Entrevista – Brasilianismo http://brasilianismo.blogosfera.uol.com.br Daniel Buarque é jornalista e escritor com mestrado sobre a imagem internacional do país pelo Brazil Institute do King's College de Londres. Fri, 31 Jan 2020 12:20:22 +0000 pt-BR hourly 1 https://wordpress.org/?v=4.7.2 Segundo autor, Brasil foi alvo de ‘Família’ antidemocrática tema da Netflix http://brasilianismo.blogosfera.uol.com.br/2019/09/13/segundo-autor-brasil-foi-alvo-de-familia-antidemocratica-tema-da-netflix/ http://brasilianismo.blogosfera.uol.com.br/2019/09/13/segundo-autor-brasil-foi-alvo-de-familia-antidemocratica-tema-da-netflix/#respond Fri, 13 Sep 2019 07:00:16 +0000 http://brasilianismo.blogosfera.uol.com.br/?p=5871

Tema de uma nova série documental da Netflix, um grupo religioso secreto e conservador influencia a política nos EUA para satisfazer suas ambições globais. Conhecido como “A Família”, este poderoso grupo formado por fundamentalistas também foi responsável pela mediação de acordos entre o governo dos Estados Unidos e a ditadura militar estabelecida no Brasil entre 1964 e 1985, segundo o autor do estudo original que deu origem à série.

Muito antes de a série “The Family – Democracia Ameaçada” ser lançada na Netflix, o pesquisador norte-americano Jeff Sharlet, autor do livro que deu origem ao documentário, falou sobre a relação entre o grupo e os militares brasileiros.

Em entrevista concedida ao autor deste blog Brasilianismo pouco após o lançamento do livro “The Family” nos EUA, em 2008, Sharlet disse que a “Família” viu os militares brasileiros como “pessoas-chave” no que acreditavam ser uma luta contra o comunismo ateu no Brasil. Segundo ele, os brasileiros, por sua vez, viram nos “irmãos” a possibilidade de acesso ao poder dos EUA.

“Chegou a haver discussões sobre o estabelecimento de um escritório formal da ‘Família’ na embaixada brasileira nos Estados Unidos, o que eles achavam que ajudaria a imagem do movimento”, disse Sharlet na entrevista. “Eu sei que há relações entre a ‘Família’ e o Brasil até hoje, mas não posso entrar em detalhes porque não investiguei aprofundadamente”, completou à época.

Sharlet argumentou ainda ter encontrado registros dessas relações, ocorrida nos anos 1960 e 70. “Na época dos governos de Costa e Silva e Médici, os EUA ajudavam financeiramente os militares que estavam no poder no Brasil, e a ‘Família’ era o principal intermediário desses acordos.” Segundo ele, os fundamentalistas se aproximaram dos militares, já que achavam que o modelo proposto pelos ditadores do Brasil se aproximava do que eles queriam incorporar.

Segundo Sharlet, há registro de que um líder da “irmandade” teria agradecido ao saber que a Câmara dos Deputados do Brasil havia estabelecido uma sala permanente para encontros de brasileiros afiliados ao grupo fundamentalista dos EUA. Um dos norte-americanos teria alegado que o Brasil seria a base de operações da “Família” em toda a América Latina.

Apesar de formado especialmente por fundamentalistas cristãos protestantes, o grupo, segundo Sharlet, não assumia abertamente o tom religioso, se dizendo formado por “believers” (crentes). “Foi um momento em que viram que havia lideranças no mundo com quem valia manter relações independentemente da religião, já que havia um acordo em torno da influência norte-americana, no livre mercado e fundamentalismo.”

No livro “The Family: The Secret Fundamentalism at the Heart of American Power” (A Família: O fundamentalismo secreto no coração do poder norte-americano), Sharlet descreve o funcionamento e a estrutura deste grupo e analisa a presença do fundamentalismo e da direita cristã na política dos Estados Unidos.

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O Brasil é capaz de cuidar da Amazônia, mas soberania traz responsabilidade http://brasilianismo.blogosfera.uol.com.br/2019/09/11/o-brasil-e-capaz-de-cuidar-da-amazonia-mas-soberania-traz-responsabilidade/ http://brasilianismo.blogosfera.uol.com.br/2019/09/11/o-brasil-e-capaz-de-cuidar-da-amazonia-mas-soberania-traz-responsabilidade/#respond Wed, 11 Sep 2019 07:00:34 +0000 http://brasilianismo.blogosfera.uol.com.br/?p=5864

Detalhe de capa da revista semanal do jornal britânico The Guardian sobre fogo na floresta

A polêmica internacional sobre os incêndios registrados neste ano na Amazônia e a associação entre o fogo e a péssima imagem do presidente Jair Bolsonaro no exterior transformaram o debate ambiental numa disputa em torno da soberania brasileira. Bolsonaro reafirmou em discurso no 7 de Setembro que “A Amazônia é nossa”; enquanto cada vez mais vozes no resto do mundo discutem abertamente formas de pressionar o Brasil a proteger as florestas –de doações e sanções a ‘invasão’.

De acordo com a cientista política americana Kathryn Hochstetler, professora de desenvolvimento internacional da London School of Economics (No Reino Unido), a soberania brasileira sobre a Amazônia é um fato inquestionável. A questão mais importante, segundo ela, é outra: “Essa discussão deveria ocorrer menos em função da soberania e mais em função da responsabilidade”, explicou.

“Claro que o Brasil tem a soberania sobre o território, mas com soberania vem responsabilidade. Se você vai insistir em soberania brasileira sobre a Amazônia e para os outros ecossistemas brasileiros, então o Brasil tem a responsabilidade de lidar bem com isso. E muitas vezes o Brasil tem assumido essa responsabilidade e feito coisas boas para o ambiente. É uma responsabilidade que vem com a soberania”, disse.

A entrevista foi concedida no fim de julho durante a gravação da série documental “Brasil,Terra
Estrangeira”, que vai tratar da importância de pesquisas sobre o Brasil realizadas em universidades estrangeiras e do trabalho de brasilianistas –como a própria Hochstetler. A produção é uma parceria do blog Brasilianismo com a produtora brasileira Pomona Audiovisual.

Autora do livro “Greening Brazil: Environmental Activism in State and Society”, sobre o ativismo ambiental no país, Hochstetler estuda a Amazônia e outras questões ambientais no Brasil desde os anos 1980. Segundo ela, a pressão atual do resto do mundo sobre o Brasil tem relação com a figura de Bolsonaro, mas também pode ser entendida por um novo momento da preocupação global com questões ambientais.

Segundo ela, além de ter a soberania, o país tem condições de proteger a floresta. “O Brasil hoje tem capacidade de lidar com a Amazônia. A questão é saber o que o Brasil quer fazer.”

Leia abaixo a entrevista completa.

Brasilianismo – Você estuda a Amazônia desde 1989. Acha que o que está acontecendo na floresta atualmente é diferente do que houve no passado?
Kathryn Hochstetler – Não é a primeira vez que tem muita coisa acontecendo no mundo ambiental brasileiro. Isso sempre tem muita atenção e interesse internacional. Quando fui para o Brasil pela primeira vez, em 1989, também havia muitos incêndios na Amazônia e as entidades internacionais estavam preocupadas com a floresta. Também naquela época havia uma resposta do Brasil de que era uma questão interna do país. Então o momento atual não é tão novo. Para mim, o interesse pelo meio ambiente brasileiro não é tão ligado a esses momentos em que o mundo todo está de olho. É algo que é interessante todo dia, todo ano. Tem sempre coisas acontecendo. E tem coisas mais importantes do que esses momentos que todo mundo presta atenção.

Sempre estou atenta a processos de avaliação de impacto ambiental, o processo de avaliar o impacto das atividades econômicas, as mobilizações da sociedade civil, as decisões rotineiras, diárias. Essas coisas sempre merecem atenção. São elas que fazem o pano de fundo para esses momentos em que todo mundo presta atenção.

Algumas coisas têm mudado nesses 30 anos em que tenho olhado a Amazônia brasileira. A possibilidade de ter dados é uma delas. Antes a gente não sabia a taxa anual de desmatamento, o que começou em 1988. Agora tem um monte de informações, de dados, os cientistas brasileiros mais do que tudo têm acompanhado todo esse processo.

Outra coisa que mudou muito é que havia uma política nova, montada especialmente desde os anos 2000, que conseguiu diminuir a taxa anual de desmatamento. O Brasil hoje tem capacidade de lidar com a Amazônia. A questão é saber o que o Brasil quer fazer. E isso tem mudado muito. Em alguns anos há um interesse maior em desenvolvimento, em outros o interesse é em sustentabilidade, outras pessoas acham que não há tanta diferença, e que desenvolvimento sem sustentabilidade não é desenvolvimento. Mas há toda uma variedade de perspectivas brasileiras sobre o ambiente.

Brasilianismo – E por que este momento está chamando tanta atenção, a ponto de ser tratado como crise internacional no G7?
Kathryn Hochstetler – O tema da mudança climática está chegando o topo da agenda internacional. Hoje fala-se mais sobre isso do que há cinco ou dez anos. Como o Brasil é tão central na política global sobre ambiente, faz sentido haver tanta atenção. Há outros problemas que têm incêndios até maiores do que o Brasil, mas o Brasil está no foco por conta desse ecossistema carismático que chama muita atenção. Mas a amazônia é um lugar muito complexo e muito importante, que muita gente não entende. Mas chegamos a este momento internacional de maior atenção à problemática ambiental. Tem mais fogo, mas também tem mais atenção.

Brasilianismo – A imprensa internacional tem responsabilizado o presidente Jair Bolsonaro pelo aumento das queimadas. Acha que isso faz sentido?
Kathryn Hochstetler – Com certeza a figura de Bolsonaro faz parte disso. Ele é um presidente que tem chamado muita atenção no mundo, é visto como parte de uma onda de presidentes que estão um pouco fora do normal, que a gente não sabe exatamente o que vão fazer, que rompem com a política normal. As pessoas já estão atentas a Bolsonaro. Ele já tem fama de falar muito sobre o desenvolvimento na Amazônia, ele já cria medo de que ele não vai proteger os indígenas. As pessoas já estão olhando para ele. Então tem muito a ver com isso também. É uma figura que o mundo está acompanhando. É um momento da política brasileira que todo mundo tem interesse.

Brasilianismo – Acha que há motivo para uma preocupação maior do mundo atualmente?
Kathryn Hochstetler – Existe um maior conhecimento sobre a Amazônia e existe uma preocupação de que estejamos perto de um ponto irreversível de destruição da floresta. Estamos chegando a um ponto de inflexão, e depois dele a Amazônia pode realmente secar. Esse aumento do conhecimento científico sobre a Amazônia estar à beira de mudança muito grande aumenta a preocupação.

Brasilianismo – Seu trabalho lida muito com o contraste entre desenvolvimento e sustentabilidade. Qual a melhor forma de equilibrar os dois?
Kathryn Hochstetler – Com certeza existe desenvolvimento que gera níveis de desmatamento e problemas ambientais maiores do que devem ser. É possível fazer coisas como agricultura e mineração na Amazônia de forma a minimizar os problemas. Minha preocupação é que o governo fala como se quisesse maximizar os impactos ambientais, em vez de minimizar eles. O jeito que ele fala de que o ambiente não importa, isso pode criar consequências negativas máximas. Isso é necessário evitar.

Brasilianismo – Qual a importância da Amazônia na projeção internacional do Brasil?
Kathryn Hochstetler – Tenho a impressão de que, por muito tempo, o Brasil não quis ser uma potência ambiental, mas não é possível o Brasil evitar isso. O país tem os recursos, as florestas, os ecossistemas tão importantes, que tem que ser uma potência internacional na área do meio ambiente.

Em 1989, quando comecei a estudar o Brasil, o Brasil resistia a ser uma potência nessa área, mas ao longo dos últimos 30 anos o país muitas vezes liderou o mundo nisso. O país percebeu que este é um assunto importante para o mundo e que eles podem ser uma potência, que é um lugar em que o país fala e o mundo ouve. Em contraste com outros assuntos como segurança e comércio, em que o país não tem uma relevância tão grande, com o meio ambiente o país pode enfim se mostrar uma potência. E os anos em que houve redução do desmatamento, isso era motivo de orgulho, o Brasil podia mostrar isso ao Brasil. O mundo sempre quis um poder grande do Brasil neste assunto, mas o próprio país muitas vezes atuou esse papel com muito orgulho e força, mas em outros momentos, como agora, resistiu a assumir esse papel.

Brasilianismo – Historicamente, acha que o mundo vê com bons olhos a perspectiva ambiental do Brasil?
Kathryn Hochstetler – O mundo sempre acha que o ambiente brasileiro é muito importante, mas nem sempre acha que o Brasil lida muito bem com essa riqueza. Muitas vezes, como agora, o mundo questiona e critica o que o país está fazendo, recomendando mudanças. Quando o Brasil faz coisas boas, também recebe muita estima do resto do mundo. Depende muito do momento.

Brasilianismo – Pela primeira vez em muito tempo está havendo um debate internacional sobre soberania, enquanto o Brasil reafirma a posse do território da floresta. Como fica, neste sentido a ideia de soberania e de ingerência e pressão internacional na floresta? Faz sentido debater de quem é a Amazônia?
Kathryn Hochstetler – No mundo ambiental, há muitas pessoas que acham que o meio ambiente é tão fundamental para o ser humano e a sobrevivência da vida no planeta, que a soberania nacional não deveria ser considerada. Mas, se você acompanha as negociações internacionais, vai ver que quase todos os países do mundo insistem que a soberania nacional tem que ser parte da política internacional do meio ambiente. O Brasil insiste nisso, e a soberania brasileira é um fato. A Amazônia está em terras brasileiras. As negociações internacionais têm dito que a soberania faz parte da política internacional, e que o país tem essa capacidade. Mas na minha opinião, essa discussão deveria ocorrer menos em função da soberania e mais em função da responsabilidade. Claro que o Brasil tem a soberania sobre o território, mas com soberania vem responsabilidade. Se você vai insistir em soberania brasileira sobre a Amazônia e para os outros ecossistemas brasileiros, então o Brasil tem a responsabilidade de lidar bem com isso. E muitas vezes o Brasil tem assumido essa responsabilidade e feito coisas boas para o ambiente. É uma responsabilidade que vem com a soberania.

Brasilianismo – E como o mundo pode pressionar o Brasil a assumir essa responsabilidade?
Kathryn Hochstetler – Os mecanismos mais eficientes são os mecanismos econômicos. E é importante entender que existe pressão dos consumidores europeus por proteção da florestas, mas também há pressões gerais dos mercados internacionais que levam à destruição dos ecossistemas para produzir mais coisas para exportar. As influências internacionais não são só para proteger o ambiente. As influências políticas são só uma parte dessa questão. Não diria que o mundo apenas favorece o ambiente.

Brasilianismo – Estamos falando sobre Amazônia, mas há menos de seis meses, conversamos sobre o desastre ambiental de Brumadinho. Quanto a Amazônia representa da questão ambiental no Brasil e que outros assuntos são também relevantes nessa área?
Kathryn Hochstetler – Desastres ambientais são muito importantes, mas me interesso muito por desastres evitados. Não temos desastres todos os dias. O Brasil tem um sistema normalizado de monitorar, acompanhar, planejar e controlar o ambiente. Isso é muito importante. E nem todos os países têm isso. As pessoas costumam falar de burocracia como uma coisa má, mas a burocracia é uma coisa boa, pois permite o acompanhamento frequente do ambiente. Além disso, estou terminando um livro sobre a questão energética no país, que é um assunto muito relevante também. E precisamos pensar também sobre política ambiental urbano, pois a maioria da população do país vive em cidades, e o ambiente não está só nas florestas.

Brasilianismo – Acha que a crise atual ameaça o papel que o Brasil pode desempenhar em política ambiental no mundo? Qual vai ser o lugar do Brasil nessa questão ambiental no futuro?
Kathryn Hochstetler – O Brasil está em um ponto muito alto nessa questão, ao ter conseguido burocratizar e monitorar o ambiente, mas a perda nessa área vem desde antes de Bolsonaro. Desde 2014, 2015 já começaram os cortes no orçamento, cortes no número de pessoas trabalhando na área. A verba disponível para ciências, por exemplo, caiu muito nos últimos anos. Atualmente o Brasil ainda tem muita capacidade na área, perdendo cientistas. Temo que o Brasil pode vir a ter problemas com isso e perca muito dessa capacidade que construiu. Não é tarde demais agora, mas mais cinco anos assim podem ser suficientes para destruir muito do que o Brasil construiu nessa área. Então estou olhando com preocupação para isso.

Brasilianismo – Mais cedo falamos sobre a relação entre desenvolvimento e sustentabilidade, mas sua última resposta parece indicar que há um outro lado dessa questão, e que o desenvolvimento econômico pode ajudar a investir em sustentabilidade, e que crises econômicas levam a uma destruição maior do ambiente…
Kathryn Hochstetler – Esse é o argumento histórico dos economistas. Mas acho que é um círculo. Ter só prosperidade econômica sem cuidar do ambiente não é sustentável, mas é verdade que mais prosperidade libera recursos para proteger o ambiente também. É um círculo. Queremos um círculo virtuoso, mas pode ser um círculo muito negativo também.

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Democracia frágil e disputas políticas limitaram a força do Brasil no mundo http://brasilianismo.blogosfera.uol.com.br/2019/08/03/democracia-fragil-e-disputas-politicas-limitaram-a-forca-do-brasil-no-mundo/ http://brasilianismo.blogosfera.uol.com.br/2019/08/03/democracia-fragil-e-disputas-politicas-limitaram-a-forca-do-brasil-no-mundo/#respond Sat, 03 Aug 2019 07:00:47 +0000 http://brasilianismo.blogosfera.uol.com.br/?p=5688 Para o pesquisador Obert Hodzi, da Universidade de Helsinki, a democracia frágil do Brasil e as disputas políticas restringiram seu papel de potência global emergente. Autor de um artigo sobre a perda do ímpeto do grupo formado por Brasil, Índia e África do Sul, ele alega que sucessivos governos do Brasil foram absorvidos pela política interna, negligenciando o papel global do país.

A credencial da democracia e o crescimento econômico foram usados pelo Brasil (junto com a Índia e a África do Sul) para tentar construir uma maior presença global para o país e reordenar a ordem internacional no começo do século. Menos de duas décadas depois da criação do grupo IBAS (Fórum de Diálogo Índia, Brasil e África do Sul), os três países parecem ter alcançado pouco. Para alguns analistas, o esforço deles pode ser questionado como apenas “bravatas vazias ou ilusões esperançosas”, segundo um artigo acadêmico publicado pelo pesquisador Obert Hodzi, da Universidade de Helsinki, na Finlândia.

No caso específico do Brasil, ao longo dos últimos anos, sucessivos governos foram absorvidos pela política interna, negligenciando o papel global do país, avaliou Hozdi em entrevista ao blog Brasilianismo. “Em linhas gerais, diria que a democracia frágil do Brasil e as disputas políticas restringiram seu papel de potência global emergente”, disse.

Autor do artigo acadêmico ‘Empty bravado or hopeful illusions’: rising democratic powers and reordering of the international system’ (que pode ser traduzido por algo como ‘Bravata vazia ou ilusões esperançosas’: Democracias emergentes e a reordenação do sistema internacional), Hozdi faz questão de deixar claro que não é um especialista na política externa do Brasil, mas estudou o caso do país juntamente com os outros membros do IBAS, e vê um contexto semelhante de perda do ímpeto deles no âmbito global.

Segundo ele, a expectativa dos três países de reordenar o sistema internacional está diminuindo porque eles não conseguiram converter suas credenciais democráticas e crescimento econômico em influência global.

Leia abaixo a entrevista completa

Brasilianismo – Seu artigo recente diz que houve uma época em que parecia que o Brasil (assim como a Índia e a África do Sul) seria capaz de aumentar sua influência e tornar-se um ator mais relevante no mundo. Olhando para o Brasil agora, você diria que essa oportunidade passou completamente?
Obert Hodzi – A oportunidade não passou completamente, o Brasil simplesmente perdeu o ímpeto. Sob o presidente Lula, o Brasil era um empreendedor normativo. Desde então, os sucessivos governos no Brasil foram absorvidos pela política interna, negligenciando seu promissor papel global.

Brasilianismo – O que mudou? O que deu errado?
Obert Hodzi – Em linhas gerais, diria que a democracia frágil do Brasil e as disputas políticas restringiram seu papel de potência global emergente. Além disso, a desaceleração econômica no Brasil nos últimos anos tornou difícil para o Brasil patrocinar normas globais alternativas e influenciar questões globais. A contínua ascensão da China e os desafios globais à democracia liberal contribuíram para o declínio da presença global do Brasil.

Brasilianismo – Existem diferenças entre os casos do Brasil, Índia e África do Sul?
Obert Hodzi – Os três países estão enfrentando os mesmos desafios, desacelerando o crescimento econômico e, no caso da África do Sul e do Brasil, se recuperando da depressão econômica –desafios políticos internos– e todos foram ofuscados pela China, que apesar de sua economia estar desacelerando, tornou-se uma fonte alternativa de financiamento internacional para o desenvolvimento e lançou projetos globais como a Iniciativa Cinturão e Rota e o Asia Infrastructure Investment Bank. O populismo crescente na Europa Ocidental e nos Estados Unidos, que está desafiando a base da ordem internacional liberal, que os três países procuraram avançar, não está facilitando as coisas para os três países. Talvez isso explique porque o IBAS está quase extinto.

Brasilianismo – A história do Brasil é fortemente marcada por essa ambição de alcançar um papel global mais proeminente. Isso foi algo alcançável? Ou você consideraria isso “bravata vazia e ilusões esperançosas”?
Obert Hodzi – A ambição de alcançar um papel global mais proeminente é inatingível para um Brasil isolado. No entanto, pode alcançá-lo através de parcerias estratégicas com outras potências globais emergentes –sua parceria com a Índia e a África do Sul teve e pode ainda ter potencial para aumentar a influência global do Brasil– mas, sozinho, com sua influência regional desafiada por outros países, é uma ilusão esperançosa.

Brasilianismo – O que o Brasil poderia fazer de maneira diferente para promover seus interesses globalmente?
Obert Hodzi – Não sou um especialista no caso do Brasil, mas posso comentar de forma geral que, como outras potências emergentes no Sul Global, o Brasil precisava investir em alianças estratégicas com poderes semelhantes no Sul Global para alavancar sua posição. Sua necessidade é a adesão e o apoio dos países de sua região e do Sul Global, a fim de alcançar seus objetivos de política externa e aumentar sua influência regional e global.

Brasilianismo – Um dos principais pontos do seu trabalho é que o Brasil (junto com Índia e África do Sul) tentou converter suas credenciais democráticas e seu crescimento econômico em influência global quando seu poder econômico ainda estava no auge e as credenciais democráticas ainda eram admiráveis. Pensando na situação atual, com a democracia sendo considerada em risco no Brasil, até que ponto isso pode afetar ainda mais a posição internacional do Brasil?
Obert Hodzi – O efeito sobre a posição internacional do Brasil é significativo –com uma economia em dificuldades e desafios políticos internos, o Brasil não tem os meios para melhorar sua influência global. A China está invadindo cada vez mais o quintal do Brasil, deixando pouco ou nenhum espaço para o Brasil manobrar. O Brasil, no futuro previsível, continuará na sombra da China.

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‘Democracia em Vertigem’ será referência sobre o Brasil para estrangeiros http://brasilianismo.blogosfera.uol.com.br/2019/07/09/democracia-em-vertigem-sera-referencia-sobre-o-brasil-para-estrangeiros/ http://brasilianismo.blogosfera.uol.com.br/2019/07/09/democracia-em-vertigem-sera-referencia-sobre-o-brasil-para-estrangeiros/#respond Tue, 09 Jul 2019 11:04:45 +0000 http://brasilianismo.blogosfera.uol.com.br/?p=5629

Chamado de “mergulho na política brasileira” pelo jornal norte-americano Los Angeles Times, o documentário “Democracia em Vertigem”, de Petra Costa, teve grande repercussão na imprensa internacional nas últimas semanas. Publicações importantes como o próprio jornal californiano, além do New York Times –que indicou o filme como um dos melhores do ano–, do Guardian e da revista Americas Quaterly, publicaram textos avaliando o filme e o retrato que faz da situação do Brasil –com um viés pessoal e crítico à ascensão da direita ao poder.

Se o filme cria polêmica dentro do Brasil, no exterior ele tem o potencial de se tornar “o principal ponto de referência para os não-especialistas na história recente do Brasil”, segundo a pesquisadora Stephanie Dennison, diretora de estudos brasileiros da Universidade de Leeds, no Reino Unido. Em entrevista ao blog Brasilianismo, ela explicou que o fato de o filme ser um documentário faz com que carregue “um certo grau de autenticidade”.

Dennison é especialista em cinema e soft power brasileiro e é autora de livros como o recente “Paulo Emílio Salles Gomes: on Brazil and Global Cinema” (University of Wales Press) e “Remapping Brazilian Film Culture in the 21st Century”, que vai ser publicado pela editora Routledge.

Para ela, apesar de “Democracia em Vertigem” de fato fazer uma “leitura pessoal e ligeiramente ambígua da história brasileira”, muitas das críticas ao filme são infundadas. “Nem este nem um filme como ‘O Processo’ se propuseram a ser abrangentes em suas explicações da história recente do Brasil”, disse.

Dennison avalia ainda que, além de ser uma representação forte do Brasil, o filme também pode oferecer chaves para entender a guinada à direita em outros países do mundo, como os Estados Unidos sob Trump e o debate sobre o Brexit no Reino Unido.

Brasilianismo – O que achou do filme ‘Democracia em Vertigem’?
Stephanie Dennison – Achei muito assistível. Eu tinha lido muitas críticas do filme antes de assisti-lo, então estava preparada para o estilo comercial e emotivo do documentário, que realmente não está fora de lugar na Netflix. Eu estou familiarizada com o trabalho de Petra Costa, então a leitura pessoal e ligeiramente ambígua da história brasileira, como vista no filme, também não me surpreendeu.

Brasilianismo – ‘Democracia em Vertigem’ teve grande repercussão na grande mídia no Reino Unido e nos EUA. Você acha que o filme pode ajudar as pessoas de fora do Brasil a entenderem o que está acontecendo no país nos últimos anos?
Stephanie Dennison – Como qualquer jornada pessoal através da história brasileira (como ‘No Intenso Agora’, de João Moreira Salles, do qual o filme me recordou em muitos níveis), pode ser útil apenas em certa medida. Algumas das críticas dirigidas ao filme por parte dos observadores brasileiros (por exemplo, que o filme omite detalhes dos erros cometidos pelo PT, que evita a ‘autocrítica’, ou que o tom pessoal está fora de lugar na narrativa de uma história tão urgente) são injustas, dado que nem este nem um filme como ‘O Processo’ se propuseram a ser abrangentes em suas explicações da história recente do Brasil.

Pessoalmente, não acho que tenha havido imprecisões no relato que Costa faz da situação instável da democracia brasileira nos últimos anos. Isso não significa dizer, claro, que não há muito mais na história do que o que é representado no filme. ‘Democracia em Vertigem’ será útil como uma contrapartida para algo como ‘O Mecanismo’, de José Padilha, também disponível na Netflix, que por sua vez é cheio de imprecisões.

Brasilianismo – A guinada à direita da política brasileira tem sido descrita como parte de um movimento global, juntamente com Trump, Brexit e muitas outras mudanças políticas pelo mundo. De que forma filmes como ‘Democracia em Vertigem’ podem ajudar a entender as características brasileiras do que está acontecendo no país?
Stephanie Dennison – Sim, eu acredito que um filme como ‘Democracia em Vertigem’ pode ser lido como fornecendo algum tipo de chave universal para entender pelo menos parte da história dessa guinada para a direita. As manobras de bastidores por parte das elites (políticas e financeiras) e grupos religiosos conservadores para não perder uma oportunidade de se beneficiar de qualquer coisa que empurre o eleitorado a seu favor podem ser vistas em outros lugares. A política maquiavélica pode ser vista em jogo no atual parlamento britânico em relação ao Brexit, por exemplo.

Brasilianismo – ‘Democracia em Vertigem’ ganhou destaque pouco tempo depois de ‘O Processo’, sobre o impeachment de Dilma Rousseff. Você acha que é possível analisar os dois filmes juntos? Como você acha que filmes como esses podem moldar a maneira como o resto do mundo pensa sobre política no Brasil?
Stephanie Dennison – Sempre é difícil ter uma noção de quem está assistindo a filmes na Netflix e de onde essas pessoas são, já que a Netflix não compartilha informações sobre audiência. Mas posso imaginar que ‘Democracia em Vertigem’ se tornará o principal ponto de referência para os não-especialistas na história recente do Brasil, particularmente porque é um documentário e, portanto, carrega um certo grau de autenticidade.

Brasilianismo – Isso pode mudar a imagem do país? Pode afetar o soft power do Brasil?
Stephanie Dennison – Eu costumo pensar que a relação entre soft power e cinema tem mais a ver com a produção de filmes do que com o conteúdo dos próprios filmes. A maioria dos documentários (e muitos filmes de ficção) que saem do Brasil são críticos, de uma forma ou de outra, do status quo. O que poderia potencialmente impactar em termos de soft power é o reconhecimento de que o Brasil produz filmes emocionantes, instigantes, desafiadores e assistíveis. ‘Democracia em Vertigem’ foi criado por uma diretora de trinta e poucos anos que já está em posição de assumir um grande problema e negociar com a Netflix. Isso me impressiona.

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Para pesquisador, mensagens vazadas podem afetar a luta contra a corrupção http://brasilianismo.blogosfera.uol.com.br/2019/06/11/para-pesquisador-mensagens-vazadas-podem-afetar-a-luta-contra-a-corrupcao/ http://brasilianismo.blogosfera.uol.com.br/2019/06/11/para-pesquisador-mensagens-vazadas-podem-afetar-a-luta-contra-a-corrupcao/#respond Tue, 11 Jun 2019 13:48:32 +0000 http://brasilianismo.blogosfera.uol.com.br/?p=5579

Reportagem do New York Times diz que revelação de mensagens gera questionamento sobre equidade da Lava Jato

A revelação de conversas entre o ex-juiz Sergio Moro, atual ministro da Justiça, e o procurador Deltan Dallagnol pelo site Intercept jogou um balde de água fria em quem acreditava que a entrada de Moro no governo de Jair Bolsonaro poderia ajudar a Lava Jato e o combate à corrupção no Brasil. Segundo o pesquisador americano Matthew M. Taylor, um dos observadores que disse acreditar nisso em novembro do ano passado, a divulgação das mensagens “mostra um certo casuísmo, a possibilidade de as decisões terem sido tomadas de maneira estratégica para chegar ao fim que procuradores e juiz pareciam desejar”.

Em entrevista ao blog Brasilianismo, Taylor disse que a revelação dá força à defesa do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva e ao argumento de politização da Justiça no país.

Professor da American University, em Washington, DC e autor de vários estudos internacionais sobre democracia e corrupção no Brasil, ele avalia que o caso terá forte impacto e pode afetar o combate à corrupção como um todo no país. Segundo ele, qualquer juiz futuro que esteja decidindo algum processo envolvendo a Lava Jato vai ter que se mostrar excessivamente aberto aos argumentos da defesa.

“A grande tragédia é que as decisões não seriam necessariamente diferentes das tomadas. As discussões me parecem ter sido mais para facilitar e tornar mais eficientes decisões que já estavam mais ou menos em curso. Mas a imagem que passa é bastante negativa”, disse.

Taylor é autor de livros como ”Corruption and Democracy in Brazil: The Struggle for Accountability” (Corrupção e democracia no Brasil: a luta por fiscalização), e ”Judging Policy: Courts and Policy Reform in Democratic Brazil” (Julgando política: Tribunais e reforma política no Brasil democrático). Para ele, a Lava Jato deve ser reconhecida como “uma exceção muito importante à regra da impunidade no Brasil”. Por isso, diz, a perda de prestígio da Lava Jato “desmerece todo um esforço de meia década que é o único esforço que deu grande resultado” na luta contra a corrupção no país. “Isso me deixa bastante desanimado e preocupado sobre avanços futuros nesse campo.”

Leia abaixo a entrevista completa

Brasilianismo – Qual sua impressão sobre as revelações do Intercept sobre a Lava Jato?
Matthew Taylor – É um problema mais político do que legal. Esta divulgação contribui para os argumentos do PT e da defesa de Lula no sentido de reforçar a narrativa do ‘lawfare’, da politização da Justiça. E certamente, mesmo no campo legal, isso mostra uma certa parcialidade para um dos lados da tríade jurídica. Falamos sempre que o juiz é um árbitro imparcial entre dois atores. No caso atual, as duas pernas do juiz para a tríade parecem ser de tamanhos diferentes. Isso vai contribuir para aquilo que inglês a gente chama de ‘playing the ref’, influenciar o árbitro em julgamentos futuros. Qualquer juiz futuro que esteja decidindo algum processo envolvendo o Lula em particular, mas a Lava Jato de maneira geral, vai ter que se mostrar excessivamente aberto aos argumentos da defesa. Então as revelações têm impacto político e legal.

Brasilianismo – Quando Moro aceitou ser ministro do governo Bolsonaro, no ano passado, você se dizia otimista com a indicação. O que acha da atuação dele nesses primeiros meses de governo, e especialmente depois dessas revelações?
Matthew Taylor – Certamente foi um balde de água fria, com tudo o que tem acontecido nos últimos meses. O caso atual mostra um certo casuísmo, a possibilidade de as decisões terem sido tomadas de maneira estratégica para chegar ao fim que procuradores e juiz pareciam desejar. A grande tragédia é que as decisões não seriam necessariamente diferentes das tomadas. As discussões me parecem ter sido mais para facilitar e tornar mais eficientes decisões que já estavam mais ou menos em curso. Mas a imagem que passa é bastante negativa.

Dentro de um contexto maior, acho que esse caso contribui para um desgaste contínuo de Moro, que desde que entrou no Ministério tem passado por uma fase difícil, tanto pela oposição que enfrenta no legislativo quanto pela oposição que parece enfrentar dentro do próprio governo, um certo isolamento e a pouca priorização dada às reformas propostas no Ministério da Justiça. E portanto é difícil manter qualquer tipo de otimismo sobre o progresso nesse campo. Certamente isso tem um fundamento político, já que muitos congressistas não desejam reformas, mas também porque o Moro representa uma ameaça em potencial como ator político, seja como um reformista ou como um potencial candidato no futuro. Ele está sendo de certa forma enfraquecido de forma deliberada por diversos atores. Isso me leva a um certo pessimismo sobre a capacidade de Moro levar adiante reformas e também sobre o sucesso de qualquer reforma –seja dele ou do Ministério Público, ou mesmo de Bolsonaro– contra a corrupção.

Brasilianismo – A reação em defesa contra os vazamentos foi de tratar as revelações como um ataque à Lava Jato. Que impactos os vazamentos de conversa pelo Intercept pode de fato afetar a Lava Jato e a mobilização contra a corrupção?
Matthew Taylor – Uma das questões importantes é o fato de a Lava Jato ainda ser uma exceção no funcionamento dos tribunais, do Ministério Público e da Justiça Federal no Brasil. Foi uma grande exceção por conseguir alguma responsabilização dos principais atores, pelo menos do lado empresarial. A Lava Jato foi uma exceção muito importante à regra da impunidade no Brasil. O problema é que por ser exceção, qualquer coisa que enfraqueça a Lava Jato enfraquece a luta contra a corrupção. Não que não existam outros pólos potenciais importantes, mas eles não têm se mostrado tão fortes. A Lava Jato foi pioneira e deu um resultado que nunca tinha sido alcançado por outras operações no passado. Defenestrar a lava Jato implica uma regressão para os esforços anticorrupção no Brasil. Tirar seu prestígio e levantar dúvidas sobre sua idoneidade é duplamente pernicioso, porque desmerece todo um esforço de meia década que é o único esforço que deu grande resultado. Isso me deixa bastante desanimado e preocupado sobre avanços futuros nesse campo.

Brasilianismo – As revelações se encaixaram na polarização política no país, em que um lado defende a Lava Jato como correta a qualquer custo, apesar do que foi revelado, e outro lado acha que isso mostra que tudo está errado com a operação. É possível encontrar um meio termo para reconhecer os problemas revelados agora, mas manter uma postura contra a corrupção?
Matthew Taylor – Em qualquer país, a melhor solução é um progresso em todas as frentes. Isso significa tentar melhorar instituições que trabalham com transparência, com monitoramento e com punição e sanção. Isso implica fortalecer instituições como a Receita Federal, a Polícia Federal, o TCU, o Ministério Público e o próprio Judiciário. O caminho inclui pensar nos motivos da proteção que tem sido dada recorrentemente às elites políticas a nível federal. Isso passa pelo STF, que precisa ter examinada a sua responsabilidade na garantia a impunidade dessas elites. É uma questão muito difícil, pois é claro que políticos merecem uma certa proteção, pois estão no meio de um jogo perigoso, onde sua reputação é muito importante,. Mas o fato é que a Lava Jato usou os procedimentos que usou em parte por saber que o STF seria muito garantista, muito defensor dos direitos dos políticos, então portanto era necessária uma abordagem extremamente estratégica, e talvez isso tenha contribuído para o que foi revelado agora. Olhando para a experiência de operações do passado, como o Banestado, Castelo de Areia e assim por diante, não era irracional os procuradores da Lava Jato tomarem uma atitude extremamente cautelosa e estratégica, olhando muito para o impacto político de decisões legais, de maneira a pressionar o STF a tomar decisões que de outra maneira talvez ele não se sentisse confortável tomando.

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Previdência testa se governo Bolsonaro será levado a sério, diz economista http://brasilianismo.blogosfera.uol.com.br/2019/05/23/previdencia-testa-se-governo-bolsonaro-sera-levado-a-serio-diz-economista/ http://brasilianismo.blogosfera.uol.com.br/2019/05/23/previdencia-testa-se-governo-bolsonaro-sera-levado-a-serio-diz-economista/#respond Thu, 23 May 2019 07:00:46 +0000 http://brasilianismo.blogosfera.uol.com.br/?p=5529 Para Edmund Amann, professor da universidade de Leiden, aprovação da reforma da Previdência é importante não apenas pela economia que gera, mas por conta do seu papel simbólico. Em entrevista ao Brasilianismo, Amann disse que a reforma está sendo vista como um primeiro desafio do governo. Para ele, a aprovação ou não da reforma vai apontar a viabilidade de Jair Bolsonaro alcançar melhoras para a economia do país e indicar ao mundo se o governo pode ser levado a sério.

Bolsonaro entrega a nova proposta de reforma da Previdência ao Congresso

As disputas entre o presidente Jair Bolsonaro e políticos no Congresso brasileiro têm gerado turbulências na economia no país. A cada nova polêmica, o Mercado internacional sinaliza preocupação com o encaminhamento de reformas que são vistas como necessárias para as finanças do país. A discussão em torno da Previdência, por exemplo, tem sido tratada desde o começo do ano como o primeiro grande desafio do novo governo.

Segundo o economista Edmund Amann, brasilianista e professor da universidade de Leiden, na Holanda, a discussão sobre a Previdência é fundamental para o país, e está sendo interpretada no resto do mundo como um teste para saber se o governo Bolsonaro tem viabilidade e se pode ser levado a sério.

“Fora do Brasil há um grau de incerteza em torno do governo de Bolsonaro em termos de tentar saber se ele vai ser capaz de resolver os problemas do país. Se ele conseguir algum progresso nesta reforma, vai parecer que ele foi bem-sucedido inicialmente, e vai ser levado a sério. As pessoas querem saber se o governo é capaz de atingir resultados positivos, se tem uma relação produtiva com o Congresso, se vai conseguir empurrar o país na direção certa”, explicou Amann em entrevista ao blog Brasilianismo. “O governo vai ser mais respeitado e levado a sério, caso consiga aprovar a reforma.”

Especialista em economia brasileira, Amann vem desde o ano passado apontando a possibilidade de uma recuperação do país depois da recessão. Segundo ele, entretanto, o país precisa de muitas reformas em sua economia. E a da Previdência é importante especialmente por conta do seu papel simbólico.

“Sozinha, a reforma da Previdência não vai resolver os problemas da economia. Sozinha, ela não vai resolver nem mesmo a questão da Previdência de forma completa. Ela precisa ser vista como um símbolo. (…) Se esta reforma for aprovada da forma como está sendo discutida atualmente, o impacto econômico apenas dela vai ser marginal, mas isso tem importância sobre o que ela indica sobre o futuro”, explicou.

Leia abaixo a entrevista completa

Brasilianismo – O que acha da proposta de Reforma da Previdência que está sendo discutida atualmente?
Edmund Amann – A reforma parece dar sinais de avanço ao ser discutida pela Câmara, o que é bom. Mas claro que a reforma proposta é menos ambiciosa do que havia sido sugerido, então seu impacto econômico vai acabar sendo reduzido. Dito isso, ainda é significativo e a economia de cerca de 1 trilhão de reais é importante. Mas mais importante do que é isso é a ideia de que, se esta reforma for aprovada, isso mostra que o novo governo tem a capacidade de avançar com reformas que geram polêmica política, mas que são necessárias. Isso pode indicar que outras reformas podem acontecer mais à frente. É por isso que as pessoas estão tão interessadas nessa reforma da Previdência. Em uma análise final, se esta reforma for aprovada da forma como está sendo discutida atualmente, o impacto econômico apenas dela vai ser marginal, mas isso tem importância sobre o que ela indica sobre o futuro.

Brasilianismo – A importância está ligada então à percepção ligada ao avanço da reforma?
Edmund Amann – Sim. Ela vai trazer mais otimismo em relação ao Brasil. O fato de algum progresso ter sido registrado recentemente, com a aprovação da reforma na Comissão gerou boas reações. Um ponto importante é que o investimento estrangeiro direto no Brasil tem sido muito saudável. Isso indica algum otimismo de que esta reforma vai ser aprovada de alguma forma. Claro que há muita cautela também, já que já vimos propostas anteriores serem frustradas. Então há cautela e a sensação de que esta reforma vai ser aprovada até o fim do ano.

Brasilianismo – Isso não pode gerar o risco de expectativas altas demais? Pode-se dizer que a reforma vai permitir que a economia se recupere?
Edmund Amann – Sozinha, a reforma da Previdência não vai resolver os problemas da economia. Sozinha, ela não vai resolver nem mesmo a questão da Previdência de forma completa. Ela precisa ser vista como um símbolo. É algo que, se for aprovado vai contribuir para uma solução dos problemas de Previdência do Brasil, mas não é uma solução total.

A questão é que a aprovação dela vai indicar que o governo consegue reunir apoio para aprovar reformas. Este é o sinal mais importante que o Mercado está esperando. É menos a aprovação dessa reforma em si, e mais o que ela significa em termos do futuro. Pois, se o governo conseguir aprovar a reforma da Previdência, pode ser possível aprovar outras reformas, como a tributária, ou a reforma das relações entre negócios e o Estado, reduzindo burocracias, questões que ajudariam muito a atrair investimentos e a recuperar a confiança na economia, permitindo que o Brasil cresça mais rapidamente. É por isso que todos os olhos estão voltados a esta reforma. É um teste crucial para o que este governo é capaz de fazer.

Fora do Brasil há muita incerteza sobre a capacidade do governo de Bolsonaro de tomar medidas difíceis e alcançar reformas complicadas. Ele tem uma abordagem pouco convencional de administração da relação com o Congresso, e as pessoas estão esperando para ver o que ele vai conseguir. É por isso que fora do Brasil vê-se esta reforma da previdência como tão representativa. Parece ser um teste sobre o quanto o governo pode ser eficiente.

Brasilianismo – E se a reforma não passar, o que vai acontecer com o país?
Edmund Amann – É um exagero dizer que o Brasil vai quebrar se a reforma não for aprovada. Se a reforma não passar, o governo vai ter que rever a medida e fazer mudanças necessárias. Isso porque esta questão da Previdência vai precisar ser discutida e mudar de alguma forma. As aposentadorias estão se tornando um peso cada vez maior no PIB do Brasil e pressionando os gastos públicos, então uma reforma é necessária. Não importa qual seja o governo do país, este problema vai ter que ser resolvido. A questão é saber apenas qual formato ela vai ter. Se o plano atual do governo fracassar, o governo vai ter que repensar a reforma que vai ser levada adiante de forma que isso tenha apoio. A reforma precisa ser feita. Caso o projeto atual não seja aprovado vai haver uma reação imediata do Mercado, mas novas propostas vão ser discutidas.

Outro ponto importante é que a reforma da Previdência não é a única questão importante para a economia brasileira. Há outros pontos relevantes sendo tratados pelo governo, como a discussão sobre privatizações, questões da política macroeconômica. São medidas que de forma geral os investidores apoiam. Isso pode se ver no investimento internacional sendo direcionado ao país. Há um apoio frequente do Mercado a medidas de responsabilidade macroeconômica.

Não acho que o fracasso desta reforma atual vá quebrar a economia, mas vai deixar a vida mais difícil.

Brasilianismo – O que o senhor acha que atrai tanto interesse internacional nesta questão da Previdência?
Edmund Amann – Quem está prestando mais atenção a esta questão são os investidores, pois há um público estrangeiro com interesses diretos no comportamento da economia brasileira. Além disso, muita gente vê a reforma como sendo uma avaliação da viabilidade política desse novo governo. Ela vai demonstrar se o governo é capaz de reunir um consenso nacional em torno de reformas contenciosas. Ou seja, o governo vai ser mais respeitado e levado a sério, caso consiga aprovar a reforma.

Fora do Brasil há um grau de incerteza em torno do governo de Bolsonaro em termos de tentar saber se ele vai ser capaz de resolver os problemas do país. E acho que se ele conseguir algum progresso nesta reforma, vai parecer que ele foi bem-sucedido inicialmente, e vai ser levado a sério. Isso valeria para qualquer novo governo. As pessoas querem saber se o governo é capaz de atingir resultados positivos, se tem uma relação produtiva com o Congresso, se vai conseguir empurrar o país na direção certa. Atualmente o júri ainda está aberto, e este vai ser o primeiro teste.

Brasilianismo – Como o senhor vê isso no contexto de disputas internas dentro do governo entre grupos que querem levar adiante essas reformas econômicas e a atenção dada a questões ligadas a armamentos, educação e cultura de forma geral?
Edmund Amann – Isso é uma distração, que absorve tempo e atenção do governo, o que poderia ser direcionado a tentar resolver essa questão das reformas mais complicadas para a economia brasileira. Por outro lado, assim como acontece com o governo de Donald Trump nos Estados Unidos, isso é uma forma de o governo tentar angariar apoio popular entre seus eleitores. É preciso fazer um cálculo político para saber se este apoio dos eleitores da base de Bolsonaro pode ajudar a levar adiante reformas, se gera apoio no Congresso. Isso nem sempre é garantido, e parece mais criar antagonismos do que levar ao consenso. Isso pode fazer com que políticos não alinhados contra ou a favor do governo acabem tendo uma postura contra as reformas por conta do discurso. São pessoas que poderiam apoiar o governo, caso a retórica do presidente fosse mais construtiva. Declarações provocativas podem até atrair apoio dos eleitores e políticos que apoiariam o governo de qualquer jeito, mas pode alienar pessoas que não estão neste grupo. É um cálculo político que deveria ser feito pelo governo para tentar atrair apoio a suas propostas.

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‘Tribalismo hostil’ prejudica posição do Brasil no mundo, diz especialista http://brasilianismo.blogosfera.uol.com.br/2019/04/04/tribalismo-hostil-prejudica-posicao-do-brasil-no-mundo-diz-especialista/ http://brasilianismo.blogosfera.uol.com.br/2019/04/04/tribalismo-hostil-prejudica-posicao-do-brasil-no-mundo-diz-especialista/#respond Thu, 04 Apr 2019 15:39:33 +0000 http://brasilianismo.blogosfera.uol.com.br/?p=5372 Para o consultor britânico Simon Anholt, especialista em imagens internacionais de países, o Brasil precisa desempenhar um papel efetivo de colaboração com outras nações a fim de reconstruir sua confiança e credibilidade em todo o mundo. “Precisa ser um bom país, não apenas um país poderoso”, defendeu.


A viagem do presidente Jair Bolsonaro a Israel consolidou uma mudança prometida desde a eleição dele no perfil da política externa brasileira. A partir do início deste ano, o país parece ter invertido suas prioridades, deixando de lado a posição de nação conciliadora e defensora do multilateralismo e de causas ambientais para passar a se alinhar aos Estados Unidos e a assumir uma postura mais agressiva em sua diplomacia.

Segundo Simon Anholt, consultor britânico especialista em imagem internacional de países, essa mudança é perigosa para a projeção do Brasil no resto do mundo.

“Esse tribalismo hostil, competitivo e de autopromoção só pode prejudicar a posição internacional do Brasil nos próximos anos”, disse Anholt em entrevista ao blog Brasilianismo.

“Bolsonaro deveria entender que, na era em que vivemos, a colaboração é o comportamento mais competitivo que qualquer nação pode ter”, explicou.

Anholt tem experiência em analisar a percepção do mundo sobre o Brasil. Ele foi responsável pela criação do termo “nation branding”, usado para designar estudos que avaliam a imagem internacional de diferentes países como se fossem marcas (depois adaptado para se chamar “competitive identity” – identidade competitiva). Ele desenvolveu um dos principais levantamentos globais para medir essas imagens de nações (o Nation Brands Index) e prestou consultoria a vários governos sobre formas de melhorar a imagem dos seus países. Atualmente, seu principal projeto é outro, o Good Country Index, em que promove a ideia de que os países precisam ter uma postura positiva para todo o planeta.

“O que o Brasil precisa fazer para reconstruir sua confiança e credibilidade em todo o mundo é começar a desempenhar um papel efetivo e de princípios na comunidade das nações –algo que é bem capaz de fazer– competir um pouco menos e colaborar muito mais. Precisa ser um bom país, não apenas um país poderoso”, defendeu.

“Se eu sei alguma coisa sobre os brasileiros, acho que eles ficarão muito mais orgulhosos de um Brasil (e de um presidente) que apoie a comunidade internacional e promova o interesse de toda a humanidade e de todo o planeta com coragem e imaginação, ao invés de um Brasil que constantemente tenta promover seus próprios interesses às custas dos demais”, disse.

Apesar da avaliação crítica, Anholt se baseia na análise de dados de mais de uma década de estudos sobre imagens para indicar que o impacto de uma percepção internacional negativa de Bolsonaro dificilmente pode afetar no longo prazo a projeção positiva do Brasil no resto do mundo.

“É certamente verdade que um Mandela, um Churchill, um Lincoln, um Gandhi ou até mesmo uma Merkel podem, com o tempo, levantar a posição internacional de um país. Até certo ponto, o oposto também é verdadeiro: Hitler e Stálin arruinaram a posição da Alemanha e da Rússia por gerações. Mas um presidente precisaria ser notoriamente horrível (ou surpreendentemente santo) para alterar a imagem de seu país em um único mandato, especialmente se o país já tiver uma imagem internacional razoavelmente bem estabelecida. A imagem do Brasil permanece um pouco melhor do que a realidade do país, e isso efetivamente protege o país de uma série de maus comportamentos e episódios negativos. A Copa do Mundo e as Olimpíadas causaram sérios danos à imagem do país, mas provavelmente esses danos não durarão muito tempo”, explicou.

O consultor avaliou ainda a decisão de Bolsonaro de substituir embaixadores brasileiros para tentar combater a imagem de “ditador” que é projetada na imprensa internacional. Segundo ele, a ação parece “muito insensata”.

“É sempre preocupante quando um chefe de Estado começa a falar sobre si mesmo e sobre o Estado como se fossem a mesma coisa”, explicou Anholt.

“Se ele anuncia publicamente que está nomeando novos diplomatas apenas com base na eficácia com que eles ‘vendem’ sua imagem, será quase impossível para eles ganhar qualquer confiança ou credibilidade com outros diplomatas em todo o mundo. Eles serão simplesmente considerados pelos seus pares como propagandistas do presidente, e serão educadamente ignorados. Confiança e credibilidade são a base da diplomacia, e Bolsonaro corre o risco de criar um serviço estrangeiro que ninguém escuta: a última coisa que o Brasil precisa nesse momento turbulento de sua história”, disse.

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Troca de embaixadores pode reforçar reputação de ‘ditador’ de Bolsonaro http://brasilianismo.blogosfera.uol.com.br/2019/03/16/troca-de-embaixadores-parece-confirmar-imagem-de-ditador-de-bolsonaro/ http://brasilianismo.blogosfera.uol.com.br/2019/03/16/troca-de-embaixadores-parece-confirmar-imagem-de-ditador-de-bolsonaro/#respond Sat, 16 Mar 2019 07:00:42 +0000 http://brasilianismo.blogosfera.uol.com.br/?p=5307 Segundo o especialista em imagens internacionais Robert Govers, medida do presidente para mudar percepção externa de que é “racista, homofóbico e ditador” parece reforçar sua má-reputação. Em sua avaliação, é típico de um presidente autoritário acreditar que a imagem do país é dominada por sua própria reputação, e a mudança pode ser interpretada como mais uma atitude de um governante antidemocrático.

O pesquisador Robert Govers

Preocupado com sua imagem no exterior, o presidente Jair Bolsonaro decidiu trocar pelo menos 15 embaixadores brasileiros em outros países para tentar melhorar sua reputação no resto do mundo.

Segundo reportagem da agência Reuters, Bolsonaro está incomodado com a imagem que tem no exterior, sendo sempre apresentado na imprensa internacional como “racista, homofóbico e ditador”. Ele reclamou que os atuais diplomatas não estão “vendendo uma boa imagem do Brasil”.

A medida pode ter um efeito contrário ao que o presidente espera, entretanto, e pode ser interpretada como mais uma atitude de um governante autoritário, segundo a análise de um pesquisador especializado em como se formam as imagens internacionais de países.

“As ações de Bolsonaro parecem apenas confirmar a percepção internacional. A reputação é construída pelo que você faz e não pelo que você (ou seus embaixadores) diz. Portanto, acho que essa ação pode alcançar o efeito oposto do pretendido”, explicou Robert Govers, em entrevista ao blog Brasilianismo.

“Ele não gosta do modo como os embaixadores (não) estão defendendo o país; ou (não) estão defendendo ele mesmo? Supondo que seja este último, não é normal que um presidente autoritário substitua esses embaixadores?”, questionou.

Segundo ele, as notícias sobre o governo e a associação entre Bolsonaro e Trump fazem com que não seja estranho que o presidente brasileiro esteja sendo visto internacionalmente dessa maneira. “Não deveria ser surpreendente se considerarmos algumas das coisas que ele disse e fez”, disse.

Govers é um dos principais pesquisadores do mundo em estudos sobre “place branding”, estudos e análises que tratam da imagem de lugares como se fossem marcas –e sobre como promovê-las no resto do mundo. Ele é diretor da associação internacional de acadêmicos da área (IPBA) e autor do livro “Imaginative Communities”, em que explica o que faz com que algumas comunidades, cidades, regiões e países sejam mais admiradas do que outras.

Questionado sobre os possíveis efeitos da decisão de Bolsonaro de trocar embaixadores para melhorar sua imagem, ele argumentou que é preciso separar o que o mundo pensa do governante do que pensa sobre o país, e disse que é típico de um presidente autoritário acreditar que a imagem do país é dominada por sua própria reputação.

“Felizmente ela não é. A maioria das audiências estrangeiras é perfeitamente capaz de distinguir entre ‘o país’ e sua política. O que não significa que os dois não possam influenciar um ao outro. Mas, se e quando o fizerem, no caso de países com associações de imagem historicamente fortes como o Brasil, geralmente é temporário”, explicou.

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‘Falta de consenso sobre perseguição política reduz chance de Nobel a Lula’ http://brasilianismo.blogosfera.uol.com.br/2019/03/14/falta-de-consenso-sobre-perseguicao-politica-reduz-chance-de-nobel-a-lula/ http://brasilianismo.blogosfera.uol.com.br/2019/03/14/falta-de-consenso-sobre-perseguicao-politica-reduz-chance-de-nobel-a-lula/#respond Thu, 14 Mar 2019 07:00:07 +0000 http://brasilianismo.blogosfera.uol.com.br/?p=5297 Autor de um artigo acadêmico sobre o Prêmio Nobel da Paz, o cientista político Ronald Krebs diz que o ex-presidente Lula tem poucas chances de ser premiado. Segundo ele, o fato de o Brasil ser uma democracia é importante. Além disso, a condenação de Lula por corrupção e a falta de um consenso internacional sobre ele ser vítima de perseguição política tornam pouco provável que o comitê do Nobel o escolha.

O pesquisador americano Ronald Krebs não apostaria suas economias nas chances de o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva ganhar o Prêmio Nobel da Paz. Por mais que o brasileiro tenha sido indicado pelo ganhador do prêmio de 1980, Adolfo Pérez Esquivel, por seu papel na luta contra a fome, e por mais que a candidatura tenha apoio de mais de 640 mil pessoas em um abaixo-assinado, Krebs avalia que não existe um consenso internacional sobre a ideia de que Lula seja um perseguido político e que, por isso, a possibilidade de ele ganhar não parece ter muita força.

“Se Lula fosse um mártir da luta contra a fome, ou se ele tivesse sido claramente preso por causa dessa luta contra a fome, se houvesse um consenso de que ele foi preso porque ele defendeu este tipo de política, então talvez pudesse ter algum apoio a ele no comitê do Nobel. Mas dado que ele foi condenado por corrupção, que é um problema endêmico no Brasil, é difícil imaginar que o comitê do Nobel vá endossar a candidatura dele”, disse Krebs em entrevista ao blog Brasilianismo.

Segundo o acadêmico, o fato de o Brasil ser uma democracia também reduz as chances do ex-presidente. Ainda assim, se houvesse um consenso internacional em torno da ideia de que Lula foi preso por motivos políticos, talvez sua candidatura tivesse uma relevância maior, diz. “Mas não há consenso internacional em torno da ideia de que ele foi preso injustamente”, avaliou. “Tenho certeza de que muitos brasileiros estão interessados nisso, mas a probabilidade de Lula ganhar o Nobel da Paz não me parece significativa.”

Krebs é professor de ciência política da Universidade de Minnesota, nos Estados Unidos, e realizou pesquisas sobre a importância internacional do Prêmio Nobel da Paz. No artigo “The False Promise of the Nobel Peace Prize” (A falsa promessa do Prêmio Nobel da Paz), de 2010, ele discute como a condecoração foi politizada ao longo das últimas décadas, e como ela tem impacto limitado.

“O Prêmio chama a atenção para problemas ignorados; mas, às vezes, o prêmio também produz efeitos inesperados e indesejados –prejudicando organizações e desencadeando ação repressiva do Estado”, explica.

Leia a entrevista completa abaixo

Brasilianismo – O ex-presidente Lula foi nomeado para o Prêmio Nobel da Paz, e muitos no Brasil defendem que ele seja escolhido. Entretanto você escreveu um trabalho acadêmico indicando que o prêmio chama muita atenção, mas na verdade não ajuda tanto nem os ganhadores nem as causas de eles defendem. Pode explicar um pouco melhor por que isso acontece?
Ronald Krebs – O Prêmio Nobel da Paz é explicitamente o mais politizado dos prêmios Nobel. A intenção específica dele é ajudar certos tipos de causas políticas, algumas mais tradicionalmente ligadas à paz e negociações internacionais. Mas, desde os anos 1970, e especialmente depois dos anos 1990, ele passou a servir para promover causas que associamos com a política liberal, direitos humanos e direitos das mulheres, e uma variedade de outras “causas boas”. Normalmente, ao contrário do que acontece no Brasil, isso ocorre em ambientes que não são particularmente favoráveis a esses tipos de causas políticas. Isso quer dizer, regimes autoritários.

Seja o prêmio para Aung San Suu Kyi, em Mianmar, ou para Liu Xiaobo, na China, ou historicamente o prêmio para Nelson Mandela, estamos lidando com regimes que não são particularmente inclinados ao reconhecimento de direitos. São regimes que têm uma postura muito defensiva no cenário internacional, regimes que têm motivos para temer o tipo de encorajamento que o Nobel da Paz pode dar a movimentos dissidentes dentro dos países. Regimes que geralmente não são muito vulneráveis a pressão política internacional. Em resumo, o prêmio é dado em regimes que menos provavelmente vai responder ao tipo de pressão que o Nobel da Paz pode trazer.

Por um lado, os movimentos políticos que estes indivíduos representam ficam muito felizes com a forma com que parece que o Ocidente está apoiando suas causas. Por outro lado, há um regime no país em que eles atuam que tem todo o interesse em reprimir estes movimentos. Então o resultado é uma combinação que não ajuda muito a avançar a causa do Prêmio Nobel da Paz. Minha pesquisa mostra que ele gera um aumento repentino em interesse na causa ganhadora do Prêmio, mas não cria um interesse global que se sustente por um longo período.

O caso de Lula é diferente. Com certeza ele está associado ao interesse das classes baixas brasileiras, mas ele não representa uma grande causa equivalente a direitos humanos. Ele não foi preso por motivos políticos, por mais que ele argumente isso. Ele não está preso por ter sido um defensor de causas ligadas aos menos favorecidos no Brasil. Ele foi preso basicamente por corrupção. Tenho certeza de que muitos brasileiros estão interessados nisso, mas a probabilidade de Lula ganhar o Nobel da Paz não me parece significativa.

Brasilianismo – O argumento central em defesa da candidatura dele é a sua luta contra a fome no Brasil.
Ronald Krebs – Claro que o comitê apoia esta causa. Se Lula fosse um mártir da luta contra a fome, ou se ele tivesse sido claramente preso por causa dessa luta contra a fome, se houvesse um consenso de que ele foi preso porque ele defendeu este tipo de política, então talvez pudesse ter algum apoio a ele no comitê do Nobel. Mas dado que ele foi condenado por corrupção, que é um problema endêmico no Brasil, é difícil imaginar que o comitê do Nobel vá endossar a candidatura dele.

Brasilianismo – A candidatura de Lula tem o apoio de mais de 600 mil pessoas que assinaram uma petição e, para muitos que apoiam o ex-presidente, a narrativa é exatamente de que Lula é vítima de um regime de exceção. Muitos apoiadores acham que a condenação por corrupção é uma fachada para uma perseguição de setores da elite por conta da luta do ex-presidente contra a fome e em defesa dos mais pobres.
Ronald Krebs – Se houvesse um consenso internacional em torno dessa ideia de que Lula foi preso por este motivo, talvez sua candidatura tivesse uma relevância maior, e a narrativa de quem o defende tenta reforçar isso. Mas não há consenso internacional em torno da ideia de que ele foi preso injustamente.

Brasilianismo – Por outro lado, se ele ganhar o Prêmio Nobel da Paz, isso pode reforçar a narrativa de quem acha que ele é perseguido injustamente?
Ronald Krebs – O Brasil é um caso interessante. Em anos recentes em que o Prêmio Nobel da Paz foi dado para apoiar movimentos políticos domésticos, fez isso para apoiar causas que não são populares nos países em que esses movimentos existem, e normalmente em face de um governo não democrático. O Brasil seria uma exceção. Estamos falando de uma democracia que tem falhas, mas que é uma democracia. Estamos falando de um país que tem uma esquerda forte, e que é parte da política tradicional. Então seria uma circunstância muito pouco comum. É por isso que é difícil de imaginar que Lula ganhe o prêmio. Eu não apostaria minhas economias na premiação de Lula.

Brasilianismo – Acha que esta mudança do Nobel nas últimas décadas, premiando causas políticas domésticas, afeta a importância do Prêmio da paz?
Ronald Krebs – Não mudou a empolgação internacional que o prêmio gera. O fato de estarmos falando sobre candidaturas mostra que ele tem relevância. Ele ainda gera muito debate, e cria muita empolgação imediata em torno dos premiados. O Prêmio se afastou da questão de paz entre Estados, com raras exceções, e em parte isso parece ser um reflexo de redução das oportunidades para ter este papel. Temos cada vez menos guerras e conflitos entre Estados –e os conflitos parecem cada vez mais estar dentro dos Estados. Então, casos como o da Colômbia, por exemplo, se tornam mais comuns. A decisão de apoiar causas domésticas e políticas liberais é uma marca do desejo do comitê de continuar tendo relevância internacional. Se eles se apegassem a causas tradicionais, haveria cada vez menos oportunidades e questões que parecessem relevantes para a vida das pessoas. Então é uma busca por relevância.

Brasilianismo – O que acha que o Nobel precisa fazer para de fato ter uma influência sobre questões de paz?
Ronald Krebs – O Prêmio faz o que pode. O que é necessário é ter apoio da sociedade civil transnacional às causas premiadas, a fim de dar força a esse tipo de mobilização. O comitê não tem força para criar uma mobilização mais duradoura, e seu papel é justamente o de atrair a atenção para estas questões. Depois da premiação, cabe a Estados e à sociedade dar apoio a essas causas. Temos muitas tragédias humanitárias acontecendo no mundo atualmente. Síria, Iêmen, crise de refugiados. O comitê do Nobel pode focar nisso. Mas no fim das contas, a diferença tem que ser feita não pelo comitê, mas pela sociedade transnacional e forças políticas a fim de resolver esses problemas. O papel do comitê do Nobel é promover uma conversa sobre estas questões e valores, mas lidar com os problemas é uma responsabilidade de todos nós.

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Direita usa moralismo como arma desde antes da ditadura, diz historiador http://brasilianismo.blogosfera.uol.com.br/2019/03/10/direita-usa-moralismo-como-arma-desde-antes-da-ditadura-diz-historiador/ http://brasilianismo.blogosfera.uol.com.br/2019/03/10/direita-usa-moralismo-como-arma-desde-antes-da-ditadura-diz-historiador/#respond Sun, 10 Mar 2019 07:00:52 +0000 http://brasilianismo.blogosfera.uol.com.br/?p=5278 Professor da Universidade da Califórnia San Diego, Benjamin Cowan discute o uso do discurso moralista pelo presidente Jair Bolsonaro, diz que isso ecoa o que foi usado durante a ditadura militar e explica que este tipo de mobilização política é usado pela direita ao longo da história do país. 

A publicação de um vídeo obsceno pelo presidente Jair Bolsonaro colocou em evidência a importância do discurso em torno de valores morais conservadores que levaram à sua ascensão ao posto mais alto do Executivo. O professor de relações internacionais na FGV Matias Spektor comentou o caso em sua coluna na Folha e indicou que este tipo de ativismo moralista deve ser visto como “um ato político da maior importância”, um “expediente de longo pedigree nos anais da história brasileira”.

Autor da principal referência para compreender o uso deste tipo de discurso por políticos ultraconservadores no Brasil desde a década 1920, historiador Benjamin Cowan alega que é possível relacionar este tipo de discurso moralista histórico com a ascensão de Bolsonaro, justificando a manutenção deste tipo de ativismo no novo governo brasileiro.

“A situação não é só comparável, mas diretamente relacionada. Os moralistas anticomunistas dos anos 1940, 1950, 1960, e 1970 tornaram-se a nova direita dos 1980, e juntaram-se com ainda mais aliados não só no Brasil mas também no exterior”, explicou Cowan em entrevista ao blog Brasilianismo.

Doutor pela UCLA e professor da University of California San Diego, Cowan estudou o radicalismo de direita, moralidade, sexualidade e imperialismo do século XX, tratando do caso do Brasil durante a Guerra Fria, com especialização na história cultural e de gênero da era pós-1964. Ele é autor do livro “Securing Sex: Morality and Repression in the Making of Cold War Brazil”, publicado pela University of North Carolina Press em 2016.

Na entrevista abaixo (concedida antes do carnaval), Cowan analisa as semelhanças e diferenças entre o ativismo conservador no Brasil, nos EUA de Donald Trump e em outras partes do mundo, avaliando a força da ascensão da nova direita internacional. “‘Direita’ tornou-se uma categoria identitária, cheia de paixões que têm pouco a ver com legislação ou política propriamente dita e mais a ver com reações a uma suposta mudança nos equilíbrios de poder (raciais, sociais, de gênero)”.

Brasilianismo – Seu livro fala sobre moralidade e repressão durante a ditadura. Acha que é uma situação comparável à da nova direita que chegou ao poder no país? Qual a relevância dessa moralidade para a direita brasileira?
Benjamin Cowan – A situação não é só comparável, mas diretamente relacionada. Os moralistas anticomunistas dos anos 1940, 1950, 1960, e 1970 tornaram-se a nova direita dos 1980, e juntaram-se com ainda mais aliados, não só no Brasil mas também no exterior. Basta pensar em figuras como Dom Geraldo Proença Sigaud [Arcebispo-emérito de Diamantina] ou em Dom Antônio de Castro Mayer [Bispo da Diocese de Campos]. Os dois começaram no grupo de ‘O Legionário’, passaram ao ativismo na TFP [Sociedade Brasileira de Defesa da Tradição, Família e Propriedade] e à liderança de grupos conservadores no contexto do Concílio Vaticano, tiveram influência na criação de um programa de moralismo dentro do regime militar, e desempenharam um papel essencial no desenvolvimento de um catolicismo conservador moralista, anticomunista, anti-progressista, pro-autoritário, tradicionalista, e anti-democrático, que formou parte da base da direita de hoje.

A vinculação entre oposição a mudanças morais/culturais percebidas como ameaças (feminismo e direitos LGBT, por exemplo, ou mesmo mudanças na estrutura familiar tradicional) e oposição aos estados de bem-estar e aos programas de redistribuição de renda não tem que ser assim — mas foi articulada por pessoas e organizações no Brasil que tiveram uma atuação muito importante no apoio à ditadura militar.

Brasilianismo – A eleição de Jair Bolsonaro no Brasil foi vista por muitos como um reflexo da ascensão de Donald Trump nos EUA, tanto que ele chegou a ser chamado de “Trump dos Trópicos”, mas seu trabalho acadêmico indica que as coisas não foram tão simples assim. Que tipo de influência a Nova Direita dos EUA realmente teve sobre o Brasil?
Benjamin Cowan – É uma ótima pergunta, mas para mim a questão seria mais sobre as influências que as direitas em ambos países tiveram entre si. Ou seja, a ultra-direita católica no Brasil, baseando-se em um passado fascista-integralista, e de reação à modernização cultural, econômica, social e religiosa do século XX, acabou tendo muito em comum não só com anti-modernistas evangélicos no Brasil, mas também com suas contrapartidas nos EUA. Portanto, criou-se um terreno comum entre ativistas norte-americanos e os do Brasil no que tocava a certos assuntos-chave: anticomunismo (de forma variavelmente relacionada com a realidade do comunismo); moralismo e tradicionalismo cultural; anti-modernismo nas doutrinas cristãs e especialmente oposição à Teologia da Libertação e outras manifestações de progressismo cristão; hostilidade frente aos estados de bem-estar, vistos como “socialistas”; e uma rejeição semelhante dos movimentos sociais, desde reivindicações para justiça social e de raça até o feminismo. Nesse contexto, fez-se muito mais fácil uma troca de idéias e de táticas entre as direitas do Hemisfério Norte e do Brasil, fazendo com que exista, hoje, uma agenda ou programa comum às direitas hemisféricas, e que a direita no Brasil possa chamar-se assim, descaradamente, num contexto nacional onde, antigamente, evitava-se auto-identificar-se como “de direita.”

Brasilianismo – Por outro lado, que importância tem o Brasil na ascensão da nova direita no mundo?
Benjamin Cowan – O Brasil, com sua história de um movimento fascista (integralismo) cujos expoentes voltaram ao poder, de certa forma, na ditadura de 1964-1985, tem um lugar privilegiado na gestação de uma Nova Direita. No Brasil, as ideias da época entre guerras, inclusive o anti-semitismo de figuras como Dom Geraldo Proença Signed e mesmo Plínio Salgado, nunca foram completamente vencidas ou desacreditadas. Na ditadura do pós-1964, essas figuras e outras (Alfredo Buzaid, Tarcísio Padilha) voltaram a ter poder e influência. Acho que isso faz parte da razão pela qual brasileiros desempenharam um papel importante em momentos como, por exemplo, a reação às reformas propostas no Concílio Vaticano II, ou na criação de organizações como a World Anti-Communist League (LAM), o Concílio Internacional de Igrejas Cristãs (CIIC), e o International Policy Forum (IPF), que buscavam unir forças conservadores atrás de fronteiras nacionais e de confissão religiosa.

Brasilianismo – Este movimento de direita do Brasil tem características próprias que o diferencia do que há em outros países?
Benjamin Cowan – Nenhum movimento—e nenhuma face ou facção de movimento, se pensarmos assim—é idêntica a qualquer outro. É claro que as direitas de hoje no Brasil têm particularidades que as fazem distintas entre si e com relação às direitas de outros países. Mas eu acho que, neste momento, as semelhanças são muito mais impressionantes e muito mais significativas. O fato de que a direita brasileira partilha tanto com as direitas do hemisfério norte de hoje (xenofobia, nacionalismo racial, racismo articulado, sexismo articulado, reação aos movimentos sociais e às poucas conquistas dos regimes anteriores em termos de valores democráticos-liberais e programas de redistribuição, para nomear alguns), nos convida a contemplar não só os fatores estruturais internacionais que facilitaram tais posições e os populismo que as propagam, mas também as organizações, instituições e indivíduos que fizeram com que os programas dessas direitas existissem e se comunicassem entre si. Dessa perspectiva, certos detalhes—o fato de a direita brasileira ser muito mais disposta a, por exemplo, usar a palavra “comunista” em vez de “socialista”, como ocorre nos EUA—não têm tanta importância para mim. É muito mais importante entender como ambos cenários direitistas vieram a poder persistir em se opor ao comunismo ou socialismo em um mundo onde esses sistemas de governo quase não existem.

Brasilianismo – Por muito tempo o Brasil parecia avesso ao rótulo de direita na política. Acha que isso realmente aconteceu e mudou nas últimas eleições, ou foi era um erro ver a situação assim?
Benjamin Cowan – Houve todo um processo de re-introdução da direita auto-identificada ou, vamos dizer, “assumida” na política brasileira. Penso no pastor Joanyr de Oliveira declarando em 1988 que: “Não há nenhum desdouro em ser conservador. A grande Margaret Thatcher não é conservadora? E não foi conservador o maior estadista que a Inglaterra produziu neste século, Winston Churchill? Não sei por que razão os conservadores têm medo de afirmar sua posição. Deixam-se intimidar pelas acusações de radicais que os chamam de retrógrados, de direitistas, de reacionários…”. Nesse instante, 30 anos antes da eleição do Bolsonaro, já vimos um movimento claro para se auto-afirmar como “direitista” ou “conservador”. E foi num contexto histórico específico de reação: fim da ditadura brasileira, começo de uma nova era democrática, empoderamento da nova direita não só no Brasil mas em todo o hemisfério, e consolidação de um programa que tomou por base um moralismo inerentemente vinculado com anticomunismo, anti-estatismo e pavor frente às mudanças propostas por “progressistas” dentro e fora das igrejas, desde modernistas na teologia até feministas e ativistas LGBT.

Brasilianismo – Que futuro vê para esses novos movimentos de direita no Brasil e no mundo?
Benjamin Cowan – Prognósticos não são, deveria dizer, a perícia que vem naturalmente ao historiador. Mas acho que há várias razões para temer um endurecimento das direitas no Brasil e no mundo. Primeiro, “direita” tornou-se uma categoria identitária, cheia de paixões que têm pouco a ver com legislação ou política propriamente dita e mais a ver com reações a uma suposta mudança nos equilíbrios de poder (raciais, sociais, de gênero) .

Em outras palavras, é muito difícil você convencer uma pessoa que pensa num passado mitificado de bem-estar e ordem geral, e que se auto-identifica como “conservador”—para reter um senso (real ou imaginado) de poder e controle—, que os movimentos sociais ou os programas de redistribuição de renda e poder não são um “zero-sum game” [jogo de soma zero] e não estão desenhados para tirar recursos de ninguém mas para ampliar os recursos de todos.

Segundo, as redes sociais e os formatos da mídia (quanto social como profissional/corporativa) facilitam que as pessoas se definam mais e mais nas suas posições identitárias, em vez de discutir posições ou programas ideológicos. Esses dois fatores, entre outros, dificultam qualquer troca de ideias, e muito menos possibilitam que as direitas decomponham-se por razão das suas contradições internas. Nesta altura, são posições identitárias, sem vinculação necessária a particularidades de legislação ou até de retórica (pense, por exemplo, na tendência de persistir em apoiar um Bolsonaro ou um Trump, retrucando que a retórica tão ofensiva deles não significa ou não tem efeitos na realidade política).

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