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BBC usou viés negativo e aumentou em 4 vezes a cobertura do Brasil na Copa

Daniel Buarque

07/05/2015 10h12

Capa da rede britânica BBC na internet após o fim de Copa, dizendo que evento foi um dos melhores de todos os tempos

A Copa do Mundo de 2014 aumentou exponencialmente a visibilidade do Brasil no exterior através da cobertura que a imprensa internacional fez do evento, mesmo que muita atenção tenha sido dada a problemas do país.

Um estudo realizado pelo sociólogo e documentarista brasileiro Julio Matos em Londres revela que somente o jornalismo da rede britância BBC, por exemplo, deu 4 vezes mais visibilidade para o país no período que antecedeu e no qual foi realizada a Copa, em comparação ao mesmo período em anos anteriores.

"Apesar de ampliar a visibilidade ao país, o jornalismo da emissora criou uma visão negativa em relação ao país neste período que antecedeu os jogos", explicou Matos em entrevista ao blog Brasilianismo. Segundo ele, a cobertura jornalística da BBC seguiu uma tendência mundial em relação aos assuntos abordados, enfocando quase sempre com viés negativo problemas como a violência, o atraso nas obras, a epidemia de dengue e a falta de água.

O lado positivo é que depois do início da competição, o futebol roubou o foco e a imagem projetada se tornou menos negativa, chegando a apontar a Copa como uma das melhores de todos os tempos. "Na prática, depois do primeiro apito do juiz, todas as críticas e denúncias cederam lugar à uma enxurrada de gols, dribles e astros do esporte."

Gráfico mostra o aumento do número de notícias sobre o Brasil a cada ano

O estudo de Matos, uma análise sobre a imagem do Brasil produzida pela BBC no período que antecedeu o início da Copa do Mundo, foi o trabalho de conclusão do mestrado pela universidade de Goldsmiths, na Inglaterra. Ele avaliou não apenas a produção jornalística, mas também com os documentários e os programas de entretenimento que de alguma forma abordaram o Brasil.

Leia abaixo a entrevista completa

Brasilianismo – O que o levou a estudar este tema?
Julio Matos – Fui para Londres fazer um mestrado na Goldsmiths, com uma pesquisa sobre televisão pública focada na BBC (British Broadcasting Coorporation). Meu objetivo inicial era analisar como a independência política da emissora foi lapidada e como sua manutenção é feita no cotidiano. A pesquisa seria realizada através de uma análise da imparcialidade do jornalismo em relação ao governo britânico.

No entanto, naquele período o Brasil estava passando por uma ebulição política e social, decorrente dos protestos de junho de 2013. E com a proximidade da Copa do Mundo, o país entrou na pauta da emissora com muita força. Matérias jornalísticas, documentários, programas culinários e turísticos foram produzidos sobre o Brasil para todos os públicos, tanto na Inglaterra quanto em outras partes do mundo (através da BBC World).

Diante deste contexto meu orientador, o veterano James Curran ("Power Without Responsability", "Media and Society"), observou bem que eu tinha diante de mim um objeto muito mais atraente e que eu teria mais bagagem política e cultural para analisar. Assim, minha pesquisa e dissertação acabaram por ser uma análise sobre a imagem do Brasil produzida pela BBC no período que antecedeu o início da Copa do Mundo. Vale ressaltar que a análise não foi feita somente com a produção jornalística, mas também com os documentários e os programas de entretenimento que de alguma forma abordaram o Brasil, e que foram muito profícuos para a pesquisa.

Brasilianismo – Que imagem do Brasil a BBC passou durante a Copa de 2014?
Julio Matos – Antes de responder a esta pergunta, é importante ressaltar que a Copa de 2014 aumentou exponencialmente a visibilidade do Brasil no exterior. Somente o jornalismo da BBC deu 4 vezes mais visibilidade para o país no período analisado em comparação ao mesmo período em anos anteriores.

Gráfico mostra a maior proporção de notícias sobre o Brasil com viés negativo na rede BBC

Para melhor entendimento dos resultados da pesquisa, vale também explicar a metodologia adotada. Primeiramente mapeei tudo o que foi veiculado sobre o país no mês que antecedeu o início da Copa de 2014 em todos os canais da emissora (TV, Rádio e Internet), cataloguei este conteúdo e, por fim, realizei uma análise de conteúdo classificando-os entre positivos e negativos em relação à imagem do Brasil, e positivo ou negativo em relação ao governo brasileiro.

A partir disto, pude observar que a cobertura jornalística da BBC seguiu uma tendência mundial em relação aos assuntos abordados – violência, atraso nas obras, epidemia de dengue, falta de água, etc… – e também em relação ao viés: negativo, em sua grande maioria.

Outros estudos sobre a cobertura jornalística de mega-eventos já haviam revelado que existe uma tendência a dar visibilidade aos problemas do país-sede, criando um clima de suspense (será que vai dar certo?) em relação à capacidade dos organizadores do evento, e denunciando seu fracasso ao apontar as falhas, erros e falta de infraestrutura. Assim, apesar de ampliar a visibilidade ao país, o jornalismo da emissora criou uma visão negativa em relação ao país neste período que antecedeu os jogos.

Brasilianismo – O que o surpreendeu durante a pesquisa?
Julio Matos – A surpresa da pesquisa ficou por conta do conteúdo não jornalístico. Vale ressaltar que dentro da BBC a produção documental goza de uma certa independência do jornalismo, diferente da maioria das televisões brasileiras. E foi justamente esta produção que revelou uma densidade interessante, criando um contra-ponto crítico ao jornalismo tradicional.

O peso que este conteúdo teve na grade de programação da emissora revela também um diferencial da BBC em relação às televisões comerciais de todo o mundo: os documentários são exibidos em horário nobre e possuem uma grande audiência. Isto se explica porque, desde a sua fundação, o lema da emissora é "informar, educar e entreter". Os documentários sempre foram considerados conteúdo nobre, capazes de abarcar os três objetivos e muito valorizados tanto pela direção da emissora como pela audiência britânica.

No entanto, é muito difícil saber se o contra-ponto que o conteúdo não-jornalístico exerceu na cobertura da Copa surtiu algum efeito na imagem que o Inglês teve do Brasil neste período. Primeiro, porque a minha pesquisa não se estendeu à percepção da audiência; segundo porque este tipo de conteúdo não foi mais veiculado quando a competição começou. Na prática, depois do primeiro apito do juiz, todas as críticas e denúncias cederam lugar à uma enxurrada de gols, dribles e astros do esporte.

Brasilianismo – Que diferença vê no tipo de cobertura de uma TV pública como a BBC e de redes de TVs privadas do Brasil?
Julio Matos – Para entender a diferença entre a BBC e a maior parte das televisões do mundo ocidental, é preciso conhecer um pouco mais a Corporação. A BBC tem um diferencial essencial, que é um dos seus pilares e que influencia toda a sua cadeia produtiva: ela não possui financiamento privado. Isto significa que na sua programação não há propagandas comerciais. Desde a sua fundação, a BBC é financiada por uma taxa compulsória (TV Licensing) que toda a população tem que pagar. Como este dinheiro não passa pelo governo, ela goza também de uma independência política que muitas emissoras públicas (incluindo as brasileiras) padecem.

Se Noam Chomsky definiu tão bem a influência que a televisão americana sofre das empresas e governos que as financiam em "Manufacturing Consent", a BBC parece ter conseguido criar um modelo de financiamento e gestão que em teoria garante independência e qualidade na sua programação. Obviamente há muitos estudos que questionam sua independência, especialmente em relação ao parlamento inglês, que de tempos em tempos cria um comitê para decidir o futuro da corporação. No entanto, historicamente seu modelo foi capaz de construir uma sólida reputação e produzir conteúdos de excelência, relativamente imunes às instabilidades políticas.

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Sobre o Autor

Daniel Buarque vive em Londres, onde faz doutorado em relações internacionais pelo King's College London (em parceria com a USP). Jornalista e escritor, fez mestrado sobre a imagem internacional do país pelo Brazil Institute da mesma universidade inglesa. É autor do livro “Brazil, um país do presente - A imagem internacional do ‘país do futuro’” (Alameda Editorial) e do livreto “Brazil Now” da consultoria internacional Hall and Partners, além de outros quatro livros. Escreve regularmente para o UOL e para a Folha de S.Paulo, e trabalhou repórter do G1, do "Valor Econômico" e da própria Folha, além de ter sido editor-executivo do portal Terra e chefe de reportagem da rádio CBN em São Paulo.

Sobre o Blog

O Brasil é citado mais de 200 vezes por dia na mídia internacional. Essas reportagens e análises estrangeiras ajudam a formar o pensamento do resto do mundo a respeito do país, que tem se tornado mais conhecido e se consolidado como um ator global importante. Este blog busca compreender a imagem internacional do Brasil e a importância da reputação global do país a partir o monitoramento de tudo o que se fala sobre ele no resto do mundo, seja na mídia, na academia ou mesmo e conversas na rua. Notícias, comentários, análises, entrevistas e reportagens sobre o Brasil visto de fora.

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