Criticado no Brasil, SUS ganha elogios de pesquisadores de EUA e Inglaterra
Daniel Buarque
09/06/2015 10h22
O acadêmico britânico Richard Dawkins, após sofrer um pequeno acidente no Brasil, elogia velocidade no atendimento médico recebido
No final de maio, depois de uma visita ao Brasil para participar de palestras sobre seus estudos em defesa do ateísmo, o acadêmico britânico Richard Dawkins sofreu um pequeno acidente no aeroporto, quando ia deixar o país. Tropeçou e caiu quando ia entrar no avião em São Paulo, e teve que ir ao hospital. Dawkings publicou uma "carta do Brasil" em seu site pessoal, em que descrevia o ocorrido e dizia que tinha ficado surpreso com o bom (e rápido) atendimento do sistema de saúde brasileiro (mesmo sem especificar para onde havia sido levado para tratamento). "No hospital, fiquei impressionado com o quanto foi curta a espera. A experiência britânica havia me preparado para longas horas de espera no pronto socorro, e já era quase meia noite."
Foi o primeiro de dois importantes posicionamentos internacionais em defesa do sistema de saúde do Brasil nas últimas semanas, um dos temas de grande polêmica em discussões políticas no país e alvo de enormes críticas dos brasileiros.
Alguns dias depois, no início de junho, um artigo acadêmico publicado em uma das mais prestigiosas revistas de estudos sobre saúde no mundo se debruçava sobre o Sistema Único de Saúde e ressaltava que "o mundo pode aprender algumas lições da experiência brasileira". O principal ponto do texto assinado por dois pesquisadores estrangeiros é que o cuidado primário com base comunitária pode funcionar, se feito de forma apropriada.
"O Brasil teve rápido progresso no sentido da cobertura universal da sua população através do sistema de saúde nacional", diz o estudo. O país "investiu substancialmente na expansão do acesso aos cuidados com a saúde para todos os cidadãos", complementa. Segundo a pesquisa, uma importante inovação foi o desenvolvimento de um modelo de tratamento comunitário com foco na saúde da família (chamado de FHS, em inglês). "A evidência sugere que o FHS oferece um melhor acesso e qualidade, e resulta em maior satisfação dos usuários de que postos de saúde tradicionais", dizem.
Um dos pontos importantes do estudo de imagens internacionais de nações é entender que muito do que cidadãos de um país projetam como sendo a imagem de um outro país está relacionado com a forma como eles pensam sobre si mesmos. A imagem internacional do Brasil na Inglaterra, por exemplo, terá como base a forma como os britânicos pensam sobre seu próprio país, assim como acontece no Estados Unidos ou e qualquer outro lugar. A forma como outros países são interpretados de fora não é puramente objetiva e embasada, mas sempre passa por filtros que fazem parte do olhar de cada nacionalidade.
Ao avaliar o sistema de saúde brasileiro com um olhar estrangeiro, portanto, os pesquisadores levam em consideração que há grandes problemas em muitos outros países, até mesmo entre as nações desenvolvidas. O sistema de saúde público britânico, NHS, por exemplo, é considerado uma referência para todo o mundo, mas costuma ter problemas relacionados a longas esperas por atendimento (como mencionou o pesquisador britânico Dawkings, atendido após cair no aeroporto). O mesmo acontece quando se pensa o SUS em comparação com a saúde dos Estados Unidos, onde o atendimento público costuma ser amplamente criticado por especialistas. Além disso, os pesquisadores avaliaram ainda a situação em países não-desenvolvidos, onde os problemas aparentam ser ainda maiores de que os brasileiros.
Por mais que muitos brasileiros mais críticos naturalmente prefiram rejeitar a opinião dos pesquisadores internacionais que avaliaram o SUS (e até mesmo acusá-los de terem sido pagos para fazer propaganda do governo), a seriedade do artigo de cinco páginas aparenta ser inquestionável. A revista acadêmica em que ele saiu, a "New England Journal of Medicine", é publicada pela Massachusetts Medical Society e é uma das publicações mais prestigiosas do mundo em relação a questões de saúde – passando por várias avaliações de outros pesquisadores do tema antes de ser publicada.
Além disso, o artigo teve como autores dois pesquisadores com ampla experiência em temas relacionados a saúde pública no Brasil e no mundo: James Macinko e Matthew J. Harris. Macinko é professor de saúde pública da Universidade de Nova York (NYU) e trabalha questões relacionadas a sua área de pesquisa em uma perspectiva global, incluindo análises da situação do Brasil e de outros países da América Latina e do Caribe. Já Harris é professor da faculdade de Medicina do Imperial College de Londres, especializado em saúde pública, incluindo anos de pesquisa como médico no Brasil.
Mesmo que se discorde dos argumentos, a análise parece ser séria, e o artigo deles também não é todo elogios. "Apesar das muitas conquistas, o sistema de saúde brasileiro enfrenta sérios desafios financeiros e de organização", diz, criticando o baixo investimento público da saúde e especialmente o atraso no uso de novas tecnologias. Além disso, diz, faltam médicos no país, o que fez com que o governo criasse o "controverso" programa Mais Médicos.
As limitações da saúde pública no Brasil geram fortes críticas entre os próprios brasileiros, e o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) divulgou na última semana dados do censo nacional que formam um retrato um tanto problemático do SUS. Apesar de registrar o atendimento relativamente eficiente de milhões de pessoas em situação de emergência, e internamento em casos mais sérios, o levantamento mostrou que há uma enorme discriminação, especialmente por pobreza, na rede de saúde do país – além de limitações em redes de saneamento e coleta de lixo, que podem causar doenças.
A questão principal é pensar que a discussão sobre saúde não deveria se limitar ao debate político superficial entre governo e oposição. Uma análise objetiva dos estudos recentes sobre o SUS (de estrangeiros e do IBGE) podem levar a crer que o sistema brasileiro de fato avançou nas últimas décadas, o que é algo positivo, mesmo que seja verdade que ainda há enormes problemas no sistema e grandes obstáculos precisam ser superados para que o país possa considerar que oferece um serviço de realmente de qualidade a todos os cidadãos. Em vez de rejeitar o olhar estrangeiro, o ideal é usá-lo como base para que possamos questionar a realidade e pensar melhor, e mais objetivamente, sobre os problemas e desafios do país.
Sobre o Autor
Daniel Buarque vive em Londres, onde faz doutorado em relações internacionais pelo King's College London (em parceria com a USP). Jornalista e escritor, fez mestrado sobre a imagem internacional do país pelo Brazil Institute da mesma universidade inglesa. É autor do livro “Brazil, um país do presente - A imagem internacional do ‘país do futuro’” (Alameda Editorial) e do livreto “Brazil Now” da consultoria internacional Hall and Partners, além de outros quatro livros. Escreve regularmente para o UOL e para a Folha de S.Paulo, e trabalhou repórter do G1, do "Valor Econômico" e da própria Folha, além de ter sido editor-executivo do portal Terra e chefe de reportagem da rádio CBN em São Paulo.
Sobre o Blog
O Brasil é citado mais de 200 vezes por dia na mídia internacional. Essas reportagens e análises estrangeiras ajudam a formar o pensamento do resto do mundo a respeito do país, que tem se tornado mais conhecido e se consolidado como um ator global importante. Este blog busca compreender a imagem internacional do Brasil e a importância da reputação global do país a partir o monitoramento de tudo o que se fala sobre ele no resto do mundo, seja na mídia, na academia ou mesmo e conversas na rua. Notícias, comentários, análises, entrevistas e reportagens sobre o Brasil visto de fora.