'Não é fácil entender o Brasil', diz criador de site em inglês sobre o país
Daniel Buarque
24/02/2016 16h40
"Bem-vindo ao Brasil real". A frase aparece estampada em um muro serve de entrada para um novo portal, em inglês, sobre o país. O plus55 é um site produzido por jornalistas brasileiros e que pretende ser uma "ponte", traduzindo o país como ele é "de verdade" para o resto do mundo. O trabalho é semelhante ao de um brasilianista brasileiro, alguém que tenha ao mesmo tempo um olhar de dentro para fora e de fora para dentro do país.
O objetivo é romper com o desconhecimento que ainda existe no resto do mundo e que é possível encontrar em muitas das reportagens publicadas na imprensa internacional sobre o país, explicou Gustavo Ribeiro, um dos criadores do portal, em entrevista este blog Brasilianismo.
Tanto é assim que um dos primeiros textos a serem publicados no portal é uma carta aberta ao "New York Times", depois que o jornal norte-americano publicou um texto que descrevia de forma superficial, cheia de estereótipos e preconceito o carnaval brasileiro em meio ao surto de zika. "O repórter do NYT não entendeu o Brasil", dizia. "Somos um país complexo – e qualquer análise extremamente simplificada sobre a nossa sociedade provavelmente será equivocada", disse Ribeiro.
"O Brasil ainda é um país relativamente isolado", explicou. "Há muitos clichês sobre nós reproduzidos na imprensa lá fora – o que é fruto, muitas vezes, de interpretações a partir de códigos que não são os nossos e preconcepções."
Ele reconhece que há uma extensa cobertura internacional sobre o país na mídia estrangeira, mas explica que parte das reportagens mostra um certo grau de desconhecimento sobre nossa cultura, modo de vida e forma de pensar. Além disso, a mídia é só uma parte dessa imagem, e é importante levar mais informação sobre o país para um público mais amplo. "Eu morei na França nos últimos três anos e fiquei impressionado com o número de pessoas que achavam que a nossa capital era Rio ou São Paulo – e que a salsa era brasileira", disse.
Colocado no ar recentemente, o plus55 ainda trabalha para consolidar uma voz própria e encontrar um público estrangeiro que se interesse pelo Brasil além dos seus clichês. Se conseguir este objetivo, pode ter o potencial de ajudar a formar uma imagem internacional mais próxima da realidade vivida no pais, e mais distantes da superficialidade e de preconceitos.
Leia abaixo a entrevista completa
Brasilianismo – O Brasil é citado na imprensa internacional mais de 200 vezes a cada dia. Por que é importante produzir um veículo de comunicação brasileiro para o público internacional e 'traduzir' o país?
Gustavo Ribeiro – Não é fácil entender o Brasil. Mesmo nós, brasileiros, temos dificuldade. O Brasil ainda é um país relativamente isolado – geográfica, linguística e economicamente… Apesar de se falar muito sobre o Brasil, muitas vezes não se fala bem. É claro que há ótimos correspondentes, que conseguem compreender as ambiguidades do nosso país. Mas uma grande parte das reportagens mostra um certo grau de desconhecimento sobre nossa cultura, modo de vida e forma de pensar. Abordamos isso, inclusive, em um artigo sobre uma matéria do NYT. Eu morei na França nos últimos três anos e fiquei impressionado com o número de pessoas que achavam que a nossa capital era Rio ou São Paulo – e que a salsa era brasileira.
Brasilianismo – A apresentação do plus55 fala em desinformação e informação equivocada sobre o país no exterior. Que tipo de erros acha que os estrangeiros cometem ao pensar sobre o Brasil?
Gustavo Ribeiro – Quando nos referimos à desinformação e informação equivocada, não falamos apenas da imprensa internacional. Há muitos clichês sobre nós reproduzidos na imprensa lá fora – o que é fruto, muitas vezes, de interpretações a partir de códigos que não são os nossos e preconcepções. Entretanto, nós também contribuímos para isso. Muito da imagem que se leva daqui para fora insiste nessas imagens consolidadas – e pouco faz para mudar a imagem do país.
Brasilianismo – O Brasil é um país múltiplo, a há nuances complicados que mesmo os próprios brasileiros têm dificuldade em entender. Que imagem internacional o plus55 pretende ajudar os estrangeiros a terem a respeito do Brasil?
Gustavo Ribeiro – Justamente que somos um país complexo – e que qualquer análise extremamente simplificada sobre a nossa sociedade provavelmente será equivocada. Nós queremos ser uma fonte de informação alternativa, um olhar de dentro para um público que tem interesse em saber mais do país. Somos o país do carnaval e futebol (ou éramos), mas também temos um povo trabalhador e empreendedor, temos uma economia relevante internacionalmente…
Brasilianismo – Os estrangeiros encontram notícias sobre o Brasil em alguns dos principais veículos de comunicação internacionais. Como o plus55 pretende atrair leitores estrangeiros? Que leitores o portal pretende atingir?
Gustavo Ribeiro – Nossa proposta é ser um olhar de dentro. Acreditamos que os brasileiros têm um ponto de vista sobre o Brasil que deve ser levado em conta – mesmo para o leitor internacional. Nossa plataforma atua em um nicho e tenta atingir um leitor que já é interessado pelo Brasil – e acha, como nós, que ouvir o que alguém de dentro fala é importante para analisar os fenômenos brasileiros.
Brasilianismo – Brasileiros são em parte responsáveis pela propagação de clichês e estereótipos sobre o país no exterior – basta ver o tipo de imagem usada em apresentações internacionais produzidas pelo próprio país. De que forma o plus55 vai lidar com a imagem superficial do Brasil ao escrever sobre o país?
Gustavo Ribeiro – Como o nosso leitor já tem, em tese, um interesse pré-estabelecido no Brasil, podemos escrever textos que o contextualizem de forma mais aprofundada.
Brasilianismo – Pesquisadores de nation branding alegam que imagem internacional poderia ser pensada como um espelho da realidade de um país, mesmo que apresente algumas distorções. Apesar de possivelmente incorrer em erros, o olhar externo sobre o país permite uma objetividade que talvez brasileiros não consigam ter a respeito da sua pátria. Ao se colocar em oposição a esta imagem internacional, o plus55 não corre o risco de se tornar um veículo de patriotismo ufanista sobre o país?
Gustavo Ribeiro – Não somos um veículo de publicidade da marca Brasil. Não criamos a plus55 para tecer loas ao país. Mas para informar o público estrangeiro sobre ele. E não hesitamos em criticar – ou o governo ou a nós mesmos, cidadãos brasileiros. Em uma matéria sobre o Aedes aegypti, por exemplo, nós falamos claramente que uma das razões para que não nos livremos do mosquito é o fato de não fazermos a nossa parte – e colocarmos tudo na conta do governo.
Sobre o Autor
Daniel Buarque vive em Londres, onde faz doutorado em relações internacionais pelo King's College London (em parceria com a USP). Jornalista e escritor, fez mestrado sobre a imagem internacional do país pelo Brazil Institute da mesma universidade inglesa. É autor do livro “Brazil, um país do presente - A imagem internacional do ‘país do futuro’” (Alameda Editorial) e do livreto “Brazil Now” da consultoria internacional Hall and Partners, além de outros quatro livros. Escreve regularmente para o UOL e para a Folha de S.Paulo, e trabalhou repórter do G1, do "Valor Econômico" e da própria Folha, além de ter sido editor-executivo do portal Terra e chefe de reportagem da rádio CBN em São Paulo.
Sobre o Blog
O Brasil é citado mais de 200 vezes por dia na mídia internacional. Essas reportagens e análises estrangeiras ajudam a formar o pensamento do resto do mundo a respeito do país, que tem se tornado mais conhecido e se consolidado como um ator global importante. Este blog busca compreender a imagem internacional do Brasil e a importância da reputação global do país a partir o monitoramento de tudo o que se fala sobre ele no resto do mundo, seja na mídia, na academia ou mesmo e conversas na rua. Notícias, comentários, análises, entrevistas e reportagens sobre o Brasil visto de fora.