornal, a notícia do assalto aos nadadores realmente foi recebida com grande constrangimento pelo país, mas as dúvidas sobre o testemunho dos americanos "transformou constrangimento em raiva", explica.
"Apesar de haver um histórico assim [de envolvimento de policiais em assaltos no Rio], muitos brasileiros assumiram postura defensiva em relação a críticas à cidade", diz.
O caso dos nadadores continua sob investigação. A história está mal explicada e pode envolver de fato o crime de denúncia falsa. O fato de ser uma questão de alta visibilidade internacional requer um cuidado especial do Brasil. Se a colunista do "USA Today" estiver certa, entretanto, e parte da motivação da polícia e da Justiça existir por conta do constrangimento gerado pelos nadadores, a ação contra os americanos pode de fato ser exagerada acabar gerando um efeito contrário ao desejado, criando um constrangimento ainda maior para o país.
Sobre o Autor
Daniel Buarque vive em Londres, onde faz doutorado em relações internacionais pelo King's College London (em parceria com a USP). Jornalista e escritor, fez mestrado sobre a imagem internacional do país pelo Brazil Institute da mesma universidade inglesa. É autor do livro “Brazil, um país do presente - A imagem internacional do ‘país do futuro’” (Alameda Editorial) e do livreto “Brazil Now” da consultoria internacional Hall and Partners, além de outros quatro livros. Escreve regularmente para o UOL e para a Folha de S.Paulo, e trabalhou repórter do G1, do "Valor Econômico" e da própria Folha, além de ter sido editor-executivo do portal Terra e chefe de reportagem da rádio CBN em São Paulo.
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