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Momento do Brasil é de descer ladeira abaixo, mas país vai sobreviver

Daniel Buarque

15/05/2015 10h25

Manifestantes se reúnem na praia de Copacabana, no Rio de Janeiro, durante protestos em março de 2015 (Foto:Júlio César Guimarães/UOL)

A política brasileira está doente. Afetada por corrupção, por uma separação entre os políticos e os cidadãos, e por uma dicotomia entre exagero de partidos e ausência de ideologias, problemas que levam o país a uma crise na qual o Poder Legislativo simplesmente não funciona e o Executivo não consegue governar. Se tudo parece muito ruim, entretanto, o país já demonstrou historicamente que é um paciente resistente, que aguenta forte as aflições da sua política. Esta é a analogia que vem à mente após conversar com o pesquisador americano Riordan Roett, um dos mais importantes estudiosos da política brasileira no exterior.

Entre as avaliações do diagnóstico da situação atual do país, o brasilianista diz que "há uma separação imensa entre o povo e as instituições políticas", "Brasília é muito distante dos brasileiros", "os brasileiros estão simplesmente fartos dos seus partidos políticos", "o sistema eleitoral aberto é um desastre", "com mais de 30 partidos é impossível para um governo".

Se tudo parece muito ruim, ele se diz ainda otimista com o Brasil e a solidez das suas instituições. "O momento atual é de descer ladeira abaixo, mas eu conheço o Brasil há muitas décadas, e o país sempre se levanta depois de crises assim. O Brasil sempre sobrevive."

Roett é diretor do Programa de Estudos da América Latina da universidade Johns Hopkins, em Washington, DC. Ele é autor de livros como "The New Brazil" (O novo Brasil), "Brazil under Cardoso" (Brasil sob Cardoso) e "Brazil – Politics In A Patrimonial Society" (Brasil – política em uma sociedade patrimonial), e recebeu a ordem de Rio Branco do governo brasileiro. O pesquisador foi entrevistado em abril como parte da produção da reportagem especial sobre democracia brasileira publicada no TAB, do UOL, na última segunda-feira (11). Leia abaixo a entrevista completa.

Brasilianismo – Em outubro do ano passado o senhor dizia em uma entrevista que a democracia no Brasil estava bem. Desde as eleições o país vem passando por sérias instabilidades. Qual sua opinião sobre a democracia brasileira hoje?
Riordan Roett – Acho que está relativamente sólida. Desde 1985 a democracia brasileira sobreviveu a José Sarney, a Fernando Collor de Mello, ao impeachment de Collor, a Itamar Franco, à crise da dívida, à crise do dólar, ao mensalão e agora está passando por mais uma crise similar. Sem justificar nada disso, isso mostra que as instituições funcionam relativamente bem.

A Justiça funciona relativamente bem, os investigadores estão indo atrás dos fatos, o Executivo é muito cheio de burocracias sem muito foco, mas o maior problema é o Congresso, que não funciona em absolutamente nada. O número de partidos só cresce. É impossível governar o país com quase 30 partidos políticos. Você precisa ficar o tempo todo negociando com partidos pequenos, que querem cargos políticos, e o planalto passa muito tempo apenas comprando apoio. Isso é uma forma muito ineficiente de governar. Além disso, sabemos que níveis de corrupção são extraordinariamente altos no Brasil, e vemos escândalos acontecendo todos os dias.

Considerando que é um sistema federativo e que os municípios são relativamente fortes, há muitas dinâmicas que não existem em países como Argentina, Venezuela, Peru, e faz com que a democracia brasileira seja relativamente previsível.

Brasilianismo – A ideia da solidez das instituições é válida mesmo quando vemos a população protestar ativamente contra o governo recém-eleito?
Riordan Roett – Os protestos de 2013 e deste ano são muito positivos. Eles mostram que os brasileiros estão começando a se manifestar pacificamente e a indicar ao governo que não estão satisfeitos com a má qualidade das escolas, dos hospitais, dos transportes e da infraestrutura.

A questão é que parece haver um bloco de concreto entre o povo e o planalto, separando os cidadãos dos governantes. E Dilma não parece ter nenhuma boa resposta para resolver isso. A razão pela qual ela provavelmente não vai sofrer impeachment é porque as pessoas têm medo de um governo do PMDB.

Brasilianismo – O senhor diz que o maior problema é o fato de o Congresso não funcionar. Por que isso acontece?
Riordan Roett – O problema é o sistema eleitoral que permite que existam mais de 30 partidos. Há estudos há decadas que pedem que o congresso repense a estrutura partidária, mas para fazer isso, eles fariam perder seus empregos. Seria preciso mudar o sistema para ter três ou quatro partidos, um Congresso administrável. Com mais de 30 partidos é impossível para um governo.

Brasilianismo – Há quem critique que, além de ter muitos partidos, eles não têm ideologia suficiente. O que o senhor acha?
Riordan Roett – Acho que este ainda é o caso. Ninguém sabe que são os líderes desses partidos. O sistema eleitoral aberto é um desastre na tentativa de responsabilizar os partidos. O Brasil é o único país grande com este tipo de sistema, mas para mudar seria preciso que o Congresso fizesse as mudanças, mas o congresso acredita que o sistema atual está melhor para ele.

O que acho irônico é que o Brasil tem tecnologia excelente e permite que saibamos o resultado das eleições rapidamente, mas não conseguimos acompanhar o trabalho do Congresso, que é grande demais.

Brasilianismo – O senhor acha que é possível separar ideologicamente esses partidos e definir quem é esquerda e direita no Brasil?
Riordan Roett – Acho muito confuso. Todos os partidos têm uma mistura de facções. Há extremistas e discordâncias dentro dos próprios partidos. O PMDB é assim, o PT deixou de ser um partido tradicional de esquerda, o PSDB tem perdido apoio no país inteiro.

Os brasileiros estão simplesmente fartos dos seus partidos políticos. Os partidos não parecem coerentes, não parecem ter programas e não aprecem tentar mudar para melhor a vida das pessoas, que é o que os cidadãos esperam dos políticos.

O sistema de eleição com lista aberta e por coalizão não funciona. O Brasil precisa de voto distrital, combinado com representação proporcional. Como você pode acompanhar política se as pessoas não sabem quem as representa. O voto distrital é muito mais fácil para quem quer acompanhar política.

Brasilianismo – Apesar de o senhor está mencionando falhas no funcionamento do Congresso, a maioria dos protestos e da polarização política atual fala sobre a Presidência. Na sua opinião, então, os brasileiros deveriam se manifestar por um poder Legislativo mais eficiente?
Riordan Roett – Exatamente. Não temos uma fórmula perfeita, mas a forma de melhorar a democracia é tornar o congresso mais responsável e mais responsivo. É uma batalha difícil, que so vai ser alcançada pela pressão popular por reformas estruturais.

O problema é que Brasília é muito distante dos brasileiros. Mudar a capital nacional do Rio para Brasília foi um sério erro histórico. No Rio, políticos tinham que enfrentar os cidadãos. Tinham de confrontar seus vizinhos, tinham que confrontar sindicatos, a imprensa. Brasília é um desastre, uma cidade vazia. Quando vou ao Congresso nos Estados Unidos, é impressionante a quantidade de pessoas que querem acompanhar política. Em Brasília é o oposto. Tudo está sempre vazio. Há uma separação imensa entre o povo e as instituições políticas em Brasília.

Brasilianismo – o senhor acredita em uma possível reforma política?
Riordan Roett – No curto prazo, não. A crise econômica precisaria ficar muito pior para que a pressão conseguisse mudar as instituições, mas não acho provável que isso aconteça. Estamos presos a uma posição em que vamos continuar vivendo com impossibilidade de prever o que vai acontecer.

Brasilianismo – A corrupção é um problema apenas político, ou está ligado a toda a sociedade no Brasil?
Riordan Roett – Acredito que é um problema social, não apenas político. A Petrobras, por exemplo, é uma empresa separada da política, mas está mergulhada em corrupção. As empreiteras são empresas privadas e estão envolvidas em corrupção. Os intermediários também. Infelizmente parece algo que faz parte da herança cultural histórica do Brasil.

Brasilianismo – Acredita que as atuais investigações podem ajudar a mudar isso?
Riordan Roett – Esperávamos isso no caso do Mensalão, mas acabou não sendo o caso. A situação atual parece ainda pior, então a investigação está sendo positiva, mas é dificil pensar que isso vai mudar radicalmente o sistema.

Brasilianismo – Muitos dos problemas da política brasileira são parecidos com polarizações e radicalismos registrados também em outros países. Existe uma tendência global de repensar a democracia?
Riordan Roett – Há uma tendência, sim, dado o mal estar político e econômico. As pessoas estão cada vez mais descontentes com o status quo e estão buscando formas de chacoalhar o estabilishment e mudar tudo.

Brasilianismo – O senhor é otimista ou pessimista em relação ao Brasil?
Riordan Roett – O momento atual é de descer ladeira abaixo, mas eu conheço o Brasil há muitas décadas, e o país sempre se levanta depois de crises assim. O Brasil sempre sobrevive.

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Sobre o Autor

Daniel Buarque vive em Londres, onde faz doutorado em relações internacionais pelo King's College London (em parceria com a USP). Jornalista e escritor, fez mestrado sobre a imagem internacional do país pelo Brazil Institute da mesma universidade inglesa. É autor do livro “Brazil, um país do presente - A imagem internacional do ‘país do futuro’” (Alameda Editorial) e do livreto “Brazil Now” da consultoria internacional Hall and Partners, além de outros quatro livros. Escreve regularmente para o UOL e para a Folha de S.Paulo, e trabalhou repórter do G1, do "Valor Econômico" e da própria Folha, além de ter sido editor-executivo do portal Terra e chefe de reportagem da rádio CBN em São Paulo.

Sobre o Blog

O Brasil é citado mais de 200 vezes por dia na mídia internacional. Essas reportagens e análises estrangeiras ajudam a formar o pensamento do resto do mundo a respeito do país, que tem se tornado mais conhecido e se consolidado como um ator global importante. Este blog busca compreender a imagem internacional do Brasil e a importância da reputação global do país a partir o monitoramento de tudo o que se fala sobre ele no resto do mundo, seja na mídia, na academia ou mesmo e conversas na rua. Notícias, comentários, análises, entrevistas e reportagens sobre o Brasil visto de fora.

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