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Corrupção ajuda ‘brasilionários’, diz autor de livro sobre ricos do Brasil

Daniel Buarque

29/07/2016 10h22

Capa do livro sobre 'brasilionários', de Alex Cuadros

O jornalista americano Alex Cuadros usa uma palavra nova no título do seu livro: "Brazillionaires". Mistura dos termos em inglês para "brasileiros" e "bilionários", já que os megarricos do país emergentes são o tema central da sua obra lançada nos EUA neste mês – algo como "brasilionários: riqueza, poder, decadência e esperança em um país americano".

O livro tem como foco a ascensão desse grupo e a euforia econômica vivida pelo país no fim da primeira década do século, quando o Brasil crescia, abria oportunidades e parecia caminhar para a glória. Cuadros se mudou para o Brasil em 2010, e foi encarregado pela agência de notícias de economia "Bloomberg" de cobrir este grupo de bilionários que crescia.

Em entrevista ao blog Brasilianismo, direto de Nova York, mas falando português fluente, Cuadros explicou que a crise econômica ajudou a moldar o ciclo de empolgação de que trata sua obra, e explica o que faz com que os ricos do Brasil mereçam um tratado próprio. "A relação entre bilionários e o Estado brasileiro ajuda a entender como o Brasil chegou onde chegou", disse.

Alex Cuadros, autor do livro "Brazillionaires"

Segundo ele, por conta da maior presença do Estado na economia brasileira, contratos com o governo acabam tendo uma importância maior para os bolsos desses bilionários do país. Além disso, a importância de contratos estatais também tornam a corrupção mais presente no Brasil. "A corrupção era uma precondição de negócios", explicou.

A entrevista tratou ainda do impeachment de Dilma Rousseff (que Cuadros diz não achar que é um golpe), da perda de força política do PT, da ascensão e queda de Eike Batista, da forma como os brasileiros veem os bilionários e sobre a perspectiva para os Jogos Olímpicos no país.

Leia abaixo a entrevista completa

Brasilianismo – Como os bilionários brasileiros se diferenciam de outros no resto do mundo?
Alex Cuadros – A natureza do bilionário é algo que não é nacional. É quase universal. O instinto que leva uma pessoa dessas a criar um império não é algo único do Brasil ou de outro país.

O que acontece no Brasil é que o Estado sempre teve um papel maior na economia brasileira de que nos EUA, por exemplo, então há mais oportunidades para fazer fortuna com base em contratos com o governo.

Essa relação entre poder econômico e poder político é uma versão mais extrema de uma relação que naturalmente existe em muitos países. Nos EUA existe Wall Street, que, igual a empreiteiras do Brasil, sempre doou dinheiro para campanha de políticos de todos os lados do espectro ideológico, e teve sucesso em influenciar as políticas públicas, por exemplo na desregulamentação da indústria financeira, e conseguiu evitar ações jurídicas mais fortes por parte do governo contra eles.

Brasilianismo – A corrupção é fator importante para a existência dos bilionários brasileiros?
Alex Cuadros – Sim , a corrupção é um fator importante na composição dos bilionários do país.

A corrupção era uma precondição de negócios, que todos cometiam, e seria interessante saber o quanto da riqueza se deve ao talento empresarial dessas famílias. É difícil dizer se veríamos nomes diferentes na lista dos mais ricos da revista "Forbes", caso o Brasil tivesse melhores controles de corrupção ao longo desses anos todos. Seria interessante descobrir o diferencial dessas famílias.

Estamos vendo agora comprovadamente que sistematicamente se usou a corrupção como parte do modelo de negócios. A Odebrecht tinha um departamento de propina. Essas famílias: Odebrecht, Camargo Correia, Andrade Gutierrez, Queiroz Galvão, OAS, são algumas das mais poderosas do país.

Brasilianismo – Como a corrupção está ligada à existência de bilionários e as desigualdades no Brasil?
Alex Cuadros – A corrupção, pagamento de propinas, não aparece tanto em um país como os EUA porque o país criou as instituições necessárias para controlar isso, então a corrupção existe em um grau diferente.

A corrupção do processo democrático, a forma como as empresas influenciam a política com o dinheiro de forma legal, existe em graus diferentes em cada lugar. Se vai acontecer, que seja não com dinheiro desviado dos cofres públicos, para que os eleitores possam tomar decisões com base nas relações que consegue ver.

Brasilianismo – Você começou a escrever o livro em uma época em que a economia brasileira crescia e prometia muito. Como a crise atrapalhou seu projeto? O que mudou?
Alex Cuadros – A crise é horrível para o país, mas foi conveniente para o livro, pois ele descreve um ciclo se fechou – os anos de euforia dos anos PT.

Fechei o contrato do livro em 2013, quando já estava evidente que o sonho brasileiro tinha problemas. Na época, não imaginava o quanto a economia ia decair, e o quanto o sonho ia basicamente morrer. No fim, acho que é coerente, pois o que já planejava escrever no livro, que era a relação entre bilionários e o Estado brasileiro ajuda a entender como o Brasil chegou onde chegou

Brasilianismo – Como é essa relação entre bilionários e o Estado no Brasil, e como ela explica a crise?
Alex Cuadros – O mais interessante da ascensão do PT é a contradição interna do partido, entre uma ideologia que supostamente é de esquerda, que se preocupa com a redistribuição, e seu grande apreço pelo desenvolvimentismo, que se baseia em transferências regressivas. Foi muito mais deletério para a economia o fato de Dilma ter dado desonerações fiscais de centenas de bilhões de reais e empréstimos do BNDES do que ter mantido a Bolsa Família ou elevado ao salário minimo.

A outra contradição é que é um partido que diz prezar pela igualdade política, mas que se aliou com o velho estalishment politico e famílias bilionárias que pertencem à pior tradição brasileira de uso do Estado para fins privados – como Camargo Correia e Odebrecht. Essa contradição acabou destruindo o movimento que eles estavam tentando fazer. O pragmatismo que tiveram em busca do desenvolvimento foi levado longe demais, e culminou na crise atual.

Brasilianismo – Os defensores de Dilma chamam o impeachment de golpe. Como você vê relação da ordem econômica, política e legal do Brasil com a atual crise no país?
Alex Cuadros – Não concordo com o uso do termo golpe para o impeachment. Acho que chega a ser ridículo o PT se colocar dessa forma, criar essa narrativa de que o partido é vitima das elites, quando na verdade fez alianças com essas elites e se converteu numa elite dentro do Brasil.

É logico que o establishment politico a certa altura abandonou o PT. O empresariado é pragmático. Ele vai se aliar ao governante que lhe pareça mais conveniente, que crie as condições necessárias para ele ganhar dinheiro. Por muito tempo, foi o PT, e o empresariado estava muito feliz com o PT. Mas é muito simplista dizer que o PT é vitima de um golpe. Eles cometeram erros políticos, econômicos e morais muito importantes. O que eles estão sofrendo é fruto disso. Isso não livra quem vem depois da possibilidade de crítica também. Não é que o PT tenha sido substituído por alguém mais limpo.

Brasilianismo – No fim da década passada, Eike Batista era um símbolo do sucesso econômico do Brasil. Como você acha que a derrocada dele está associada à crise no brasil?
Alex Cuadros – O grande sucesso do Eike foi se apropriar da euforia que havia sobre as perspectivas econômicas do Brasil. Não é coincidência que ele tenha começado a cair na mesma época em que a economia do Brasil. A imagem dele dependia muito da ideia de que o Brasil era uma nova potência mundial.

A queda do Eike me parece mais definitiva do que a do Brasil. O Brasil é maior do que ele. Eike tinha muitos fatores dele. Ele não era só um espelho do Brasil. Era um personagem típico dos empresários dos EUA, grandes vendedores de sonhos. A bolha dele se parece com várias bolhas ao longo da história do capitalismo americano, como a de 2000 e a de 2008.

Não julgaria o futuro do Brasil com base no fracasso do Eike.

Brasilianismo – O livro fala sobre como Eike representa as tensões e contradições da forma como pensamos sobre o papel da riqueza na sociedade. O que isso quer dizer?
Alex Cuadros – Ele foi uma figura muito interessante, pois vendeu a ideia de que era um empresário diferente, que destoava de Sebastião Camargo, Odebrecht e outros que sempre dependeram de capital estatal e contratos públicos. Ele teve muito sucesso vendendo a ideia de que era um 'self-made man'. Mas, no fim, essa narrativa era problemática. Ele era filho de um ex-ministro, se beneficiou dos contatos dele. E levantou dinheiro no mercado privado, mas também buscou contratos com o governo e foi beneficiado com enormes empréstimos do BNDES.

É uma figura muito contraditória, mas são contradições muito comuns em bilionários, sempre em graus diferentes. A narrativa de sucesso que se cria levaria as pessoas a acreditar que foi so mérito da pessoa que alcançou a riqueza, o que nunca é totalmente verdade. Sempre há relações com o governo, uso do dinheiro para influenciar a política pública. Dessa forma, me pareceu emblemático não só de uma confusão sobre o empreendedorismo no Brasil, mas em outros países, como os EUA.

Brasilianismo – No Brasil existe uma cultura diferente da americana, em que se critica critica mais abertamente a riqueza. Como isso influencia a importância dos bilionários no país?
Alex Cuadros – Os brasileiros têm algumas ressalvas, sim. Nos EUA, temos uma mitologia forte, do menino pobre que vira rico, o 'self-made man'. Vemos o dinheiro como sinal de sucesso mais do que o Brasil.

No Brasil, por conta dessa relação muito forte entre riqueza, corrupção e ligações com o Estado, se tem uma ideia diferente da riqueza. Ela é vista como algo naturalmente sujo, ou vergonhoso.

Ao mesmo tempo, muitas pessoas no Brasil admiram os bilionários – e vemos isso nas capas das revistas de negócios do país, mostrando as pessoas colocadas em pedestal. Muitos brasileiros acham que, nesse país corrupto, os únicos que fazem a coisa certa são os empresários.

Brasilianismo – O que mudou na sua forma de pensar sobre os megarricos enquanto escrevia o livro?
Alex Cuadros – Entrei com uma mente aberta no tema, tentando conciliar os clichês sobre eles dos dois lados. Minha conclusão cai no meio dos dois extremos. Não acho que sejam nem maus nem os responsáveis por todo o progresso da sociedade. São parte da estrutura que temos da economia de livre mercado, mas quando concentram muito dinheiro e controle sobre certa parte da economia acabam sendo perigosos para a democracia e para a própria economia. Quando chega a ser um monopólio, distorce o funcionamento do livre mercado. E quando usam o dinheiro para influenciar o processo político criam um problema para a democracia.

Brasilianismo – Em uma entrevista recente você pareceu otimista em relação à Olimpíada. O noticiário internacional está sendo muito negativo, entretanto. Como acha que os Jogos podem afetar a imagem do Brasil?
Alex Cuadros – Não diria que sou otimista. Acho que o evento em si vai rolar sem maiores problemas. Havia receios parecidos na Copa de 2014, de que ia ser um desastre logístico, com problemas de violência. Acho que esses receios são exagerados agora também.

O tema mais importante é o custo de montar este evento e se fazia sentido gastar dinheiro com o Parque Olímpico quando a população tem necessidades muito mais urgentes, como saneamento básico. O problema é saber o que vai acontecer depois que o evento acabar. Tenho medo do que vai acontecer até o fim do ano, depois das eleições de outubro.

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Sobre o Autor

Daniel Buarque vive em Londres, onde faz doutorado em relações internacionais pelo King's College London (em parceria com a USP). Jornalista e escritor, fez mestrado sobre a imagem internacional do país pelo Brazil Institute da mesma universidade inglesa. É autor do livro “Brazil, um país do presente - A imagem internacional do ‘país do futuro’” (Alameda Editorial) e do livreto “Brazil Now” da consultoria internacional Hall and Partners, além de outros quatro livros. Escreve regularmente para o UOL e para a Folha de S.Paulo, e trabalhou repórter do G1, do "Valor Econômico" e da própria Folha, além de ter sido editor-executivo do portal Terra e chefe de reportagem da rádio CBN em São Paulo.

Sobre o Blog

O Brasil é citado mais de 200 vezes por dia na mídia internacional. Essas reportagens e análises estrangeiras ajudam a formar o pensamento do resto do mundo a respeito do país, que tem se tornado mais conhecido e se consolidado como um ator global importante. Este blog busca compreender a imagem internacional do Brasil e a importância da reputação global do país a partir o monitoramento de tudo o que se fala sobre ele no resto do mundo, seja na mídia, na academia ou mesmo e conversas na rua. Notícias, comentários, análises, entrevistas e reportagens sobre o Brasil visto de fora.

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