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Anthony Pereira: O mundo está cada vez mais interessado no Brasil

Daniel Buarque

15/10/2015 11h35

Leia abaixo o prefácio à nova edição do livro "Brazil, um País do Presente – A Imagem Internacional do 'País do Futuro'", que acaba de ser lançada, em formato digital. O prefácio foi escrito pelo diretor do Brazil Institute do King's College London e presidente da Brazilian Studies Association (BRASA), Anthony Pereira.

A edição atualizada está à venda em lojas digitais, como a Amazon.

Edições digitais e em papel do livro "Brazil, um país do presente", sobre a imagem internacional do Brasil

Por Anthony Pereira*

Os brasileiros compartilham desconfortavelmente o planeta com mais de 97% da população mundial que não é brasileira. Até recentemente os brasileiros não podiam ser culpados por acharem que os não brasileiros passavam pouco tempo pensando sobre o Brasil, e que não sabiam quase nada sobre o seu país. Isto mudou. O mundo está cada vez mais interessado no Brasil, e o Estado brasileiro está mais presente em assuntos internacionais do que jamais esteve antes. Brasileiros conhecem mais sobre a vida além das fronteiras de seu país, graças a seus níveis mais elevados de educação, uma maior facilidade para viajar e maior acesso à informação. No entanto, como Daniel Buarque argumenta neste livro, os brasileiros ainda podem não ter consciência, ou estarem desinformados, sobre como os estrangeiros veem o Brasil. Há clichês sobre os clichês que precisam ser repensados. Este é um problema sério, pois a forma como o Brasil é visto dá forma à natureza das relações transnacionais dos brasileiros, à sua experiência fora do seu país e à sua capacidade de causar impacto em assuntos globais no século XXI.

"Brazil, Um País do Presente" é um levantamento panorâmico de imagens do Brasil em um país que molda as imagens internacionais mais do que qualquer outro, os Estados Unidos. Baseado em extensa reportagem jornalística a partir de várias cidades e regiões dos EUA, este livro busca incansavelmente descobrir o que os americanos sabem – ou pensam que sabem – sobre a economia do Brasil, suas instituições políticas, sua identidade nacional, seu meio ambiente, suas relações raciais e sua cultura. Analisa também pontos de vista dos cerca de 1,4 milhão de imigrantes brasileiros que hoje vivem nos EUA e fornece um retrato sutil da mídia dos EUA e da comunidade brasilianista nos Estados Unidos, os gringos acadêmicos que fazem muito para moldar as percepções do Brasil no mundo que fala inglês. Os Agradecimentos, ao fim do livro, são praticamente um "quem é quem" de estudiosos brasilianistas nas principais universidades norte-americanas.

Daniel começa sua jornada com o clássico de Stefan Zweig "Brasil – Um País do Futuro", que não contém a referência ao futuro em seu título original, em alemão. O título do livro de Daniel é um jogo de palavras com o de Zweig, para sugerir que o Brasil "conseguiu", como diriam os americanos, e que o seu sonho nacional de importância e grandeza foi finalmente reconhecido como uma realidade pelos estrangeiros. O fato de o livro de Zweig ainda ser tão importante para a autocompreensão dos brasileiros talvez não seja surpreendente. Muitas nações mantêm forte apego a relatos de estrangeiros que as retratam sob uma luz lisonjeira. Para os americanos, "A Democracia na América", de Alexis de Tocqueville, é lembrado com afeto como um retrato terno do igualitarismo resistente e engajamento cívico do povo americano. Mas é importante analisar criticamente esses textos. O que os americanos tendem a esquecer-se sobre "A Democracia na América", por exemplo, é a repulsa que Tocqueville, um aristocrata francês, sentiu pela democracia, que ele associou a um nivelamento medíocre. No caso de "Brasil – Um País do Futuro", o que poderia ser questionado é que tipo de futuro Zweig via o Brasil liderando, e que interesses ele imaginou que seriam favorecidos pela emergência do Brasil e seu crescente reconhecimento?

Daniel aponta que uma das principais características da imagem do Brasil nos Estados Unidos é que o país é "decorativo, mas não útil". Esta imagem é positiva, na medida em que os brasileiros são vistos como "easy-going" [fáceis de lidar], festivos, musicais, sensuais e felizes. Mas também contém um preconceito que limita o potencial do país e que pode impedir os americanos de pensarem sobre ou se envolverem com o Brasil como um país sério, por exemplo, em relação a ciência e tecnologia, ou a planejamento urbano, a forças de manutenção da paz, ou a questões ambientais. Isto é um problema, pois a cooperação entre o Brasil e os Estados Unidos em muitas áreas parece ser necessária para encarar os sérios desafios às Américas, se não ao mundo.

A imagem do Brasil pode mudar? Daniel acrescentou um novo capítulo sobre o assunto a esta segunda edição do "Brazil, Um País do Presente" que ajuda a responder a esta pergunta. O capítulo é baseado na ótima dissertação de mestrado de Daniel, escrita enquanto ele estudou no Instituto Brasil do King's College London. A dissertação se baseou em uma pesquisa meticulosa da cobertura da imprensa internacional durante as Copas do Mundo no Brasil em 1950 e em 2014. Usando como fontes publicações da Grã-Bretanha ("The Guardian" e "The Economist"), França ("Le Monde") e Espanha ("ABC"), bem como dos EUA ("The New York Times"), Daniel mostra que a imagem do Brasil mudou consideravelmente entre 1950 e 2014. Surpreendentemente, a cobertura em 2014 não foi apenas mais volumosa, mas também foi mais cheia de clichês e mais negativa. A imagem internacional do Brasil pode mudar, tanto para melhor quanto para pior. Enquanto o Estado brasileiro se torna um ator global mais assertivo, seus pronunciamentos e ações internacionais podem atrair cada vez mais o tipo de críticas duras que se podem encontrar em círculos de formulação de políticas nos Estados Unidos. Essas críticas vão, inevitavelmente, afetar a imagem do Brasil.

Para indivíduos, a falta de sensibilidade em relação à opinião dos outros pode ser um sintoma de autismo ou sociopatia, enquanto uma preocupação exagerada com a própria imagem pode ser o produto de narcisismo. Assim também é com as nações. Se Daniel está certo ao dizer que o Brasil tem sido historicamente um país narcisista, obcecado com o que os estrangeiros pensam sobre ele, então suas crescentes riqueza e proeminência podem produzir um novo nível de autoconfiança e uma maior resistência a críticas. Os brasileiros podem vir a valorizar mais o que eles mesmos pensam sobre determinadas questões e dilemas internacionais e dar um valor um pouco menor àquilo que os outros pensam deles. Isto poderia ser algo bom, pois a visão brasileira sobre questões como a paz e a segurança, o multilateralismo, as instituições internacionais e a inclusão social poderiam ser tendências importantes para compensar um mundo cada vez mais desigual e instável, um mundo em que a globalização parece não ter diminuído a atração à realpolitik de estado, à exploração empresarial, ao fundamentalismo religioso e nacional e à violência calculada.

"Brazil, Um País do Presente" é uma importante contribuição para a literatura sobre a imagem internacional do Brasil, até porque traduz fluentemente as visões norte-americanas para um público que fala português e explora o Brasil de "fora para dentro". Americanos e brasileiros há muito tempo são fascinados um pelo outro, e este livro ajuda a explicar o porquê; para cada um, o outro é não apenas um exótico "outro", mas aquele alter ego ligeiramente reconhecível que ele mesmo, com uma história um pouco diferente, poderia ter se tornado. Esta atração é especialmente forte em famílias como a minha própria, em que alguns precursores emigraram da Europa para os Estados Unidos, enquanto outros foram para o Brasil, para tornar-se separados do outro ramo da família pelo idioma, por histórias nacionais e por milhares de quilômetros.

Tive o prazer de ensinar a Daniel Buarque na minha aula sobre Política Brasileira e orientá-lo em sua dissertação no Instituto Brasil do King's College London em 2013-14. Daniel acrescentou imensamente à qualidade das discussões em sala de aula. Eu vi de perto a sua mente inquieta, sua impaciência com respostas fáceis, sua determinação em descobrir a complexidade, a sua curiosidade inesgotável e amplitude de interesses. Todas essas qualidades estão presentes em "Brazil, Um País do Presente", tornando-se um livro tão atraente e inovador para um estudioso veterano como é para um novato no assunto. Por ser uma obra aberta, focada em um grande tema – um Brasil em constante transformação, deslumbrantemente diverso, gigantesco, contraditório, enigmático, país de sim e não, de escuridão e luz, de miséria e alegria -, ela vai continuar a ser relevante por anos à frente.

*Anthony Pereira é diretor do Brazil Institute do King's College London e presidente da Brazilian Studies Association (BRASA).

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Sobre o Autor

Daniel Buarque vive em Londres, onde faz doutorado em relações internacionais pelo King's College London (em parceria com a USP). Jornalista e escritor, fez mestrado sobre a imagem internacional do país pelo Brazil Institute da mesma universidade inglesa. É autor do livro “Brazil, um país do presente - A imagem internacional do ‘país do futuro’” (Alameda Editorial) e do livreto “Brazil Now” da consultoria internacional Hall and Partners, além de outros quatro livros. Escreve regularmente para o UOL e para a Folha de S.Paulo, e trabalhou repórter do G1, do "Valor Econômico" e da própria Folha, além de ter sido editor-executivo do portal Terra e chefe de reportagem da rádio CBN em São Paulo.

Sobre o Blog

O Brasil é citado mais de 200 vezes por dia na mídia internacional. Essas reportagens e análises estrangeiras ajudam a formar o pensamento do resto do mundo a respeito do país, que tem se tornado mais conhecido e se consolidado como um ator global importante. Este blog busca compreender a imagem internacional do Brasil e a importância da reputação global do país a partir o monitoramento de tudo o que se fala sobre ele no resto do mundo, seja na mídia, na academia ou mesmo e conversas na rua. Notícias, comentários, análises, entrevistas e reportagens sobre o Brasil visto de fora.

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