Ian Bremmer: A narrativa do impeachment como golpe 'não colou' no exterior
Daniel Buarque
31/05/2016 12h44
A avaliação de que o afastamento da presidente Dilma Rousseff e o processo de impeachment equivalem a um golpe de Estado no Brasil não foi aceita pelo resto do mundo, segundo o cientista político Ian Bremmer.
Em entrevista à "Folha de S. Paulo", Bremmer explicou que a crise brasileira é muito complexa, e que há elementos de farsa no posicionamento político contra o governo Dilma, mas que não há elementos para confirmar um processo ilegal.
O cientista político é fundador e presidente da Eurasia, principal consultoria de risco político do mundo. A consultoria vem acompanhando atentamente o desenrolar da crise brasileira, e chegou a considerar o país o 8º maior risco global em 2016.
Em uma valiação publicada em março, a Eurasia já previa o afastamento de Dilma "até maio".
Na entrevista, Bremmer disse que, se Dilma não fosse afastada, o Brasil levariaainda mais tempo para ver resolvidos os escândalos e a crise econômica.
"Nesse ponto seu afastamento ajudou, em termos de mercado. Não é por isso que era preciso se livrar dela, mas porque ela foi incapaz de administrar a derrocada política a partir de um escândalo extraordinário. Francamente, acho que teria sido melhor para todos se ela tivesse renunciado, mas é uma prerrogativa dela passar por esse período da forma como quiser."
Veja abaixo trechos da avaliação de Bremmer sobre a situação do Brasil.
Leia a entrevista completa na Folha
Por que o Brasil foi incluído entre os riscos de 2016, numa lista que também tem ameaças como o grupo terrorista Estado Islâmico?
Quando fizemos a lista estava claro que a Lava Jato continuaria, que seria o maior escândalo político no Brasil desde o regime militar e que se desenrolava num ambiente econômico cada vez mais desafiador. Se soubéssemos da zika teríamos aumentado o risco Brasil.
A crise gerou uma guerra de narrativas. De um lado a presidente insiste que foi vítima de um golpe, enquanto os defensores do impeachment afirmam que o processo é legítimo. Qual das duas venceu no exterior?
A narrativa do golpe não colou. Alguns dos pronunciamentos feitos contra Dilma Rousseff na votação do impeachment foram obviamente meio farsescos. Mas muitas afirmações de legisladores ao redor do mundo devem ser encarados com um grão de sal, e nos EUA temos a nossa parcela de constrangimento. Uma das grandes façanhas do Brasil foi fazer com que as eleições americanas pareçam boas. Até a mulher de Temer faz Trump parecer um presbiteriano. Melania [Trump] não tem o nome do marido tatuado na nuca.
O afastamento da presidente restaura a confiança dos investidores estrangeiros?
A crise é muito feia, são dois anos de uma recessão severa. Mas acredito que com o tempo o sentimento dos investidores vai mudar. É muito cedo para dizer que isso ocorrerá agora, não sei se já chegamos ao ponto de inflexão para que as pessoas realmente se sintam confortáveis, porque o escândalo de corrupção tem efeitos imprevisíveis.
O governo Obama negou a tese de golpe contra a presidente Dilma. Como ficam as relações entre os dois países?
Obama quer se concentrar mais em política externa enquanto caminha para o fim de seu mandato, sobretudo nos lugares onde pode deixar um legado. Não acho que ele realmente possa fazer algo nesse sentido com o Brasil. Ainda há muita incerteza no país e o governo [interino] está cercado demais de questionamentos, por isso não acho que haverá qualquer avanço significativo do Brasil com os EUA. E a América Latina não é uma prioridade para o governo americano.
Sobre o Autor
Daniel Buarque vive em Londres, onde faz doutorado em relações internacionais pelo King's College London (em parceria com a USP). Jornalista e escritor, fez mestrado sobre a imagem internacional do país pelo Brazil Institute da mesma universidade inglesa. É autor do livro “Brazil, um país do presente - A imagem internacional do ‘país do futuro’” (Alameda Editorial) e do livreto “Brazil Now” da consultoria internacional Hall and Partners, além de outros quatro livros. Escreve regularmente para o UOL e para a Folha de S.Paulo, e trabalhou repórter do G1, do "Valor Econômico" e da própria Folha, além de ter sido editor-executivo do portal Terra e chefe de reportagem da rádio CBN em São Paulo.
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