História – Brasilianismo http://brasilianismo.blogosfera.uol.com.br Daniel Buarque é jornalista e escritor com mestrado sobre a imagem internacional do país pelo Brazil Institute do King's College de Londres. Fri, 31 Jan 2020 12:20:22 +0000 pt-BR hourly 1 https://wordpress.org/?v=4.7.2 Em 68, New York Times via AI-5 deixar ditadura violenta e livre de amarras http://brasilianismo.blogosfera.uol.com.br/2019/10/31/em-68-new-york-times-via-ai-5-deixar-ditadura-violenta-e-livre-de-amarras/ http://brasilianismo.blogosfera.uol.com.br/2019/10/31/em-68-new-york-times-via-ai-5-deixar-ditadura-violenta-e-livre-de-amarras/#respond Thu, 31 Oct 2019 20:51:00 +0000 http://brasilianismo.blogosfera.uol.com.br/?p=6017
“Prisões”, “censura”, “perseguição”, “Congresso fechado”, “ditadura livre de amarras constitucionais”. Uma busca pelo termo “Brazil” nos arquivos do jornal norte-americano The New York Times em dezembro de 1968, quando foi emitido o AI-5, mostram que mesmo de fora era perceptível o quanto o regime militar ditatorial ampliava seu poder e cerceava a liberdade de forma violenta com o Ato.

O resgate do arquivo da época é importante no momento em que o deputado federal Eduardo Bolsonaro diz que se a esquerda brasileira “radicalizar”, uma resposta pode ser “via um novo AI-5”. Enquanto o Ato levou críticos a serem atacados e calados com violência dentro do Brasil na época, fora do país já se via que a liberdade era esmagada por radicais.

O arquivo do jornal mostra que foram publicados 74 textos mencionando o país no mês do AI-5. Quase todos eles mostram uma imagem muito negativa do país que se afastava de forma mais evidente da democracia.

“Centenas de prisões no Brasil em crise política”, dizia o título de uma reportagem de 16 de dezembro. “Censura do Exército é imposta à imprensa, rádio e TV”, continua.

No dia seguinte, o jornal publicava mais de meia página sobre o que acontecia no país. Uma análise dizia que uma ditadura militar livre de amarras constitucionais se consolidava.

“A explosão da ira militar contra críticos civis do governo apoiado pelos militares de Arthur da Costa e Silva é uma vitória de oficiais da ‘linha dura’ do Exército que querem um regime mais forte”, avaliava o jornal.

Apesar da fala de Eduardo Bolsonaro ser uma ameaça contra o que ele chama de “radicalização”, o jornal americano relata, dias após o AI-5, que a medida já era planejada pelos militares para ampliar os poderes da ditadura.

Segundo o New York Times, com o Ato, qualquer crítico do governo era rotulado como “subversivo”.

“Esses coronéis veem ‘progresso ordenado’ como uma questão de segurança nacional. Eles descrevem como subversivos os políticos, intelectuais, padres católicos, jornalistas e estudantes que protestam contra a indiferença em relação a problemas sociais, incompetência administrativa e brutalidade policial”, diz.

Logo abaixo, um texto com foco em política externa e relações bilaterais argumentava que o aumento da repressão no Brasil podia se consolidar como um problema para o governo dos Estados Unidos.

“O Departamento de Estado disse hoje que as prisões no Brasil ‘apresentam um sério problema potencial’, mas não agiu para suspender relações diplomáticas”, dizia.

Segundo o jornal, a questão da suspensão das relações diplomáticas não foi levantada por não ter havido uma mudança de governo.

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PT reabilitou militares que colonizaram base de Bolsonaro, diz pesquisador http://brasilianismo.blogosfera.uol.com.br/2019/10/17/pt-reabilitou-militares-que-colonizaram-base-de-bolsonaro-diz-pesquisador/ http://brasilianismo.blogosfera.uol.com.br/2019/10/17/pt-reabilitou-militares-que-colonizaram-base-de-bolsonaro-diz-pesquisador/#respond Thu, 17 Oct 2019 18:18:15 +0000 http://brasilianismo.blogosfera.uol.com.br/?p=5958
A notícia de que Jair Bolsonaro ampliou presença de militares em 30 órgãos federais durante seus primeiros nove meses na Presidência, publicada nesta semana pela Folha, parece confirmar uma das primeiras grandes análises sobre o atual governo publicadas em livro no exterior.

De acordo com o pesquisador britânico Perry Anderson, os militares são a principal base de sustentação do presidente brasileiro no poder:

“No tripé de forças que sustentam Bolsonaro, os militares são de longe os mais significativos, fornecendo ao regime sua base mais estável e poderosa. Isso sempre ficou claro pelo grande número e peso dos cargos governamentais que eles ocupam”, diz Anderson.

A avaliação é parte do capítulo final do livro “Brazil Apart”, recém-publicado no Reino Unido, em que Anderson se debruça sobre a história do país desde a redemocratização, reunindo ensaios em que discute a movimentação política, econômica e social de cada um dos governos que se sucederam desde o fim da ditadura.

O capítulo final da obra, “Parábola”, trata do que Anderson descreve como uma volta dos militares ao poder décadas depois do fim do regime militar. Segundo ele, o mais curioso é que esta “ressurreição” da presença de oficiais na política não se deu por conta de uma manobra de Bolsonaro, da direita ou de nenhum dos partidos “conservadores”:

“Foi a esquerda, na forma do PT, que conseguiu isso e tem responsabilidade direta pela reabilitação política e pela reentrada no cenário político das forças armadas”, diz Anderson no livro.

Para Anderson, a volta dos militares ao poder começou a se formar com a decisão do governo de Luiz Inácio Lula da Silva de fazer o Brasil liderar a Minustah, missão de paz da ONU no Haiti. Lula queria ampliar o prestígio internacional do país e tentar conquistar um assento permanente no Conselho de Segurança da ONU –o que Anderson considera um fracasso.

As Forças Armadas brasileiras, diz o pesquisador no livro, foram as grandes beneficiárias da expedição, conseguindo modernizar seus equipamentos e aprendendo a coordenar ações com administrações civis. “E voltaram para o Brasil redimidos guardiões heróicos de uma pacificação exemplar”.

“A colonização do regime Bolsonaro pelas Forças Armadas, retornando quase 50 anos depois de um golpe do qual se orgulham, empresta ao meio século da história brasileira a forma de uma parábola. Em 1964, eles tomaram o poder para remover um presidente que estava disposto a aceitar, como eles viam, mudanças radicais na ordem social. Em 2018, eles intervieram para garantir que um presidente que ainda era muito popular, como eles viam, após alcançar mudanças menos radicais, não pudesse ser reeleito e, em vez disso, um deles, por origem e perspectiva, chegou ao poder”, diz Anderson, se referindo à prisão de Lula, impedido de concorrer nas eleições presidenciais do ano passado.

Apesar da comparação entre o atual governo e o regime militar instaurado em 1964, Anderson faz questão de explicar que os dois são bem diferentes, e resultados de “circunstâncias históricas contrastantes”.

“Na hora do segundo, não havia exigência para os tanques e torturadores do primeiro, qualquer que seja a nostalgia de Bolsonaro por eles. A democracia há muito se tornara segura para o capital e, dentro dos limites da ordem social estabelecida, a combatividade popular estava em baixa. Uma vez instalado, o novo regime corria mais riscos de suas próprias contradições do que de qualquer oposição organizada a ela.”

Escrita em junho deste ano, a avaliação encerra a obra que reúne ensaios produzidos nos momentos de mudanças de governo na história recente do país e contém percepções de Anderson à época. O livro fala do Plano Real e a ascensão de Fernando Henrique Cardoso ao poder, comenta a eleição de Lula e avanços do governo dele, trata do governo Dilma Rousseff, da crise econômica e do impeachment, e finaliza com avaliação da eleição de Bolsonaro e dos seus primeiros meses no governo.

Professor de história e sociologia da Universidade da California, Los Angeles (UCLA), Anderson é um dos principais nomes por trás da revista de esquerda New Left Review. Logo no começo do livro, ele fala sobre a sua relação com o Brasil, “primeiro e único país estrangeiro” em que viveu até chegar aos 50 anos, e que sempre continuou a visitar e a estudar.

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Para especialistas dos EUA, 1964 foi um golpe clássico, e negar é ridículo http://brasilianismo.blogosfera.uol.com.br/2019/03/30/para-especialistas-dos-eua-1964-foi-um-golpe-classico-e-negar-e-ridiculo/ http://brasilianismo.blogosfera.uol.com.br/2019/03/30/para-especialistas-dos-eua-1964-foi-um-golpe-classico-e-negar-e-ridiculo/#respond Sat, 30 Mar 2019 07:00:09 +0000 http://brasilianismo.blogosfera.uol.com.br/?p=5351

Mapa mostra incidência de golpes de Estado no mundo desde 1950

“Não existe ambiguidade.”

“Não há dúvida.”

“É inquestionável.”

Para dois pesquisadores especialistas em estudar golpes de Estado pelo mundo, não há realmente nenhuma razão para negar que houve um golpe no Brasil em 1964. Qualquer tentativa de alegar o contrário, como fizeram recentemente o presidente Jair Bolsonaro e o chanceler Ernesto Araújo, é “ridícula”.

“Este foi um caso clássico de golpe. Os militares intervieram ilegalmente na política de maneira aberta e, em seguida, tomaram o controle”, explicou David Thyne, em entrevista ao blog Brasilianismo.

“No caso de 1964 no Brasil, não há espaço para qualquer ambiguidade. Não há realmente nenhuma razão para questionar se isso foi um golpe”, avaliou Jonathan Powell, também em entrevista ao Brasilianismo.

Thyne e Powell são cientistas políticos nas universidades americanas do Kentucky e da Flórida Central, respectivamente. Juntos, eles são autores de um amplo banco de dados que reúne informações sobre todos os golpes de Estado (e tentativas de golpe) ocorridos no mundo desde 1950.

O levantamento “Coups in the World” (‘’Golpes no Mundo’’) foi realizado originalmente em 2011, resultou no artigo acadêmico “Global Instances of Coups from 1950-Present” (instâncias globais de golpes de 1950 até o presente), e vem sendo atualizado desde então. No total, foram avaliados mais de 1.200 supostos golpes de Estado em 94 países no período.

Os pesquisadores não incluíram no banco de dados o impeachment de Dilma Rousseff como tendo sido um golpe. Na época, Thyne explicou que, mesmo que houvesse questionamentos ao processo, o fato de ele ter ocorrido dentro do processo legal constitucional não permitia que fosse visto como um golpe. Ainda assim, no período desde 1950 os pesquisadores avaliaram 20 situações de supostos golpes e tentativas no Brasil e reconheceram seis deles como rupturas ilegais de fato.

Segundo a pesquisa, houve golpe em 1955 (o Movimento de 11 de Novembro, tratado como “contragolpe preventivo” para garantir a posse de Juscelino Kubitschek e João Goulart, tentativas de tomada de poder fracassadas em 1959 e 1963, dois golpes em 1964 (em 31 de março e em 1º de abril) e outro em 1969 (quando uma Junta Militar assumiu após Costa e Silva ser afastado por problemas de saúde).

“A alegação de Jair Bolsonaro de que o Brasil não teve um golpe em 1964 é ridícula. Não há dúvida de que isso foi um golpe”, disse Thyne.

Segundo ele, o apoio a Bolsonaro não deveria levar a aceitar a negação do golpe de 1964. “O Brasil tem grandes problemas, e pode-se entender por que o presidente Bolsonaro tem muitos apoiadores. No entanto, o apoio a um líder não deve ser dado ao custo de negar fatos. O Brasil teve um golpe em 1964. Esse golpe teve consequências desastrosas. O Brasil é um país incrível, com uma riqueza de recursos e boas pessoas. Não precisa negar a história para resolver problemas, e isso pode prejudicar os esforços para avançar.”

Mesmo que não haja um consenso acadêmico sobre o conceito de golpe de Estado, a associação a um processo ilegal é uma das características mais mencionadas. Depois de levantar 14 explicações mais relevantes na bibliografia acadêmica, Powell e Thyne adotaram como definição de golpe de Estado a “tentativa ilegal e evidente por militares ou outras elites do aparato do Estado para derrubar o Poder Executivo”.

“Nossa definição básica questiona: a ação foi ilegal (inconstitucional)? Foi realizada por membros do aparato estatal (geralmente membros das Forças Armadas)? A ação procurou remover o diretor executivo?”, explicou Powell. Segundo ele, 1964 no Brasil se encaixa nisso “inquestionavelmente”.

“Na verdade, não havia nada de incomum nesse golpe — é um exemplo básico. Quando definimos golpes, nos concentramos nos (1) alvos — deve ser o chefe do executivo, (2) perpetradores — devem vir da(s) elite(s) que fazem parte do aparato estatal, e (3) táticas — devem ser ilegais e evidentes”, complementou Thyne.

Para os dois pesquisadores, em muitos casos de golpe pelo mundo de fato há ambiguidade e disputas na definição do ocorrido, mas este não é o caso do Brasil. “Pode haver ambiguidade, especialmente se as massas já estiverem mobilizadas contra o governo. Por exemplo, pode-se debater se Hosni Mubarak (no Egito) foi forçado a renunciar pelo Exército em 2011, ou se o fez apenas por causa de protestos contra ele”, explicou Powell.

Esse não é o caso de 1964 no Brasil, complementou o pesquisador. “Um problema comum é que é fácil confundir o evento com o que acontece depois. Nesse caso, Bolsonaro poderia estar elogiando o que o golpe fez no longo prazo. Por exemplo, pode ter evitado o comunismo e ter facilitado uma eventual transição democrática, mas isso é irrelevante para determinar se a remoção do presidente foi ou não um golpe. Os golpes podem e geralmente têm impactos de longo prazo, alguns bons, outros ruins (geralmente ruins), mas isso não muda a natureza da forma como o poder mudou de mãos”, explicou.

Ele citou como exemplo a “Revolução dos Cravos”, em Portugal, que “foi obviamente um golpe militar”, mas que “abriu a porta para uma transição democrática”. “Esse resultado específico não muda o fato de que a remoção do regime do Novo Estado foi um golpe.” Powell acrescentou, entretanto, estar em “total desacordo com a sugestão de que o golpe de 1964 fez algo de positivo”.

Thyne também admitiu que alguns golpes podem ser justificados em nome de “salvar a democracia”. “Embora eu não concorde que o golpe de 1964 no Brasil fosse justificado, esse é um argumento que alguém poderia apresentar. Se foi ou não um golpe, não pode ficar em dúvida, no entanto. Isso foi”, disse Thyne.

O questionamento à natureza da forma como o governo mudou de mãos muitas vezes está ligado aos efeitos gerados pela tomada do poder de forma ilegal. Segundo eles, entretanto, a tentativa de negar a existência do golpe busca mudar a história.

“Os líderes de golpes e seus apoiadores muitas vezes se esforçam para convencer os observadores de que suas ações não são um golpe. Nesse sentido, alegar que o que aconteceu em 1964 não é um golpe não é incomum. O que é um pouco estranho é a necessidade de tentar fazer isso mais de meio século depois. Sem saber muito sobre a política brasileira, esse tipo de revisionismo geralmente sugeriria apoio ao que os líderes do golpe acabaram fazendo”, avaliou Powell.

Segundo Thyne, líderes políticos sempre têm um forte incentivo para manipular eventos históricos para ajustar a suas narrativas. Isso vale não só para o Brasil. “A alegação do presidente Jair Bolsonaro pode parecer particularmente notória, mas não é. Nos Estados Unidos, por exemplo, continuamos debatendo o legado de nossa Guerra Civil, e podemos encontrar estátuas e nomes de ruas homenageando ‘heróis’ confederados (realmente traidores) em todo o país. Bolsonaro tem historicamente elogiado o governo militar no Brasil e tem mostrado apoio a ditadores brutais em lugares como o Paraguai e o Chile. Embora ele esteja completamente errado, seu apoio ao golpe de 1964 e o caminho desastroso que ele precipitou se encaixam claramente em sua narrativa dos benefícios do autoritarismo e, portanto, não é completamente surpreendente.”

Debates sobre impeachment e golpe

Apesar de terem trabalhado juntos no banco de dados e de terem avaliação semelhante sobre o golpe de 1964 no Brasil, Powell e Thyne têm opiniões diferentes sobre o possível impacto do debate sobre o impeachment de Dilma Rousseff ter sido ou não um golpe de Estado no atual questionamento sobre a ditadura militar no país.

“Eu definitivamente acho que o debate sobre os eventos de 2016 terem sido um golpe abriu espaço para questionar golpes passados”, disse Thyne. Powell não vê assim. “Não acho que o impeachment tenha mudado nada. Sempre houve esforços para legitimar golpes após o fato, seja tentando enquadrá-los como legais ou como tendo sido ‘bons’. A única coisa diferente neste caso é o tempo passado desde o evento em questão.”

Para Thyne, um ponto importante é entender que a avaliação acadêmica de cientistas políticos diverge da forma como os próprios políticos interpretam os eventos.

“Como pesquisadores, nos concentramos nos fatos e fazemos uma avaliação desapaixonada sobre um evento ter sido ou não um golpe. Os políticos têm uma estrutura de incentivos diferente — em vez de precisarem estar certos, precisam buscar apoio para manter suas posições de poder. Assim, eles freqüentemente se apegam à incerteza para impulsionar suas agendas. A palavra “golpe” claramente tem uma conotação negativa, e nós vimos líderes usá-la e evitar usá-la para atender às suas agendas políticas. É por isso que fatos e evidências são tão importantes.”

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Arquivos de documentos estrangeiros guardam segredos sobre a ditadura http://brasilianismo.blogosfera.uol.com.br/2018/06/04/arquivos-de-documentos-estrangeiros-guardam-segredos-sobre-a-ditadura/ http://brasilianismo.blogosfera.uol.com.br/2018/06/04/arquivos-de-documentos-estrangeiros-guardam-segredos-sobre-a-ditadura/#respond Mon, 04 Jun 2018 09:04:33 +0000 http://brasilianismo.blogosfera.uol.com.br/?p=4555

professor João Roberto Martins Filho, da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar), passou cinco meses realizando pesquisas nos documentos históricos da diplomacia britânica a respeito do que aconteceu no Brasil durante a ditadura.

O estudo foi realizado enquanto ele ocupava uma posição do King’s College London e resultou em importantes revelações sobre a forma de atuação dos militares no poder. A primeira delas foi publicada no livro “Segredos de Estado: O Governo Britânico e a Tortura no Brasil (1969-1976)” (Ed. Prismas), que revela a conivência do governo em Londres com a tortura no Brasil. No fim de semana, uma reportagem publicada na Folha trouxe mais uma: a ditadura brasileira atuou para abafar uma investigação de corrupção na compra de fragatas (navios de escolta) construídas pelos britânicos nos anos 1970.

Essas revelações ganham peso por conta da importância de arquivos estrangeiros que jogam luz sobre episódios obscuros da história dos anos de regime militar no Brasil. Foi o que aconteceu com a publicação de documentos dos Estados Unidos mostrando que o ex-ditador Ernesto Geisel assumiu a responsabilidade pela decisão de execução de opositores da ditadura –divulgada pelo pesquisador Matias Spektor.

Enquanto o Brasil ainda esconde parte da sua história, os documentos oficiais liberados em outras partes do mundo oferecem indicações de problemas que a ditadura prefere não mostrar. Nos dois casos, os pesquisadores encontraram comprovação de fatos muito relevantes escondida no meio de milhares de informações em centenas de documentos.

Em entrevista a Pedro Bial, Spektor explicou que os historiadores estão batalhando para analisar todos os documentos, mas que isso leva tempo. “Esse documento é o primeiro de uma série que virão à tona a respeito desse tema. Não tenho a menor dúvida”, disse Spektor, que é autor do livro “Kissinger e o Brasil” (Ed. Zahar), em que já analisa documentos históricos dos EUA sobre a relação entre os dois países..

De forma semelhante, Martins Filho disse, por exemplo, que teve primeiro contato com a pasta de documentos há dois anos, mas que só agora conseguiu finalizar a análise detalhada dos documentos. “Tem muito historiador que tem documentos que podem ser bombas, mas ninguém teve capacidade de analisar tudo até agora”, disse.

“Quando cheguei em Kew Gardens [onde ficam os arquivos do governo britânico], me preocupei que não houvesse material suficiente para pesquisa, mas dei de cara com essa pasta, que não sei como ninguém havia encontrado. Ela está disponível desde 2008”, disse Martins Filho.

Documentos históricos são analisados também pelo diretor de um dos mais importantes centros de estudos sobre o Brasil nos EUA, na Universidade Brown, James Green. Em uma reportagem da agência Pública, ele explicou que lidera um projeto já digitalizou 35 mil documentos sobre a ditadura no Brasil.

“Eu tenho um projeto que se chama Opening the Archives [Abrindo os Arquivos], com uma meta de ter 100 mil documentos abertos. Já digitalizamos 35 mil documentos até agora: 19 mil já estão disponíveis no site, e vamos subir outros 15 mil até o final do ano. Encontramos mais de mil documentos censurados, vamos pedir a liberação deles ao governo e esperamos que existam novas revelações. Também estamos em busca de arquivos alternativos. Por exemplo, em 1971 o Senado fez um inquérito sobre o envolvimento americano com a polícia brasileira. Os relatórios foram publicados, a declaração da CIA sobre essas operações não foram. A gente vai tentar liberar essa publicação, pois ela está em poder do Senado, não da CIA. Ninguém nunca pediu essa autorização”, disse Green à agência.

Bem antes da atual onda de revelações sobre a ditadura, os arquivos históricos dos Reino Unido também serviram de base para as obras do jornalista e pesquisador Geraldo Cantarino. Ele analisou mais de 70 pastas de documentos da diplomacia britânica sobre o golpe militar de 1964.

Jornalista com mestrado em Documentário para Televisão pelo Goldsmiths College, da Universidade de Londres, Cantarino mora na Inglaterra há duas décadas e é autor de quatro livros sobre o Brasil a partir da ótica externa: ”1964 – A Revolução para inglês ver”, ”Uma ilha chamada Brasil”, ”Segredos da propaganda anticomunista” e ”A ditadura que o inglês viu” (todos publicados pela Mauad Editora)

Seus livros oferecem um vislumbre de evidências do tipo de informação que pode ser encontrada nos arquivos diplomáticos no Reino Unido. Segundo sua pesquisa, os despachos são ricos em detalhes e expressões usadas para descrever o Brasil. Os documentos, ele argumenta tocar assuntos muito diferentes e estão no fundo da descrição dos detalhes da vida social, bem como da política e economia.

“É uma história do Brasil contatada, de inglês para inglês ver –e diplomatas costumam ser verdadeiros quando se reportam aos seus chanceleres”, diz.

A pesquisa de Cantarino começou, entretanto, inspirada por um outro livro, sobre períodos anteriores da história do Brasil revelados por documentos estrangeiros. Geneton Moraes Neto e Joel Silveira oferecem essa análise no livro “Nitroglicerina pura”, sobre documentos secretos do Reino Unido e dos EUA sobre políticos brasileiros.

“Os papeis secretos expõem julgamentos que jamais um embaixador pronunciaria em voz alta, sob pena de causar embaraços diplomáticos, políticos, éticos e, até, jurídicos”, diz Geneton no livro.

Documentos e depoimentos históricos também ajudam a recompor a ditadura brasileira sob a ótica francesa. Em seu livro de memórias sobre o período em que trabalhou como correspondente brasileiro em Paris, Milton Blay fala sobre as revelações do “homem que conheceu de perto três dos quatro presidentes dos anos de chumbo”.

Ele se refere ao general francês Paul Aussaresses, “um criminoso de guerra da Argélia reconvertido em instrutor de oficiais latino-americanos na década de 1970, a quem ensinou a prática da tortura, servindo como adido militar na embaixada da França em Brasília, na pior fase da ditadura brasileira.” Antes de morrer, Aussaresses fez uma série de revelações sobre o modo de operação da tortura no Brasil.

Resta tempo e dedicação de historiadores, jornalistas e pesquisadores para analisar tanta documentação e trazer à luz tudo o que continua escondido desde os repressores anos de ditadura no Brasil. Em um momento de crescente tensão sobre a democracia brasileira, a história pode ajudar o país a superar a ascensão de forças autoritárias no país.

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Antiga metrópole, Holanda não lembra que dominou o Brasil no século 17 http://brasilianismo.blogosfera.uol.com.br/2017/03/16/antiga-metropole-holanda-nao-lembra-que-dominou-o-brasil-no-seculo-17/ http://brasilianismo.blogosfera.uol.com.br/2017/03/16/antiga-metropole-holanda-nao-lembra-que-dominou-o-brasil-no-seculo-17/#respond Thu, 16 Mar 2017 10:40:38 +0000 http://brasilianismo.blogosfera.uol.com.br/?p=3228

Pintura de Andries van Eertvelt sobre a conquista de Salvador pelos holandeses

Enquanto iam às urnas em eleições consideradas um teste para a democracia europeia e marcadas pela ameaça de ascensão da xenofobia, 99 em cada 100 holandeses ignoravam que o passado do país incluía um período de mais de duas décadas controlando parte do território brasileiro, no século 17.

A estatística informal é levantada pelo historiador holandês Michiel van Groesen, em entrevista ao blog Brasilianismo.  “Tenho 41 anos e nunca ouvi falar sobre o Brasil holandês na escola. Literalmente nada. Ninguém na Holanda sabe dessa história, pois ela foi institucionalmente esquecida”, explicou.

Professor da Universidade de Leiden e autor do livro recém-lançado “Amsterdam’s Atlantic: Print Culture and the Making of Dutch Brazil” (Atlântico de Amsterdã: a cultura impressa e a construção do Brasil holandês, University of Pennsylvania Press), Van Groesen é um dos maiores especialistas no período em que a Holanda invadiu e dominou o Brasil, entre 1624 e 1654.

Segundo ele, a ignorância holandesa se dá porque depois da derrota do país para Portugal e Espanha e sua expulsão do Brasil, em 1654, os holandeses ficaram tão constrangidos e decepcionados pela perda do território no Nordeste brasileiro que resolveram apagar o vexame da sua história. É praticamente uma forma de despeito, como uma criança que perde um brinquedo e que se contenta e se engana ao pensar que não era algo tão bom de qualquer forma. Até hoje, ele explica, crianças não aprendem na escola sobre o período holandês da história brasileira.

O resultado disso é que em vez de ter uma relação próxima com sua ex-colônia, os holandeses têm uma visão simplista e estereotipada –quase sempre negativa– sobre o Brasil atual.

Na entrevista abaixo, Van Groesen fala sobre sua pesquisa nos arquivos da imprensa holandesa da época em que o Brasil estava sob seu controle. Segundo ele, apesar de ser um passado pouco conhecido, a colônia na América do Sul era um dos temas mais importantes para o país europeu e para a geopolítica ocidental do século 17.

Brasilianismo – Fala-se muito sobre como o Brasil se tornou mais visível internacionalmente nas últimas décadas, mas sua pesquisa diz que o país era um dos principais temas na mídia holandesa no século 17. Por que isso?
Michiel van Groesen – Os holandeses estavam em guerra contra a Espanha havia um bom tempo, desde 1568, a chamada guerra dos 80 anos. Em 1621, A Companhia das Índias Ocidentais foi fundada com a intenção de levar a guerra à Espanha, especialmente nas Américas. Desde o começo, ela tinha o objetivo de atacar o Brasil, pois eles esperavam que o país não estivesse tão bem defendido quanto as colônias originais da Espanha. É preciso ressaltar que, nesse período, as coroas espanhola e portuguesa estavam unidas. Então o objetivo era atacar a Espanha no Brasil, e a Companhia das Índias Ocidentais esperava até que os portugueses vivendo no Brasil fossem apoiar a invasão holandesa como resposta contra a Espanha –o que não aconteceu.

Nos anos 1620 a mídia na holandesa começou a preparar o apetite das pessoas para o potencial ataque contra o Brasil. Quando o ataque se materializa, em 9 e 10 de maio de 1624, e a notícia do sucesso holandês em Salvador chega à Holanda, três meses e meio depois, na última semana de agosto, a reação foi de alegria extrema.

Texto sobre a conquista de Olinda pelos Holandeses

Isso porque a guerra contra a Espanha não ia bem para a Holanda, e o ataque ao Brasil foi a única exceção à história negativa da guerra nos primeiros anos da década de 1620. Por isso, o Brasil se transforma em uma história imensa na imprensa holandesa, sinônimo do potencial para atacar e ferir a Espanha.

Por causa do sucesso do ataque e da alegria explícita dos holandeses e em toda a Europa –já que este é um dos maiores acontecimentos geopolíticos para o continente nos anos 1620– todo mundo no continente fica sabendo da invasão holandesa ao Brasil, com manchetes de capa de jornais na Holanda, na Alemanha, na França, na Itália e na Inglaterra.

Da mesma forma como eu e você nos lembramos das torres gêmeas e dos ataques de 11 de Setembro aos EUA, uma imagem icônica do mundo atual, aquele momento da captura holandesa de Salvador, em 1624, se torna um momento icônico para as gerações que tinham conhecimento político daquela época. Essa é a razão pela qual este acontecimento histórico ganha uma relevância tão grande na Holanda pelos próximos 30 anos, até 1654.

Brasilianismo – A narrativa muda em algum momento? Quando a cobertura passa a se interessar pelo Brasil, pela colônia holandesa, e não apenas com a guerra contra a Espanha?
Michiel van Groesen – Isso só muda no fim dos anos 1630. Até meados de 1630, todo o enfoque é sobre a guerra. Em 1625, os holandeses perdem controle de salvador, em 1630 eles conquistam o Recife, e leva alguns anos para que eles tenham controle de Pernambuco. Só depois de tomar controle de Pernambuco e regiões vizinhas é que eles se interessam pelo que o Brasil é e pelo que o Brasil tem a oferecer. Nessa história, claro, Maurício de Nassau é uma figura de grande importância.

O historiador holandês Michiel van Groesen

Meu livro é uma tentativa de contextualizar essa história de Mauricio de Nassau, que os brasileiros conhecem bem, mas que Holanda não conhece. Quando ando nas ruas aqui em Amsterdam e pergunto às pessoas o que elas sabem sobre o Brasil holandês, 99 de cada 100 pessoas dizem que nunca ouviram falar disso.

Brasilianismo – Os holandeses não sabem sobre a invasão do Brasil no século 17?
Michiel van Groesen – Absolutamente não.

Se as pessoas souberem alguma coisa sobre o Brasil holandês é por causa de Maurício de Nassau e as pinturas de Albert Eckhout e Franz Post. Mas tenho certeza que apenas uma a cada cem pessoas na holanda sabe disso.

Brasilianismo – Por que Nassau era tão importante?
Michiel van Groesen – Precisamos pensar em Maurício de Nassau como uma pessoa que não estava na frente da mídia no século 17, mas que ganhou a batalha pela memória do Brasil holandês.

Ele não era uma figura-chave na forma como seus contemporâneos tratavam do Brasil holandês. Na verdade, ele tem um papel pequeno no que jornais, panfletos e impressões tinham a falar sobre o Brasil holandês, mesmo no período em que ele governava a colônia, entre 1636 e 1644. Entretanto, ele faz uma campanha pessoal para fazer da memória do Brasil holandês sua própria. É aí que ele começa a pagar a artistas e escritores para registrar suas conquistas no Brasil. Mas ele não era tão crucial para a história política do Brasil holandês como muitas pessoas pensam, e certamente não tão crucial quanto os brasileiros costumam acreditar.

Brasilianismo – Por que os holandeses não sabem sobre o período em que o país dominou o Brasil?
Michiel van Groesen – O motivo pelo qual as pessoas na Holanda hoje não sabem nada sobre o Brasil holandês é um paradoxo. A alegria nacional foi tão grande em 1624 e nos anos 1630, quando a expansão militar holandesa ia muito bem e todos no país eram muito otimistas sobre o que estava acontecendo –era inconcebível que os holandeses pudessem perder o Brasil–, que, quando isso aconteceu, entretanto, em 1654, foi tão doloroso que o Brasil holandês passou a ser apagado do debate público instantaneamente.

A partir de 1655, não vemos nada sobre o Brasil holandês sendo mencionado na mídia holandesa. É um rompimento radical com o que havia antes. A perda do Brasil foi tão dolorosa, que precisou ser esquecida rapidamente.

Até existem traços da história do Brasil holandês em literatura de educação dos séculos 18 e 19, com algum espaço na memória coletiva dos holandeses. As pessoas no país sabiam da história, assim como sabiam sobre a Indonésia. No século 19, entretanto, por conta do nacionalismo cultural e pela procura por uma cultura nacional da qual os holandeses queriam ter orgulho, o Brasil holandês foi sistematicamente esquecido. No fim do século 19 o Brasil holandês desapareceu dos livros de história da holanda. É por isso que eu, que tenho 41 anos, nunca ouvi falar sobre o Brasil holandês na escola. Literalmente nada. Ninguém na Holanda sabe dessa história, pois ela foi institucionalmente esquecida.

Brasilianismo – Como isso se encaixa na questão do que as pessoas na Holanda pensam sobre o Brasil historicamente. Seu livro diz que até o século 16 o conhecimento holandês sobre o Brasil vinha especialmente de livros franceses, e então, com a conquista territorial há uma cobertura frenética sobre o país na Holanda, que em seguida é apagado da memória. Como isso afeta a imagem do Brasil na holanda? As pessoas esqueceram da existência do Brasil?
Michiel van Groesen – Meu livro quer mostrar essa evolução. Começo mostrando as histórias estereotipadas tradicionais que viajantes europeus escreviam sobre o Brasil, falando sobre canibalismo, por exemplo, de textos de pessoas como Hans Staden e Jean de Léry, que são histórias bem conhecidas na Holanda na época, com os livros se tornando best-sellers nos anos 1600, antes da conquista do brasil holandês. As pessoas na holanda conheciam bem essa imagem do Brasil, associando o país ao canibalismo, especialmente.

Essa história desaparece quando o Brasil se transforma numa história política, com cobertura intensa. Este Brasil substitui a imagem anterior, e se transforma numa discussão sobre a importância geopolítica do país para a divisão de poder na europa.

Depois que a Holanda perde o Brasil, por volta dos anos 1670 e 1680, vemos a volta da imagem anterior que o Brasil tinha. Vemos que os livros antigos, como o de Hans Staden, voltam a ser impressos em holandês.

Como forma de compensar o fato de o Brasil não poder mais ser associado com o sucesso político e militar que se esperava, eles voltaram às imagens estereotipadas do século anterior. Essas imagens são as que persistem e que ficam na mente dos europeus, e que continuam associadas à ideia de Brasil no continente até os séculos 18 e 19.

São duas histórias que não se conectam, mas que se alternam, fazendo com que a imagem do canibalismo selvagem se sobreponha ao fim doloroso do Brasil holandês. É um mecanismo interessante, uma forma de facilitar o esquecimento. Se eles admitissem a importância do Brasil, teriam que explicar por que não conseguiram manter a Colônia.

Brasilianismo – O livro fala sobre isso, mas vai além. Qual seu objetivo ao escrevê-lo?
Michiel van Groesen – A principal ideia do livro é mostrar que a razão pela qual a Holanda perde o Brasil é a combinação de política e mídia em Amsterdam.

Políticos de Amsterdam desde o começo viam a colônia no Brasil como algo com custo alto, e pensavam que conseguiriam ganhar mais dinheiro mantendo o comércio livre como havia antes. Outras províncias da Holanda acreditavam na importância geopolítica do Brasil, mas Amsterdam força a mídia local a contar histórias negativas do Brasil holandês.

Isso fica claro após a rebelião portuguesa contra os holandeses. Então a mídia de Amsterdam se volta contra a ideia de manter uma colônia, e isso muda a história, pois as pessoas ainda acreditavam na alegria gerada pela conquista do Brasil. É então que Pierre Moreau começa a escrever livros críticos ao Brasil holandês, se contrapondo ao trabalho de divulgação feito por Nassau com Eckhout e Post.

Brasilianismo – De que forma seu trabalho se encaixa e como se diferencia da narrativa do Brasil holandês produzida do ponto de vista brasileiro?
Michiel van Groesen – Há uma diferença chave. Quando historiadores brasileiros, a maioria de Pernambuco, escreve sobre o Brasil holandês, eles essencialmente escrevem sobre sua própria província, sua casa. Eu poderia ter feito o mesmo, e escrito um livro que contasse a história do Brasil holandês para o público da Holanda. A história que quero contar parte do Brasil holandês para contar uma história maior, tratando do Brasil e da Europa.

Meu livro tenta explicar que as Américas como um todo importavam para as pessoas em 70% da Europa, e que as Américas como um todo tinham o potencial de alimentar o debate político e a opinião pública na Europa. Por isso o caso do Brasil holandês é perfeito, pois ele era muito reconhecido por todo mundo na europa do século 17 –se você mencionasse a palavra Brasil entre os anos 1630 e 1650, todo mundo sabia que fazia parte de uma grande disputa geopolítica entre protestantes e católicos, que vinha acontecendo na Europa havia décadas.

A parte intrigante e decepcionante dessa história é que as pessoas na Europa não estavam tão interessadas nos habitantes indígenas do Brasil. Os europeus não se interessavam em debater a emergência do tráfico de escravos, que também é parte da história do Brasil holandês.

Não achamos essas histórias, sobre africanos e indígenas, na mídia holandesa da época. Já vemos aí a emergência da visão que privilegiava os interesses europeus nas Américas. Isso é parte importante dessa história do Brasil holandês, pois conseguimos mostrar o silêncio significativo em relação a partes da história que eram dolorosas ou desumanas demais, ou que simplesmente não era considerada relevante para os europeus da época.

Brasilianismo – E o que era considerado de fato relevante então? Qual era o foco da cobertura além da disputa geopolítica?
Michiel van Groesen – Eles se interessavam extremamente pelas oportunidades que a paisagem local oferecia, pela vegetação exótica, pelo potencial medicinal que podia ser encontrado no Brasil. Esse é o tipo de coisa que começa a chamar atenção depois que a disputa militar se consolida. Esso está intimamente ligado ao papel de Nassau. É só depois da chegada dele no Brasil que esses assuntos ganham força na Europa.

Brasilianismo – Você diz que a imagem do Brasil na Holanda depois da perda do território voltou aos estereótipos. Como ela evoluiu desde então? O que se pensa sobre o Brasil na Hoalnda hoje?
Michiel van Groesen – A minha impressão é de que os holandeses hoje sabem muito pouco sobre o Brasil, então a imagem não é muito bem definida. Além disso, eles veem a América Latina como um todo como não tendo um papel importante na órbita política internacional atualmente.

Jornais holandeses não dão muito espaço a questões da América Latina. Claro que se fala do que acontece no Brasil e nos outros países da região, mas é pouco em comparação com o que se fala sobre a China, a Índia, o Sudeste Asiático, os EUA.

O que mais encontro é ignorância, e talvez este seja um dos objetivos do livro, abrir a atenção das pessoas a um assunto que faz parte do passado delas, e que trata de um país que conhecem pouco, mostrar a ignorância sobre o passado dos holandeses como porta de entrada em torná-los mais interessados pelo que acontece no Brasil e na América Latina.

Brasilianismo – Quanto da ignorância em relação ao Brasil está associado a desconhecimento e quanto está preso a estereótipos? A pesquisadora de Cambridge Vivien Kogut Lessa de Sá diz que estereótipos do século 16 existem até hoje no mundo. O que acha disso?
Michiel van Groesen – Os holandeses não têm mais os estereótipos que tinham nos séculos 16 e 17, sem duvida. O que há em termos de estereótipo é uma dicotomia, em que os europeus se veem como tendo superado o colonialismo e sendo modernos e ocidentalizados, enquanto a América Latina não é vista como um lugar tão moderno, ocidentalizado, quanto a Europa. É como se a América Latina não estivesse tão bem preparada para o futuro.

Pode-se chamar isso de estereótipo, mas eu chamo de ignorância. Chamar de estereótipo é dar crédito a essas pessoas. Elas não têm necessidade de pensar sobre a América Latina, então elas não pensam.

O que estamos lendo em jornais sobre o Brasil nos últimos 5 a 10 anos são uma confirmação disso. São reportagens sobre corrupção, sobre a Copa do Mundo não ter sido organizada de forma apropriada, sobre a Olimpíada no Rio, que não poderiam ser bem-sucedidas porque o Brasil não conseguiria organizar. Essas ideias superficiais dominam a forma como os holandeses pensam sobre o brasil hoje.

Brasilianismo – Podemos chamar de preconceito, então?
Michiel van Groesen – É uma palavra melhor do que estereótipo. É uma palavra que me ajuda, pois quero que meu livro ajude a quebrar preconceitos.

Brasilianismo – Sua pesquisa diz que a Holanda era um importante centro de produção de conteúdo e informações na Europa da época. Como acha que a Holanda contribuiu para a disseminação da imagem do Brasil no século 17 em outros países?
Michiel van Groesen – Contribuiu muito. O Brasil holandês foi um momento de reconhecimento para a mídia holandesa, que passou a ter distribuição além do território do país. A partir de 1624, publicações de toda a Europa passam a copiar o que os jornais de Amsterdam diziam. A partir de 1630, a mídia holandesa começou a traduzir sua produção para outras línguas, dado o apelo internacional do Brasil holandês, e as editoras holandesas passam a ter alcance internacional –isso graças também ao fato de que a imprensa holandesa era mais livre do que a de outros países.

Nos anos 1630, a cobertura holandesa sobre o Brasil era traduzida para o francês, para o alemão, levando a história a uma audiência mais ampla. Isso é algo que Nassau percebeu quando voltou à Europa. Ele quis que sua história positiva sobre o Brasil se espalhasse. Ele foi muito eficiente em fazer isso não apenas na Holanda, mas em toda a Europa. Seu objetivo era produzir pinturas, tratados científicos, publicando em latim, para que pessoas de toda a Europa tivessem acesso.

Brasilianismo – Muitos brasileiros acham que, se os holandeses tivessem ficado no Brasil, um lugar como Pernambuco seria mais desenvolvido do que é hoje. Como seria o Brasil, caso a Holanda nao tivesse perdido o território no Nordeste?
Michiel van Groesen – É uma ilusão achar que o Nordeste estaria melhor. Isso persiste por causa de Nassau e do trabalho e relações públicas feito por ele no século 17. Isso se baseia em publicações pagas por Nassau para divulgar essa imagem positiva.

Apesar de ser uma ilusão, é essa ilusão que protege a memória do Brasil holandês. A falta dessa ilusão na Europa faz com que os holandeses não conheçam a história. Então a ilusão tem benefícios. É impressionante que essa ilusão seja tão poderosa em uma região do Brasil e inexistente completamente na Holanda.

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Livro de Debret mostra a formação da imagem internacional do Brasil http://brasilianismo.blogosfera.uol.com.br/2016/06/22/livro-de-debret-mostra-a-formacao-da-imagem-internacional-do-brasil/ http://brasilianismo.blogosfera.uol.com.br/2016/06/22/livro-de-debret-mostra-a-formacao-da-imagem-internacional-do-brasil/#respond Wed, 22 Jun 2016 11:01:00 +0000 http://brasilianismo.blogosfera.uol.com.br/?p=2225 Livro de Debret mostra a formação da imagem internacional do Brasil

Livro de Debret mostra a formação da imagem internacional do Brasil

“Viagem Pitoresca e Histórica ao Brasil”, obra clássica do artista francês Jean-Baptiste Debret, acaba de ser reeditada no Brasil, depois de ficar fora da catálogo por mais de 30 anos.

Trata-se de uma das mais importantes representações da formação histórica da imagem internacional do Brasil. O livro é o resultado da experiência de Debret, que fez parte da comitiva de artistas europeus convidados a retratar o Brasil após a chegada da corte portuguesa, em 1808.

Livro de Debret mostra a formação da imagem internacional do Brasil

Livro de Debret mostra a formação da imagem internacional do Brasil

O próprio convite a Debret já demonstrava uma preocupação da corte de D. João VI em promover a imagem do Brasil, que seria retratado por artistas internacionais.

Debret viveu no Rio de Janeiro como pintor oficial da corte entre 1816 e 1831. Nesse período, retratou as paisagens naturais e urbanas do país que começava a surgir.

Parte de uma comitiva com outros artistas, ele é considerado o que mais marcou a história no período, concernindo o ensino das artes, os registros da vida urbana e rural no Rio de Janeiro. Retratou ainda os usos e costumes da corte, o cotidiano da escravidão (o que lhe rendeu críticas no Brasil), e o detalhamento da diversificada fauna e flora.

O livro de mais de 600 páginas com textos e gravuras que retratam a realidade do Brasil do começo do século XIX, quando o país começava a se consolidar como nação.

“‘Viagem pitoresca e histórica ao Brasil’ incitará novas reflexões sobre nosso país, não apenas pela forma como fomos vistos e transformados em protagonistas de uma história a qual, durante muito tempo, do século XVI ao XIX, foi examinada e interpretada por olhares estrangeiros que, com suas obras, descreveram nossa terra, seus usos e costumes”, diz o texto de apresentação no livro, evidenciando sua importância para entender a formação do imaginário estrangeiro sobre o país.

Livro de Debret mostra a formação da imagem internacional do Brasil

Livro de Debret mostra a formação da imagem internacional do Brasil

Em uma análise publicada na “Folha de S.Paulo”, comento o quanto a reedição reflete a longa tradição da luta do Brasil para entender a ambiguidade da identidade nacional ao lidar com representações exóticas da sua realidade.

Desde o século XIX, o Brasil enfrenta uma situação dúbia, na qual tenta lutar contra a imagem negativa do país, mas acaba promovendo esta mesma imagem. No passado isso ocorria em relação ao seu exotismo, e atualmente em relação a sua personalidade como país decorativo.

No passado, o Brasil combatia a imagem de país exótico. Foi assim nas participações em exposições internacionais promovidas por Dom Pedro II, por exemplo.

É assim até hoje, enquanto o país tenta se promover como nação relevante para o resto do mundo, mas acaba sendo um vendedor de commodities e promovendo sua imagem de país de grandes festas como a Copa e a Olimpíada.

Livro de Debret mostra a formação da imagem internacional do Brasil

Livro de Debret mostra a formação da imagem internacional do Brasil

Debret é conhecido especialmente pelas imagens que produziu, mas o livro é impressionante especialmente por elas serem acompanhadas de textos detalhando as observações sobre sua experiência.

No trecho abaixo, por exemplo, ele comenta sobre a personalidade do brasileiro do Rio de Janeiro no século XIX.

“O brasileiro, geralmente bom, é dotado de uma vivacidade que se vislumbra nos seus olhos pretos e expressivos, feliz disposição natural que ele aplica com êxito no cultivo das ciências e das artes. Sua tendência inata pela poesia inspira-lhe o gosto do belo ideal, do sobrenatural nas suas narrativas, principalmente quando fala de seu país; seu amor-próprio, que nisso se compraz, torna-o em geral contador de histórias com as quais procura causar impressão e provocar o espanto e a admiração do auditório. Suas faculdades naturais declinam na proporção da menor altitude em que habita. Mais fraco, então, e conservando apenas a vivacidade do espírito brasileiro, nos outros unida à força, não passa de um homem fértil em projetos, subjugado pelos seus desejos, que se sucedem demasiado rapidamente e cuja execução ele abandona por completo, julgando-a frivolamente penosa ou aborrecida. Nem por isso se mostra menos exigente quanto à perfeição dos objetos submetidos à sua crítica; mas é suficiente satisfação para seu amor-próprio descobrir-lhes os defeitos. É, no entanto, paciente nos trabalhos manuais. Aliás, gosta bastante do repouso, principalmente durante as horas quentes do dia, desculpando-se sem cessar com sua má saúde, de que parece afligir-se no momento, mas que esquece logo para divertir-se com uma piada ou uma maledicência engenhosa cujo segredo recomenda pró-forma. Minha observação, repito-o, baseia-se inteiramente nas variações da atmosfera, pois é fácil de compreender que um clima continuamente quente e úmido, debilitando as forças físicas, torna o homem preguiçoso na realização de sua vontade, embora seja ele dotado de um espírito vivo e penetrante.”

Livro de Debret mostra a formação da imagem internacional do Brasil

Livro de Debret mostra a formação da imagem internacional do Brasil

Crítico sob críticas

A experiência de Debret enquanto “crítico externo” do Brasil também tem paralelo com os dias atuais.

Sua obra chegou a ser censurada no Brasil por retratar a crueldade com a qual os escravos eram tratados no Brasil.

Livro de Debret mostra a formação da imagem internacional do Brasil

Livro de Debret mostra a formação da imagem internacional do Brasil

“A atitude do paciente é tal que provoca horror. Pode ser que o sr. Debret tenha assistido a um tal castigo, com efeito existem por toda parte feitores bárbaros: porém isso não é senão um abuso”, dizia a avaliação ddos peritos que foram contra a publicação do trabalho, ainda no século XIX.

“A fim de fundamentar sua recusa, a comissão passará a desqualificar o pintor por diversas vias: se esses corpos mais parecem esqueletos, é porque Debret não sabe pintar; se o comerciante parece um bruto satisfeito, é porque sua representação é caricatural; se a imagem do castigo causa horror, a culpa é novamente de Debret — pois ele mesmo afirma, em seu texto, que os portugueses são mestres relativamente menos cruéis que os outros. Ele se contradiz — e, de resto, os franceses fazem coisa bem pior quando jogam os negros ao mar, a fim de escapar à vigilância inglesa sobre o tráfico. Portanto, Debret fica a dever, como testemunha, como pintor, como autor e como francês. O tomo ii será rejeitado pela comissão, sob pretexto de que ‘ce volume est de peu d’interêt pour le Brésil'”, conta um dos textos que apresentam a obra agora reeditada, em relação à campanha contra as críticas internacionais.

Este tipo de comportamento de brasileiros insatisfeitos com comentários de desaprovação de estrangeiros é comum até hoje. Basta ver a reação que se tem quando algum jornal internacional critica o país, ou assume alguma posição partidária contrária à do leitor. De forma semelhante, tenta-se até hoje desqualificar o comentarista, alegando, por fim, que a análise estrangeira “é de pouco interesse para os brasileiros”.

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Kenneth Maxwell: Thomas Jefferson teve ligações com o Brasil no séc. XVIII http://brasilianismo.blogosfera.uol.com.br/2015/04/16/kenneth-maxwell-thomas-jefferson-teve-ligacoes-com-o-brasil-no-sec-xviii/ http://brasilianismo.blogosfera.uol.com.br/2015/04/16/kenneth-maxwell-thomas-jefferson-teve-ligacoes-com-o-brasil-no-sec-xviii/#respond Thu, 16 Apr 2015 11:08:17 +0000 http://brasilianismo.blogosfera.uol.com.br/?p=210 Em sua coluna na Folha nesta quinta-feira (16), o historiador britânico Kenneth Maxwell fala sobre “duas estranhas conexões” de Thomas Jefferson, um dos “pais fundadores” da república norte-americana e autor da Declaração de Independência dos EUA, com o Brasil.

Segundo Maxwell, que é um pesquisador de referência na historiografia sobre o período colonial brasileiro, na década de 1780, “Jefferson se encontrou com [o estudante brasileiro de medicina] Barbalho, e os dois conversaram sobre os planos brasileiros para romper com Portugal e fundar uma república modelada nas constituições republicanas dos EUA. Barbalho estava em busca de apoio dos americanos.”

“Jefferson disse ao jovem brasileiro que, embora os EUA não estivessem ‘desinteressados’ em um Brasil independente, o país mantinha boas relações com Portugal.”

“A segunda ocasião resultou da amizade entre Jefferson e o abade Correia da Serra, que representou em Washington o Reino Unido de Portugal e Brasil, sediado no Rio de Janeiro, entre 1812 e 1820.”

“Os dois viam uma confraternização cordial entre Brasil e EUA, na qual, escreveu Jefferson, ‘em nossas regiões o leão e o cordeiro repousarão pacificamente lado a lado’. Jefferson ‘se rejubilaria por ver as frotas do Brasil e dos EUA velejando juntas, como irmãs da mesma família, em busca do mesmo objetivo’.”

Leia o texto completo na Folha

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