Mathilde Chatin – Brasilianismo http://brasilianismo.blogosfera.uol.com.br Daniel Buarque é jornalista e escritor com mestrado sobre a imagem internacional do país pelo Brazil Institute do King's College de Londres. Fri, 31 Jan 2020 12:20:22 +0000 pt-BR hourly 1 https://wordpress.org/?v=4.7.2 Diplomacia de Bolsonaro ameaça isolar o Brasil no mundo, diz pesquisadora http://brasilianismo.blogosfera.uol.com.br/2019/04/10/diplomacia-de-bolsonaro-ameaca-isolar-o-brasil-no-mundo-diz-pesquisadora/ http://brasilianismo.blogosfera.uol.com.br/2019/04/10/diplomacia-de-bolsonaro-ameaca-isolar-o-brasil-no-mundo-diz-pesquisadora/#respond Wed, 10 Apr 2019 07:00:37 +0000 http://brasilianismo.blogosfera.uol.com.br/?p=5392 Para Mathilde Chatin, doutora em relações internacionais pelo King’s College London, a mudança na identidade internacional do Brasil e o afastamento dos princípios consagrados da política externa brasileira, que constituem a base do seu soft power, podem afetar a imagem do país, que assume o risco de se isolar no cenário internacional

Em cem dias de governo, o presidente Jair Bolsonaro e seu ministro de Relações Exteriores, Ernesto Araújo, deixaram clara a mudança nas prioridades e na agenda de política externa do Brasil em uma série de medidas, viagens e declarações públicas. Para a pesquisadora francesa Mathilde Chatin, a mudança na agenda diplomática ameaça o que Brasil construiu ao longo de décadas e pode isolar o país no mundo.

“A alteração da identidade internacional do Brasil e o afastamento dos princípios consagrados da política externa brasileira, que constituem a base do soft power do Brasil, podem afetar a imagem do país, que assume o risco de se isolar no cenário internacional”, disse Chatin, que é doutora em relações internacionais pelo King’s College London, em entrevista ao blog Brasilianismo.

Segundo a pesquisadora, a política externa de maior ativismo, visibilidade e autonomia dos anos 2000 conseguiu projetar o Brasil como uma potência, mas isso pode se perder pela atual política.

Em entrevista concedida ao Brasilianismo em julho de 2017, Chatin já avaliava a retração da presença brasileira no cenário global nos últimos anos e o encolhimento da diplomacia do Itamaraty, explicando que se tratava de um reflexo de perda de força do Brasil no exterior por conta das crises no país. A atual mudança na postura do Brasil, explicou, fragiliza ainda mais sua capacidade de se apresentar como mediador e afeta sua projeção como um ator de peso dentro do sistema de segurança internacional.

Chatin escreveu um artigo acadêmico (ainda não publicado) sobre a reaproximação das relações entre Brasil e Estados Unidos. Para ela, ao alinhar sua política externa com a dos EUA, o Brasil pode restringir o escopo dos seus parceiros, limitar sua autonomia e independência e perder sua margem de manobra na definição da sua política externa.

A pesquisadora Mathilde Chatin

Brasilianismo – O governo Bolsonaro começou há apenas três meses, mas já indica grandes mudanças na política externa brasileira. Qual a sua interpretação sobre a guinada diplomática do novo governo?
Mathilde Chatin – Jair Bolsonaro construiu sua identidade política em função de um discurso que promove uma mudança radical na política externa brasileira para, segundo ele, distanciá-la do viés ideológico ao qual esteve submissa durante os governos da esquerda “petista”. De fato, a política externa conduzida pelo governo Bolsonaro já marcou uma ruptura com as administrações anteriores. Até certo ponto, Bolsonaro também mostrou que está se afastando de certas diretrizes e características duradouras da tradição diplomática brasileira, tal como a preferência pelo multilateralismo e o legalismo, a resolução pacífica dos conflitos, a não-interferência e o respeito à soberania.

Brasilianismo – Parte da mudança trazida pelo novo governo rompe com o que os governos do PT buscavam, mas uma parcela da nova política externa também se afasta de uma tradição histórica do Itamaraty. Que impactos de longo prazo podem ter as mudanças trazidas por Bolsonaro para a política externa?
Mathilde Chatin – Dentro das organizações internacionais, o fato de o Brasil não cumprir seus compromissos terá um impacto sobre a sua credibilidade como um parceiro confiável dentro do sistema multilateral. O Brasil retirou sua oferta de sediar a próxima Conferência das Partes (COP-25) em 2019, anunciou sua saída do Pacto Global para a Migração das Nações Unidas (ONU), assinada em dezembro de 2018, oito dias depois da posse de Bolsonaro e foi o único entre 48 países a votar contra a convenção da Organização Internacional do Trabalho (OIT) sobre os povos indígenas em março de 2019.

Além disso, abandonar o conceito de não ingerência dentro dos assuntos internos na América do Sul, como foi o caso na resolução da crise democrática na Venezuela, cria preocupação nos países vizinhos. Renunciar a uma posição neutra na resolução de conflitos, como mostra o posicionamento do Brasil em favor do líder do governo de transição Juan Guaidó, fragiliza sua capacidade de se apresentar como mediador, bem como sua projeção como um ator de peso dentro do sistema de segurança internacional.

Brasilianismo – Que impactos essa mudança na diplomacia pode ter para o status internacional do Brasil?
Mathilde Chatin – A política externa de maior ativismo, visibilidade e autonomia dos anos 2000 tinha projetado o Brasil como uma potência reconhecida no cenário internacional. O Brasil pode acabar perdendo os benefícios obtidos por essa política, os quais já foram enfraquecidos pela crise econômica e política que o país sofreu nos últimos anos.

Brasilianismo – Que efeitos você acha que Bolsonaro tem sobre a percepção internacional sobre o Brasil? Harold Trinkunas, do Brookings, chegou a falar em riscos ao soft power do Brasil. O que acha disso?
Mathilde Chatin – A alteração da identidade internacional do Brasil e o afastamento dos princípios consagrados da política externa brasileira, que constituem a base do soft power do Brasil, podem afetar a imagem do país, que assume o risco de se isolar no cenário internacional.

Já mencionei essa citação do Embaixador Celso Amorim numa entrevista dada anteriormente e veiculada por esse mesmo blog, que é adequada também nesse caso. Afirmando que o “Brasil não pode desperdiçar seu soft power”, ele alertou: “Você não pode decepcionar, porque aquilo que você leva dez anos para criar – uma confiança, uma relação – você, com um ato, pode perder. Depois pode recuperar, mas dá muito trabalho recuperar”.

Brasilianismo – Como vê o maior alinhamento do Brasil aos Estados Unidos de Donald Trump?
Mathilde Chatin – O alinhamento com os EUA, que se traduz na implementação por Bolsonaro de medidas inspiradas no “Trumpismo”, é o resultado de uma proximidade ideológica entre os dois chefes de estado da direita conservadora atualmente no poder, Bolsonaro e Trump.

Isso pode ser ilustrado por ações simbólicas de Bolsonaro em relação a Israel. Trump transferiu a Embaixada americana de Tel Aviv a Jerusalém; Bolsonaro também declarou que ia transferir a Embaixada brasileira, antes de anunciar a abertura de um escritório comercial durante sua visita oficial no final de março de 2019. Além disso, Trump em 2017 e Mike Pompeo, Secretário de Estado americano, em março de 2019, visitaram a Basílica do Santo Sepulcro e o Muro das Lamentações em Jerusalém-Est, nos territórios ocupadas por Israel. Bolsonaro também visitou esses monumentos durante a viagem dele. Esses eventos refletem o alinhamento com a visão política dos EUA de Trump

Brasilianismo – Acha que há riscos no alinhamento automático com os Estados Unidos?
Mathilde Chatin – Ao alinhar sua política externa com a dos EUA, o Brasil pode restringir o escopo dos seus parceiros, limitar sua autonomia e independência alcançadas em relação às grandes potências e perder sua margem de manobra na definição da sua política externa. Tendo em vista a realidade econômica, em sua aproximação com os EUA o Brasil não pode ignorar o peso econômico da China, primeiro parceiro comercial do Brasil. Com efeito, por causa dessa aliança, optar por posições que não seriam necessariamente do melhor interesse do país. Também, fazer escolhas que não sejam alinhadas à sua tradição diplomática, como entre outras o abandono da equidistância no conflito entre Israel e Palestina.

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Expansão do Brasil no mundo foi ‘ponto fora da curva’, segundo pesquisadora http://brasilianismo.blogosfera.uol.com.br/2017/07/25/expansao-do-brasil-no-mundo-foi-ponto-fora-da-curva-segundo-pesquisadora/ http://brasilianismo.blogosfera.uol.com.br/2017/07/25/expansao-do-brasil-no-mundo-foi-ponto-fora-da-curva-segundo-pesquisadora/#respond Tue, 25 Jul 2017 14:51:58 +0000 http://brasilianismo.blogosfera.uol.com.br/?p=3708

A chanceler alemã, Angela Merkel, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (centro) e o presidente norte-americano, Barack Obama (à dir.), conversam durante a cúpula do G20, em Pittsburgh (EUA)

A retração da presença brasileira no cenário global nos últimos anos e o encolhimento da diplomacia do Itamaraty são reflexo de perda de força do Brasil no exterior por conta das crises no país. Esta retração tem causas políticas e econômicas, mas se torna mais perceptível por conta do período de expansão excepcional registrado durante os anos anteriores, especialmente durante os governos de Luiz Inácio Lula da Silva.

A avaliação foi feita pela pesquisadora Mathilde Chatin, que estudou a busca do Brasil pelo status de potência global e sua inserção internacional independente do seu poder militar em seu doutorado, completado no primeiro semestre no King’s College de Londres.

Para ela, a perda de força do Brasil é reflexo de uma retração visível da política externa brasileira no período mais recente em comparação com os anos do governo Lula, mas ela também acredita que o período de expansão é que foi exceção no histórico desta inserção global do país.

A pesquisadora Mathilde Chatin

“O contexto econômico e político que os sucessores enfrentaram foi drasticamente diferente do qual o Presidente Lula beneficiou. Pode ser que aquele período tenha sido um ‘ponto fora da curva’, que se regularizou com seus sucessores – inclusive por falta de interesse em política externa da Presidente Dilma Rousseff e uma diplomacia presidencial menos intensa”, disse.

Leia também: ‘Com Dilma e Temer, o Brasil voltou à normalidade de presidentes medíocres’

As crises políticas e econômicas pelas quais o Brasil passa atualmente afetam o andamento da política externa brasileira e da projeção internacional do país de forma mais ampla, até porque geram cortes no orçamento do Ministério das Relações Exteriores e da Defesa, segundo ela.

Apesar do encolhimento da força brasileira, Chatin defende que o potencial do soft power em colocar o Brasil como potencial emergente no mundo ainda existe. “É a forma mais efetiva para a inserção brasileira”, disse.

Brasilianismo – Como as crises política e econômicas afetam as relações internacionais do Brasil?

Mathilde Chatin – As crises política e econômica afetam o andamento da política externa. Cortes no orçamento do Ministério das Relações Exteriores e da Defesa têm impacto sobre o funcionamento das embaixadas, e diplomatas brasileiros comentam sobre a incapacidade de atender custos básicos (contas e salários) e impedidos de fazer o trabalho regular (atividades, eventos e convites importantes). Afetam também o financiamento de projetos de cooperação para o desenvolvimento, e o financiamento para projetos de defesa em andamento ou planejamento também tem dificuldades.

O Brasil acumulou dívidas com várias organizações internacionais e ultimamente perdeu seu direito a voto na Corte Penal Internacional e a Agência Internacional de Energia Atómica.

Brasilianismo – Acha que pode-se falar em encolhimento da presença do país no mundo nos últimos anos?

Mathilde Chatin – o caso do G20 é um exemplo de grande visibilidade do efeito da crise política sobre as relações internacionais do Brasil, assim como do seu posicionamento hesitante em grandes debates globais onde o papel do país é estrategicamente interessante.

O Presidente teve uma presença desbotada no G20, na Alemanha: não estava no programa porque tinha anunciado o cancelamento da viagem para aquela reunião; não realizou nenhum encontro bilateral, já que lideres interessados em se reunir com Temer remanejaram suas agendas; no meio da crise interna, voltou ao Brasil depois de apenas 30 horas e perdeu o ultimo almoço com seus pares.

O professor Oliver Stuenkel fez uma comparação interessante entre o ano 2009 e aquele G20 no qual a capacidade do Brasil de priorizar sua atuação externa e ajudar a moldar uma transformação profunda do sistema internacional através a emergência de um mundo menos centrado no Ocidente.

Oito anos atrás, o Brasil estava se consolidando como uma potência diplomática global durante as duas primeiras cúpulas presidenciais do G20, até negociar um aumento de sua representação no FMI com os outros BRICs. No mesmo ano, a primeira cúpula presidencial do BRICs ocorreu em Ecaterimburgo, refletindo um deslocamento histórico para as potências emergentes.

Brasilianismo – O governo de Dilma Rousseff foi muito criticado por não priorizar o trabalho da diplomacia brasileira. Temer assumiu com promessa de mudar isso, mas parece não ter conseguido avançar a agenda de política externa do Brasil. Como você avalia esta mudança desde Lula e o momento atual da diplomacia brasileira?

Mathilde Chatin – O Brasil experimentou uma retração visível da sua política externa no período mais recente em comparação com os anos do governo Lula, limitando o poder de atuação do país no contexto internacional.

O contexto econômico e político que os sucessores enfrentaram foi drasticamente diferente do qual o presidente Lula se beneficiou –obriga a dedicar mais intenção as dificuldades domesticas que reduzem severamente os recursos para manter um vigoroso engajamento internacional.

O período do presidente Lula também deu um forte impulso ao objetivo firme de inserir o Brasil no contexto internacional com uma política externa ambiciosa e um passo hiperativo.

Pode ser que aquele período tenha sido um “ponto fora da curva” que se regularizou com seus sucessores –inclusive por falta de interesse em política externa da Presidente Dilma Rousseff e uma diplomacia presidencial menos intensa.

Brasilianismo – O “soft power” tem sido usado para compreender a ascensão diplomática do Brasil no mundo no século XXI, mas o Brasil acabou de cair 5 posições (da 24ª para a 29ª) no ranking mais recente de soft power da Portland (soft power 30). O que explica isso?

Mathilde Chatin – Em primeiro lugar, estudiosos estão de acordo sobre o fato de que é difícil medir o poder. Ainda assim, se você olhar aqueles critérios usados pela Portland: um deles é “governo”, então crise política com vários casos de corrupção de grande visibilidade talvez tenha um impacto sobre a imagem do Brasil como ator confiável e deve ter afetado o resultado.

A avaliação também considera “engajamento”, e o menor ativismo internacional (em particular ao nível da diplomacia presidencial) e atuação mais apagada do Brasil no nível global podem ter afetado o resultado.

Brasilianismo – Sem soft power, o que sobraria como forma de o Brasil se colocar como uma potência emergente no mundo?

Mathilde Chatin – o potencial do soft power em colocar o Brasil como potencial emergente no mundo ainda existe e é a forma mais efetiva para aquela inserção brasileira, inclusive valores e princípios que tem defendido no cenário internacional (uso não excessivo da força, busca de soluções diplomáticas e investimento no desenvolvimento, multilateralismo, etc.) e a realidade que é importante demais como membro dos BRICS para ser ignorado em grandes discussões internacionais. O que talvez falte é uma maior afirmação daquele soft power no período mais recente.

Brasilianismo – Acha que este processo de encolhimento pode desfazer as conquistas internacionais do país do início do século?

Mathilde Chatin – Em uma entrevista, o ex-ministro da Defesa e das Relações Exteriores Celso Amorim comentou afirmou que “Brasil não pode desperdiçar seu soft power” e comentou: “Você não pode decepcionar, porque aquilo que você leva dez anos para criar –uma confiança, uma relação– você com um ato pode perder. Depois pode recuperar, mas dá muito trabalho recuperar”. Acho que é um bom resumo do risco.

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