Brasilianistas – Brasilianismo http://brasilianismo.blogosfera.uol.com.br Daniel Buarque é jornalista e escritor com mestrado sobre a imagem internacional do país pelo Brazil Institute do King's College de Londres. Fri, 31 Jan 2020 12:20:22 +0000 pt-BR hourly 1 https://wordpress.org/?v=4.7.2 Acadêmicos dos EUA criam vaquinha para fazer defesa da democracia do Brasil http://brasilianismo.blogosfera.uol.com.br/2019/11/07/academicos-dos-eua-criam-vaquinha-para-fazer-defesa-da-democracia-do-brasil/ http://brasilianismo.blogosfera.uol.com.br/2019/11/07/academicos-dos-eua-criam-vaquinha-para-fazer-defesa-da-democracia-do-brasil/#respond Thu, 07 Nov 2019 20:44:23 +0000 http://brasilianismo.blogosfera.uol.com.br/?p=6047

Um grupo de acadêmicos e ativistas dos Estados Unidos criou uma campanha virtual de financiamento coletivo para estabelecer, em Washington DC, um escritório para coordenar movimentos de defesa da democracia no Brasil.

A ação é uma parceria do U.S. Network for Democracy in Brazil (Rede dos Estados Unidos para Democracia no Brasil) e do Center for Economic and Policy Research, da capital americana.

Ela busca arrecadar US$ 100 mil para contratar um funcionário para trabalhar com membros do Congresso dos EUA, organizar visitas de políticos e líderes de movimentos sociais entre os dois países e aprofundar os laços de solidariedade transnacional. Segundo o projeto, o orçamento total para a criação do escritório seria de US$ 150 mil.

“Queremos criar uma voz alternativa em Washington DC, fortalecer uma rede nacional e influenciar a política dos EUA direcionada ao Brasil”, diz a campanha.

Segundo o texto da proposta, o Brasil enfrenta desde 2013 inúmeros desafios a seu sistema democrático. Com a eleição de Jair Bolsonaro, explica, “estratégias continuadas indicam uma tendência a ignorar os processos democráticos, o que cria um cenário difícil para as forças progressistas e de oposição a curto e longo prazo”.

O projeto é assinado pelos pesquisadores James N. Green e Alexander Main. Green é professor de História Latino Americana na Universidade Brown e diretor executivo da Associação de Estudos Brasileiros (Brasa). Ele também coordena a Rede dos Estados Unidos para Democracia no Brasil. Main é diretor de políticas internacionais no Centro de Pesquisa Econômica e Política (CEPR).

Segundo eles, o plano é implementar um Projeto Brasil no CEPR, para apoiar o diálogo entre o Brasil e os Estados Unidos. “O diálogo se concentraria nos desafios comuns enfrentados pela sociedade civil, a saber, ameaças ao meio ambiente (global e localmente), violações de direitos humanos e desrespeito às instituições democráticas”, diz o texto.

O Escritório para a Democracia no Brasil se propõe como a primeira entidade para unir iniciativas em defesa de causas progressistas no Brasil. A criação dele tem como objetivo “conscientizar sobre as principais ameaças democráticas que o Brasil enfrenta, especialmente relacionadas ao meio ambiente e aos direitos humanos”.

Além disso, o escritório quer promover o debate entre especialistas sobre a situação do Brasil e criar um canal para compartilhar e trocar experiências.

O projeto diz que o país pode ser considerado um microcosmo da crescente polarização da política em todo o mundo.

“A eleição de Jair Bolsonaro para a Presidência do Brasil marcou um giro acentuado para a extrema-direita e assustou observadores nos Estados Unidos. Tal como visto pela mídia estrangeira, especialistas no Brasil e ONGs internacionais, os objetivos declarados do novo governo buscam derrubar muitas das medidas progressistas alcançadas no Brasil desde o retorno à democracia na década de 1980, ao mesmo tempo em que tende a criminalizar muitos dos movimentos sociais e ativistas que ampliaram a igualdade socioeconômica, os direitos democráticos e a justiça ambiental”, diz.

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Para brasilianistas, fetiche por Bolsonaro tira foco de problemas do país http://brasilianismo.blogosfera.uol.com.br/2019/10/28/para-brasilianistas-fetiche-por-bolsonaro-tira-foco-de-problemas-do-pais/ http://brasilianismo.blogosfera.uol.com.br/2019/10/28/para-brasilianistas-fetiche-por-bolsonaro-tira-foco-de-problemas-do-pais/#respond Mon, 28 Oct 2019 17:46:26 +0000 http://brasilianismo.blogosfera.uol.com.br/?p=5995

Um ano após a eleição de Jair Bolsonaro, o Brasil vive um clima ácido em meio a grande polarização política. Por mais que críticos apontem que o presidente seja responsável pela situação do país, dois brasilianistas preocupados em entender a realidade do Brasil contemporâneo defendem que há certo um exagero em torno das análises sobre o atual governo, e que este exagero pode tirar o foco de soluções para problemas mais profundos do país.

Para Anthony Pereira (diretor do Brazil Institute do King’s College de Londres) e Jeff Garmany (professor de estudos latino-americanos na universidade de Melbourne), Bolsonaro é mais um sintoma de problemas profundos da democracia brasileira, e não o único responsável pela situação do país.

“Embora a presidência de Bolsonaro seja sem dúvida sem precedentes, não há necessidade de lhe dar mais crédito do que ele merece. Seja por sua vitória eleitoral ou pelo clima político sombrio que o Brasil enfrenta agora, Bolsonaro é apenas um fator entre muitos”, argumentam os acadêmicos em um artigo publicado no site The Conversation.

“Uma série de fatores sociais e políticos produziram o cenário polarizado que o Brasil enfrenta agora e, se a atenção for desviada esmagadoramente para Bolsonaro, é provável que essas questões sejam negligenciadas”, avaliam.

Autores do livro “Understanding Contemporary Brazil” (Entendendo o Brasil contemporâneo), lançado no ano passado, Pereira e Garmany fazem questão de não minimizar problemas que percebem no governo de Bolsonaro, entretanto.

“Bolsonaro sem dúvida acendeu as chamas das tensões políticas, sociais e culturais do Brasil”, dizem. Eles citam problemas na condução do governo na questão da Amazônia, acusações de nepotismo, proximidade com suspeitos de crimes, casos de misoginia, homofobia e racismo, além da presença dele em redes sociais, o que “contribui para uma maior polarização política e social”.

Ainda assim, eles defendem que “Bolsonaro não deve ser fetichizado” por quem tenta entender o Brasil hoje. “Bolsonaro não é necessariamente a causa da polarização política do Brasil, mas sim um sintoma de problemas democráticos mais arraigados.”

O argumento já havia sido apresentado por Garmany na época do lançamento do livro, quando concedeu uma entrevista sobre a obra ao blog Brasilianismo. Segundo ele, a atenção dada a Bolsonaro na imprensa internacional vai além do interesse pelo Brasil e é fruto de desconhecimento sobre o país no resto do mundo. “A forma como Bolsonaro está gerando fetichismo na imprensa internacional vem em grande parte da forma como o mundo sabe pouco sobre o Brasil”, disse em fevereiro.

No artigo publicado agora, os brasilianistas argumentam que a polarização há muito tempo contribui para a fragmentação política no congresso do Brasil, e que o país também continua sendo socialmente conservador, propenso a casos de sexismo, racismo e indiferença à proteção dos direitos humanos.

“Esses fatores estão nas raízes estruturais e culturais da atual polarização política no Brasil e, recentemente, começaram a borbulhar na superfície”, explicam.

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Destruir Amazônia é a forma mais rápida de o Brasil ser desprezado no mundo http://brasilianismo.blogosfera.uol.com.br/2019/10/05/culpar-midia-por-imagem-negativa-e-o-que-ditadores-fazem-diz-especialista/ http://brasilianismo.blogosfera.uol.com.br/2019/10/05/culpar-midia-por-imagem-negativa-e-o-que-ditadores-fazem-diz-especialista/#respond Sat, 05 Oct 2019 07:00:02 +0000 http://brasilianismo.blogosfera.uol.com.br/?p=5931 Segundo Simon Anholt, o mundo confia mais na mídia internacional do que em Bolsonaro, e os ataques à imprensa na ONU fazem o presidente parecer culpado e desesperado. Especialista em imagem internacional de países, ele diz que Bolsonaro está ‘brincando com fogo’ e fazendo o oposto do que deveria para melhorar a reputação do Brasil. Em entrevista, Anholt diz que o tipo de nacionalismo beligerante que vê no presidente brasileiro está desatualizado em três décadas, e a opinião pública internacional punirá severamente o Brasil por isso.


O ataque de Jair Bolsonaro contra a imprensa internacional durante seu discurso na Assembleia Geral da ONU deve gerar um efeito contrário ao esperado pelo presidente brasileiro. Em vez de melhorar sua imagem e a do Brasil, pode gerar uma reação adversa.

Segundo Simon Anholt, consultor britânico especialista em imagem internacional de países, a tentativa de culpar a mídia estrangeira pela imagem negativa gerada pelos incêndios na Amazônia pode piorar ainda mais a reputação do Brasil.

“As pessoas confiam muito mais na mídia internacional do que em políticos estrangeiros, então esse tipo de afirmação o faz parecer culpado e desesperado. Todo mundo sabe que culpar a mídia é o que os ditadores fazem”, avaliou Anholt em entrevista ao blog Brasilianismo.

Anholt é um dos mais experientes especialistas em percepção internacional sobre diferentes países, e frequentemente analisa a reputação do mundo sobre o Brasil. Ele foi responsável pela criação do termo “nation branding”, usado para designar estudos que avaliam a imagem internacional de diferentes países como se fossem marcas (depois mudado para se chamar “competitive identity”). Anholt também desenvolveu um dos principais levantamentos globais para medir essas imagens de nações (o Nation Brands Index) e prestou consultoria a vários governos sobre formas de melhorar a imagem dos seus países.

Atualmente, o principal projeto dele é Good Country Index, índice em que promove a ideia de que os países precisam ter uma postura positiva para todo o planeta. Segundo ele, as queimadas da Amazônia também devem afetar a posição do Brasil nesse ranking.

Na entrevista abaixo, Anholt diz que a propagação de imagens dos incêndios que estão destruindo a Amazônia é a maneira mais rápida e segura de o Brasil se tornar um país desprezado internacionalmente.

“Os países que as pessoas mais admiram são os que conseguem cuidar de seu próprio povo e seu próprio território, respeitando as pessoas e o território fora de suas próprias fronteiras. Bolsonaro está, literalmente, brincando com fogo fazendo exatamente o oposto. Esse tipo de nacionalismo beligerante está desatualizado em cerca de 30 anos, e a opinião pública internacional –o que chamei de “a última superpotência restante”– punirá severamente o Brasil por isso”, disse.

Brasilianismo – Em seu discurso na Assembléia Geral da ONU, Bolsonaro rejeitou toda a cobertura negativa sobre o Brasil e a Amazônia e culpou a mídia internacional pela crise da imagem. Uma posição como essa tem alguma chance de convencer a opinião de pessoas de outros países?
Simon Anholt – Não, discursos na ONU e culpar a mídia internacional estão piorando as coisas. Como um todo, as pessoas confiam muito mais na mídia internacional do que em políticos estrangeiros, então esse tipo de afirmação o faz parecer culpado e desesperado. Todo mundo sabe que culpar a mídia é o que os ditadores fazem.

A única maneira de Bolsonaro reparar a imagem do Brasil é aceitar que existe um problema e resolvê-lo rapidamente. Como todos os líderes de hoje, ele precisa trabalhar para harmonizar suas responsabilidades domésticas e internacionais, em vez de desafiá-las.

Na verdade, se ele realmente quisesse melhorar sua imagem e a de seu país agora, ele poderia fazer algo que nenhum presidente jamais fez: ele poderia admitir que estava errado, pedir desculpas às crianças do mundo e prometer mudar. O impacto disso seria verdadeiramente dramático.

Toda a minha pesquisa nos últimos 15 anos mostra que os países que as pessoas mais admiram são os que conseguem cuidar de seu próprio povo e seu próprio território, respeitando as pessoas e o território fora de suas próprias fronteiras. Bolsonaro está, literalmente, brincando com fogo fazendo exatamente o oposto. Esse tipo de nacionalismo beligerante está desatualizado em cerca de 30 anos, e a opinião pública internacional –o que chamei de “a última superpotência restante”– punirá severamente o Brasil por isso.

Brasilianismo – A cobertura negativa que a imprensa internacional tem feito sobre Bolsonaro pode realmente mudar a imagem do Brasil no mundo?
Simon Anholt – Sim, pode. Provavelmente não de forma permanente, mas atrapalha muito no momento, uma vez que minha principal pesquisa de opinião global, o Anholt-Ipsos Nation Brands Index, mostra que a imagem internacional do Brasil já foi enfraquecida bastante pela Copa do Mundo e pelas Olimpíadas.

A boa vontade que restou foi um sentimento caloroso em relação ao Brasil como guardião amigável da Amazônia (que, apesar do que Bolsonaro diz, é vista como pertencendo à humanidade, não ao governo brasileiro), e se você tirar isso, ameaça causar danos sérios e de longo prazo à reputação do país. E a reputação, como mostram décadas de pesquisa, tem um grande impacto no turismo, investimento estrangeiro, exportações, relações culturais e diplomáticas.

Brasilianismo – Os incêndios na Amazônia trouxeram uma visibilidade muito negativa para o Brasil em todo o mundo. Um diplomata brasileiro argumentou que eles representam um retrocesso de 50 anos para a imagem do Brasil. O que você acha disso? 
Simon Anholt – Infelizmente, suspeito que isso esteja correto, embora 50 anos possam ser um exagero. Mas esses incêndios são “feitos para o vídeo” e têm um impacto verdadeiramente dramático na TV e nas mídias sociais. Depois de ver as florestas tropicais pegando fogo, você não esquece. Essa é a maneira mais rápida e segura de o Brasil ser desprezado internacionalmente.

Brasilianismo – Em entrevista, você disse que é raro um presidente prejudicar a imagem de um país no longo prazo. Com o que está acontecendo com Bolsonaro, os incêndios na Amazônia e uma cobertura muito negativa na mídia global, podem afetar a imagem de todo o país ou ele será o foco dessa imagem negativa? 
Simon Anholt – No geral, as imagens dos países são muito estáveis ​​e raramente mudam de ano para ano, mas quando o país é personificado por um líder com alto perfil internacional –positivo ou negativo–, esse é um dos poucos casos em que a imagem do país pode mudar rapidamente. Nelson Mandela e África do Sul, e Donald Trump nos EUA, são bons exemplos disso.

Brasilianismo – Uma crise como essa muda a maneira como o país aparece destaque no índice The Good Country? O Brasil é “menos bom” para o mundo por causa de incêndios como esses?
Simon Anholt – Sim, terá um impacto nas pontuações do Brasil no devido tempo, uma vez que o desmatamento e as emissões de CO2 estão entre os 35 indicadores que produzem a classificação geral de cada país no Índice de Bom País.

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O Brasil é capaz de cuidar da Amazônia, mas soberania traz responsabilidade http://brasilianismo.blogosfera.uol.com.br/2019/09/11/o-brasil-e-capaz-de-cuidar-da-amazonia-mas-soberania-traz-responsabilidade/ http://brasilianismo.blogosfera.uol.com.br/2019/09/11/o-brasil-e-capaz-de-cuidar-da-amazonia-mas-soberania-traz-responsabilidade/#respond Wed, 11 Sep 2019 07:00:34 +0000 http://brasilianismo.blogosfera.uol.com.br/?p=5864

Detalhe de capa da revista semanal do jornal britânico The Guardian sobre fogo na floresta

A polêmica internacional sobre os incêndios registrados neste ano na Amazônia e a associação entre o fogo e a péssima imagem do presidente Jair Bolsonaro no exterior transformaram o debate ambiental numa disputa em torno da soberania brasileira. Bolsonaro reafirmou em discurso no 7 de Setembro que “A Amazônia é nossa”; enquanto cada vez mais vozes no resto do mundo discutem abertamente formas de pressionar o Brasil a proteger as florestas –de doações e sanções a ‘invasão’.

De acordo com a cientista política americana Kathryn Hochstetler, professora de desenvolvimento internacional da London School of Economics (No Reino Unido), a soberania brasileira sobre a Amazônia é um fato inquestionável. A questão mais importante, segundo ela, é outra: “Essa discussão deveria ocorrer menos em função da soberania e mais em função da responsabilidade”, explicou.

“Claro que o Brasil tem a soberania sobre o território, mas com soberania vem responsabilidade. Se você vai insistir em soberania brasileira sobre a Amazônia e para os outros ecossistemas brasileiros, então o Brasil tem a responsabilidade de lidar bem com isso. E muitas vezes o Brasil tem assumido essa responsabilidade e feito coisas boas para o ambiente. É uma responsabilidade que vem com a soberania”, disse.

A entrevista foi concedida no fim de julho durante a gravação da série documental “Brasil,Terra
Estrangeira”, que vai tratar da importância de pesquisas sobre o Brasil realizadas em universidades estrangeiras e do trabalho de brasilianistas –como a própria Hochstetler. A produção é uma parceria do blog Brasilianismo com a produtora brasileira Pomona Audiovisual.

Autora do livro “Greening Brazil: Environmental Activism in State and Society”, sobre o ativismo ambiental no país, Hochstetler estuda a Amazônia e outras questões ambientais no Brasil desde os anos 1980. Segundo ela, a pressão atual do resto do mundo sobre o Brasil tem relação com a figura de Bolsonaro, mas também pode ser entendida por um novo momento da preocupação global com questões ambientais.

Segundo ela, além de ter a soberania, o país tem condições de proteger a floresta. “O Brasil hoje tem capacidade de lidar com a Amazônia. A questão é saber o que o Brasil quer fazer.”

Leia abaixo a entrevista completa.

Brasilianismo – Você estuda a Amazônia desde 1989. Acha que o que está acontecendo na floresta atualmente é diferente do que houve no passado?
Kathryn Hochstetler – Não é a primeira vez que tem muita coisa acontecendo no mundo ambiental brasileiro. Isso sempre tem muita atenção e interesse internacional. Quando fui para o Brasil pela primeira vez, em 1989, também havia muitos incêndios na Amazônia e as entidades internacionais estavam preocupadas com a floresta. Também naquela época havia uma resposta do Brasil de que era uma questão interna do país. Então o momento atual não é tão novo. Para mim, o interesse pelo meio ambiente brasileiro não é tão ligado a esses momentos em que o mundo todo está de olho. É algo que é interessante todo dia, todo ano. Tem sempre coisas acontecendo. E tem coisas mais importantes do que esses momentos que todo mundo presta atenção.

Sempre estou atenta a processos de avaliação de impacto ambiental, o processo de avaliar o impacto das atividades econômicas, as mobilizações da sociedade civil, as decisões rotineiras, diárias. Essas coisas sempre merecem atenção. São elas que fazem o pano de fundo para esses momentos em que todo mundo presta atenção.

Algumas coisas têm mudado nesses 30 anos em que tenho olhado a Amazônia brasileira. A possibilidade de ter dados é uma delas. Antes a gente não sabia a taxa anual de desmatamento, o que começou em 1988. Agora tem um monte de informações, de dados, os cientistas brasileiros mais do que tudo têm acompanhado todo esse processo.

Outra coisa que mudou muito é que havia uma política nova, montada especialmente desde os anos 2000, que conseguiu diminuir a taxa anual de desmatamento. O Brasil hoje tem capacidade de lidar com a Amazônia. A questão é saber o que o Brasil quer fazer. E isso tem mudado muito. Em alguns anos há um interesse maior em desenvolvimento, em outros o interesse é em sustentabilidade, outras pessoas acham que não há tanta diferença, e que desenvolvimento sem sustentabilidade não é desenvolvimento. Mas há toda uma variedade de perspectivas brasileiras sobre o ambiente.

Brasilianismo – E por que este momento está chamando tanta atenção, a ponto de ser tratado como crise internacional no G7?
Kathryn Hochstetler – O tema da mudança climática está chegando o topo da agenda internacional. Hoje fala-se mais sobre isso do que há cinco ou dez anos. Como o Brasil é tão central na política global sobre ambiente, faz sentido haver tanta atenção. Há outros problemas que têm incêndios até maiores do que o Brasil, mas o Brasil está no foco por conta desse ecossistema carismático que chama muita atenção. Mas a amazônia é um lugar muito complexo e muito importante, que muita gente não entende. Mas chegamos a este momento internacional de maior atenção à problemática ambiental. Tem mais fogo, mas também tem mais atenção.

Brasilianismo – A imprensa internacional tem responsabilizado o presidente Jair Bolsonaro pelo aumento das queimadas. Acha que isso faz sentido?
Kathryn Hochstetler – Com certeza a figura de Bolsonaro faz parte disso. Ele é um presidente que tem chamado muita atenção no mundo, é visto como parte de uma onda de presidentes que estão um pouco fora do normal, que a gente não sabe exatamente o que vão fazer, que rompem com a política normal. As pessoas já estão atentas a Bolsonaro. Ele já tem fama de falar muito sobre o desenvolvimento na Amazônia, ele já cria medo de que ele não vai proteger os indígenas. As pessoas já estão olhando para ele. Então tem muito a ver com isso também. É uma figura que o mundo está acompanhando. É um momento da política brasileira que todo mundo tem interesse.

Brasilianismo – Acha que há motivo para uma preocupação maior do mundo atualmente?
Kathryn Hochstetler – Existe um maior conhecimento sobre a Amazônia e existe uma preocupação de que estejamos perto de um ponto irreversível de destruição da floresta. Estamos chegando a um ponto de inflexão, e depois dele a Amazônia pode realmente secar. Esse aumento do conhecimento científico sobre a Amazônia estar à beira de mudança muito grande aumenta a preocupação.

Brasilianismo – Seu trabalho lida muito com o contraste entre desenvolvimento e sustentabilidade. Qual a melhor forma de equilibrar os dois?
Kathryn Hochstetler – Com certeza existe desenvolvimento que gera níveis de desmatamento e problemas ambientais maiores do que devem ser. É possível fazer coisas como agricultura e mineração na Amazônia de forma a minimizar os problemas. Minha preocupação é que o governo fala como se quisesse maximizar os impactos ambientais, em vez de minimizar eles. O jeito que ele fala de que o ambiente não importa, isso pode criar consequências negativas máximas. Isso é necessário evitar.

Brasilianismo – Qual a importância da Amazônia na projeção internacional do Brasil?
Kathryn Hochstetler – Tenho a impressão de que, por muito tempo, o Brasil não quis ser uma potência ambiental, mas não é possível o Brasil evitar isso. O país tem os recursos, as florestas, os ecossistemas tão importantes, que tem que ser uma potência internacional na área do meio ambiente.

Em 1989, quando comecei a estudar o Brasil, o Brasil resistia a ser uma potência nessa área, mas ao longo dos últimos 30 anos o país muitas vezes liderou o mundo nisso. O país percebeu que este é um assunto importante para o mundo e que eles podem ser uma potência, que é um lugar em que o país fala e o mundo ouve. Em contraste com outros assuntos como segurança e comércio, em que o país não tem uma relevância tão grande, com o meio ambiente o país pode enfim se mostrar uma potência. E os anos em que houve redução do desmatamento, isso era motivo de orgulho, o Brasil podia mostrar isso ao Brasil. O mundo sempre quis um poder grande do Brasil neste assunto, mas o próprio país muitas vezes atuou esse papel com muito orgulho e força, mas em outros momentos, como agora, resistiu a assumir esse papel.

Brasilianismo – Historicamente, acha que o mundo vê com bons olhos a perspectiva ambiental do Brasil?
Kathryn Hochstetler – O mundo sempre acha que o ambiente brasileiro é muito importante, mas nem sempre acha que o Brasil lida muito bem com essa riqueza. Muitas vezes, como agora, o mundo questiona e critica o que o país está fazendo, recomendando mudanças. Quando o Brasil faz coisas boas, também recebe muita estima do resto do mundo. Depende muito do momento.

Brasilianismo – Pela primeira vez em muito tempo está havendo um debate internacional sobre soberania, enquanto o Brasil reafirma a posse do território da floresta. Como fica, neste sentido a ideia de soberania e de ingerência e pressão internacional na floresta? Faz sentido debater de quem é a Amazônia?
Kathryn Hochstetler – No mundo ambiental, há muitas pessoas que acham que o meio ambiente é tão fundamental para o ser humano e a sobrevivência da vida no planeta, que a soberania nacional não deveria ser considerada. Mas, se você acompanha as negociações internacionais, vai ver que quase todos os países do mundo insistem que a soberania nacional tem que ser parte da política internacional do meio ambiente. O Brasil insiste nisso, e a soberania brasileira é um fato. A Amazônia está em terras brasileiras. As negociações internacionais têm dito que a soberania faz parte da política internacional, e que o país tem essa capacidade. Mas na minha opinião, essa discussão deveria ocorrer menos em função da soberania e mais em função da responsabilidade. Claro que o Brasil tem a soberania sobre o território, mas com soberania vem responsabilidade. Se você vai insistir em soberania brasileira sobre a Amazônia e para os outros ecossistemas brasileiros, então o Brasil tem a responsabilidade de lidar bem com isso. E muitas vezes o Brasil tem assumido essa responsabilidade e feito coisas boas para o ambiente. É uma responsabilidade que vem com a soberania.

Brasilianismo – E como o mundo pode pressionar o Brasil a assumir essa responsabilidade?
Kathryn Hochstetler – Os mecanismos mais eficientes são os mecanismos econômicos. E é importante entender que existe pressão dos consumidores europeus por proteção da florestas, mas também há pressões gerais dos mercados internacionais que levam à destruição dos ecossistemas para produzir mais coisas para exportar. As influências internacionais não são só para proteger o ambiente. As influências políticas são só uma parte dessa questão. Não diria que o mundo apenas favorece o ambiente.

Brasilianismo – Estamos falando sobre Amazônia, mas há menos de seis meses, conversamos sobre o desastre ambiental de Brumadinho. Quanto a Amazônia representa da questão ambiental no Brasil e que outros assuntos são também relevantes nessa área?
Kathryn Hochstetler – Desastres ambientais são muito importantes, mas me interesso muito por desastres evitados. Não temos desastres todos os dias. O Brasil tem um sistema normalizado de monitorar, acompanhar, planejar e controlar o ambiente. Isso é muito importante. E nem todos os países têm isso. As pessoas costumam falar de burocracia como uma coisa má, mas a burocracia é uma coisa boa, pois permite o acompanhamento frequente do ambiente. Além disso, estou terminando um livro sobre a questão energética no país, que é um assunto muito relevante também. E precisamos pensar também sobre política ambiental urbano, pois a maioria da população do país vive em cidades, e o ambiente não está só nas florestas.

Brasilianismo – Acha que a crise atual ameaça o papel que o Brasil pode desempenhar em política ambiental no mundo? Qual vai ser o lugar do Brasil nessa questão ambiental no futuro?
Kathryn Hochstetler – O Brasil está em um ponto muito alto nessa questão, ao ter conseguido burocratizar e monitorar o ambiente, mas a perda nessa área vem desde antes de Bolsonaro. Desde 2014, 2015 já começaram os cortes no orçamento, cortes no número de pessoas trabalhando na área. A verba disponível para ciências, por exemplo, caiu muito nos últimos anos. Atualmente o Brasil ainda tem muita capacidade na área, perdendo cientistas. Temo que o Brasil pode vir a ter problemas com isso e perca muito dessa capacidade que construiu. Não é tarde demais agora, mas mais cinco anos assim podem ser suficientes para destruir muito do que o Brasil construiu nessa área. Então estou olhando com preocupação para isso.

Brasilianismo – Mais cedo falamos sobre a relação entre desenvolvimento e sustentabilidade, mas sua última resposta parece indicar que há um outro lado dessa questão, e que o desenvolvimento econômico pode ajudar a investir em sustentabilidade, e que crises econômicas levam a uma destruição maior do ambiente…
Kathryn Hochstetler – Esse é o argumento histórico dos economistas. Mas acho que é um círculo. Ter só prosperidade econômica sem cuidar do ambiente não é sustentável, mas é verdade que mais prosperidade libera recursos para proteger o ambiente também. É um círculo. Queremos um círculo virtuoso, mas pode ser um círculo muito negativo também.

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Brasil precisa de agenda de reformas de longo prazo, avalia brasilianista http://brasilianismo.blogosfera.uol.com.br/2019/08/14/brasil-precisa-de-agenda-de-reformas-de-longo-prazo-avalia-brasilianista/ http://brasilianismo.blogosfera.uol.com.br/2019/08/14/brasil-precisa-de-agenda-de-reformas-de-longo-prazo-avalia-brasilianista/#respond Wed, 14 Aug 2019 18:55:13 +0000 http://brasilianismo.blogosfera.uol.com.br/?p=5723 O Brasil vive um momento crítico da sua vida política e econômica, e precisa de uma agenda de reformas que pense no longo prazo, avalia o brasilianista Albert Fishlow em um artigo publicado pela revista Americas Quarterly.

Professor emérito da University of California, Berkeley, e de Columbia (em Nova York), Fishlow é um dos mais antigos e respeitados acadêmicos americanos a se debruçarem sobre a realidade brasileira. Ele é autor de vários livros sobre a política e economia do país, e escreveu também o livro “Agriculture and Industry in Brazil” (Agricultura e Indústria no Brasil), que vai ser lançado no ano que vem nos EUA.

Segundo ele, apesar de o avanço da reforma da Previdência “oferecer algum alívio”, e de haver uma movimentação a favor de uma reforma tributária, isso é só o começo do que precisa ser pensado para o futuro do país, explica.

“Para o crescimento voltar, e o desemprego cair, vai ser preciso uma política coerente e inteligente não por meses, mas por anos”, diz.

Fishlow avalia a política econômica dos primeiros meses do governo de Jair Bolsonaro, e explica que o presidente enfrenta dificuldades e perda de popularidade, o que tem efeitos sobre a economia.

“Todos os anos, ao que parece, as previsões de janeiro para uma rápida recuperação logo dão lugar à realidade de uma expansão muito menor, se houver. Este ano não é exceção”, diz.

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Para pesquisador, mensagens vazadas podem afetar a luta contra a corrupção http://brasilianismo.blogosfera.uol.com.br/2019/06/11/para-pesquisador-mensagens-vazadas-podem-afetar-a-luta-contra-a-corrupcao/ http://brasilianismo.blogosfera.uol.com.br/2019/06/11/para-pesquisador-mensagens-vazadas-podem-afetar-a-luta-contra-a-corrupcao/#respond Tue, 11 Jun 2019 13:48:32 +0000 http://brasilianismo.blogosfera.uol.com.br/?p=5579

Reportagem do New York Times diz que revelação de mensagens gera questionamento sobre equidade da Lava Jato

A revelação de conversas entre o ex-juiz Sergio Moro, atual ministro da Justiça, e o procurador Deltan Dallagnol pelo site Intercept jogou um balde de água fria em quem acreditava que a entrada de Moro no governo de Jair Bolsonaro poderia ajudar a Lava Jato e o combate à corrupção no Brasil. Segundo o pesquisador americano Matthew M. Taylor, um dos observadores que disse acreditar nisso em novembro do ano passado, a divulgação das mensagens “mostra um certo casuísmo, a possibilidade de as decisões terem sido tomadas de maneira estratégica para chegar ao fim que procuradores e juiz pareciam desejar”.

Em entrevista ao blog Brasilianismo, Taylor disse que a revelação dá força à defesa do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva e ao argumento de politização da Justiça no país.

Professor da American University, em Washington, DC e autor de vários estudos internacionais sobre democracia e corrupção no Brasil, ele avalia que o caso terá forte impacto e pode afetar o combate à corrupção como um todo no país. Segundo ele, qualquer juiz futuro que esteja decidindo algum processo envolvendo a Lava Jato vai ter que se mostrar excessivamente aberto aos argumentos da defesa.

“A grande tragédia é que as decisões não seriam necessariamente diferentes das tomadas. As discussões me parecem ter sido mais para facilitar e tornar mais eficientes decisões que já estavam mais ou menos em curso. Mas a imagem que passa é bastante negativa”, disse.

Taylor é autor de livros como ”Corruption and Democracy in Brazil: The Struggle for Accountability” (Corrupção e democracia no Brasil: a luta por fiscalização), e ”Judging Policy: Courts and Policy Reform in Democratic Brazil” (Julgando política: Tribunais e reforma política no Brasil democrático). Para ele, a Lava Jato deve ser reconhecida como “uma exceção muito importante à regra da impunidade no Brasil”. Por isso, diz, a perda de prestígio da Lava Jato “desmerece todo um esforço de meia década que é o único esforço que deu grande resultado” na luta contra a corrupção no país. “Isso me deixa bastante desanimado e preocupado sobre avanços futuros nesse campo.”

Leia abaixo a entrevista completa

Brasilianismo – Qual sua impressão sobre as revelações do Intercept sobre a Lava Jato?
Matthew Taylor – É um problema mais político do que legal. Esta divulgação contribui para os argumentos do PT e da defesa de Lula no sentido de reforçar a narrativa do ‘lawfare’, da politização da Justiça. E certamente, mesmo no campo legal, isso mostra uma certa parcialidade para um dos lados da tríade jurídica. Falamos sempre que o juiz é um árbitro imparcial entre dois atores. No caso atual, as duas pernas do juiz para a tríade parecem ser de tamanhos diferentes. Isso vai contribuir para aquilo que inglês a gente chama de ‘playing the ref’, influenciar o árbitro em julgamentos futuros. Qualquer juiz futuro que esteja decidindo algum processo envolvendo o Lula em particular, mas a Lava Jato de maneira geral, vai ter que se mostrar excessivamente aberto aos argumentos da defesa. Então as revelações têm impacto político e legal.

Brasilianismo – Quando Moro aceitou ser ministro do governo Bolsonaro, no ano passado, você se dizia otimista com a indicação. O que acha da atuação dele nesses primeiros meses de governo, e especialmente depois dessas revelações?
Matthew Taylor – Certamente foi um balde de água fria, com tudo o que tem acontecido nos últimos meses. O caso atual mostra um certo casuísmo, a possibilidade de as decisões terem sido tomadas de maneira estratégica para chegar ao fim que procuradores e juiz pareciam desejar. A grande tragédia é que as decisões não seriam necessariamente diferentes das tomadas. As discussões me parecem ter sido mais para facilitar e tornar mais eficientes decisões que já estavam mais ou menos em curso. Mas a imagem que passa é bastante negativa.

Dentro de um contexto maior, acho que esse caso contribui para um desgaste contínuo de Moro, que desde que entrou no Ministério tem passado por uma fase difícil, tanto pela oposição que enfrenta no legislativo quanto pela oposição que parece enfrentar dentro do próprio governo, um certo isolamento e a pouca priorização dada às reformas propostas no Ministério da Justiça. E portanto é difícil manter qualquer tipo de otimismo sobre o progresso nesse campo. Certamente isso tem um fundamento político, já que muitos congressistas não desejam reformas, mas também porque o Moro representa uma ameaça em potencial como ator político, seja como um reformista ou como um potencial candidato no futuro. Ele está sendo de certa forma enfraquecido de forma deliberada por diversos atores. Isso me leva a um certo pessimismo sobre a capacidade de Moro levar adiante reformas e também sobre o sucesso de qualquer reforma –seja dele ou do Ministério Público, ou mesmo de Bolsonaro– contra a corrupção.

Brasilianismo – A reação em defesa contra os vazamentos foi de tratar as revelações como um ataque à Lava Jato. Que impactos os vazamentos de conversa pelo Intercept pode de fato afetar a Lava Jato e a mobilização contra a corrupção?
Matthew Taylor – Uma das questões importantes é o fato de a Lava Jato ainda ser uma exceção no funcionamento dos tribunais, do Ministério Público e da Justiça Federal no Brasil. Foi uma grande exceção por conseguir alguma responsabilização dos principais atores, pelo menos do lado empresarial. A Lava Jato foi uma exceção muito importante à regra da impunidade no Brasil. O problema é que por ser exceção, qualquer coisa que enfraqueça a Lava Jato enfraquece a luta contra a corrupção. Não que não existam outros pólos potenciais importantes, mas eles não têm se mostrado tão fortes. A Lava Jato foi pioneira e deu um resultado que nunca tinha sido alcançado por outras operações no passado. Defenestrar a lava Jato implica uma regressão para os esforços anticorrupção no Brasil. Tirar seu prestígio e levantar dúvidas sobre sua idoneidade é duplamente pernicioso, porque desmerece todo um esforço de meia década que é o único esforço que deu grande resultado. Isso me deixa bastante desanimado e preocupado sobre avanços futuros nesse campo.

Brasilianismo – As revelações se encaixaram na polarização política no país, em que um lado defende a Lava Jato como correta a qualquer custo, apesar do que foi revelado, e outro lado acha que isso mostra que tudo está errado com a operação. É possível encontrar um meio termo para reconhecer os problemas revelados agora, mas manter uma postura contra a corrupção?
Matthew Taylor – Em qualquer país, a melhor solução é um progresso em todas as frentes. Isso significa tentar melhorar instituições que trabalham com transparência, com monitoramento e com punição e sanção. Isso implica fortalecer instituições como a Receita Federal, a Polícia Federal, o TCU, o Ministério Público e o próprio Judiciário. O caminho inclui pensar nos motivos da proteção que tem sido dada recorrentemente às elites políticas a nível federal. Isso passa pelo STF, que precisa ter examinada a sua responsabilidade na garantia a impunidade dessas elites. É uma questão muito difícil, pois é claro que políticos merecem uma certa proteção, pois estão no meio de um jogo perigoso, onde sua reputação é muito importante,. Mas o fato é que a Lava Jato usou os procedimentos que usou em parte por saber que o STF seria muito garantista, muito defensor dos direitos dos políticos, então portanto era necessária uma abordagem extremamente estratégica, e talvez isso tenha contribuído para o que foi revelado agora. Olhando para a experiência de operações do passado, como o Banestado, Castelo de Areia e assim por diante, não era irracional os procuradores da Lava Jato tomarem uma atitude extremamente cautelosa e estratégica, olhando muito para o impacto político de decisões legais, de maneira a pressionar o STF a tomar decisões que de outra maneira talvez ele não se sentisse confortável tomando.

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Previdência testa se governo Bolsonaro será levado a sério, diz economista http://brasilianismo.blogosfera.uol.com.br/2019/05/23/previdencia-testa-se-governo-bolsonaro-sera-levado-a-serio-diz-economista/ http://brasilianismo.blogosfera.uol.com.br/2019/05/23/previdencia-testa-se-governo-bolsonaro-sera-levado-a-serio-diz-economista/#respond Thu, 23 May 2019 07:00:46 +0000 http://brasilianismo.blogosfera.uol.com.br/?p=5529 Para Edmund Amann, professor da universidade de Leiden, aprovação da reforma da Previdência é importante não apenas pela economia que gera, mas por conta do seu papel simbólico. Em entrevista ao Brasilianismo, Amann disse que a reforma está sendo vista como um primeiro desafio do governo. Para ele, a aprovação ou não da reforma vai apontar a viabilidade de Jair Bolsonaro alcançar melhoras para a economia do país e indicar ao mundo se o governo pode ser levado a sério.

Bolsonaro entrega a nova proposta de reforma da Previdência ao Congresso

As disputas entre o presidente Jair Bolsonaro e políticos no Congresso brasileiro têm gerado turbulências na economia no país. A cada nova polêmica, o Mercado internacional sinaliza preocupação com o encaminhamento de reformas que são vistas como necessárias para as finanças do país. A discussão em torno da Previdência, por exemplo, tem sido tratada desde o começo do ano como o primeiro grande desafio do novo governo.

Segundo o economista Edmund Amann, brasilianista e professor da universidade de Leiden, na Holanda, a discussão sobre a Previdência é fundamental para o país, e está sendo interpretada no resto do mundo como um teste para saber se o governo Bolsonaro tem viabilidade e se pode ser levado a sério.

“Fora do Brasil há um grau de incerteza em torno do governo de Bolsonaro em termos de tentar saber se ele vai ser capaz de resolver os problemas do país. Se ele conseguir algum progresso nesta reforma, vai parecer que ele foi bem-sucedido inicialmente, e vai ser levado a sério. As pessoas querem saber se o governo é capaz de atingir resultados positivos, se tem uma relação produtiva com o Congresso, se vai conseguir empurrar o país na direção certa”, explicou Amann em entrevista ao blog Brasilianismo. “O governo vai ser mais respeitado e levado a sério, caso consiga aprovar a reforma.”

Especialista em economia brasileira, Amann vem desde o ano passado apontando a possibilidade de uma recuperação do país depois da recessão. Segundo ele, entretanto, o país precisa de muitas reformas em sua economia. E a da Previdência é importante especialmente por conta do seu papel simbólico.

“Sozinha, a reforma da Previdência não vai resolver os problemas da economia. Sozinha, ela não vai resolver nem mesmo a questão da Previdência de forma completa. Ela precisa ser vista como um símbolo. (…) Se esta reforma for aprovada da forma como está sendo discutida atualmente, o impacto econômico apenas dela vai ser marginal, mas isso tem importância sobre o que ela indica sobre o futuro”, explicou.

Leia abaixo a entrevista completa

Brasilianismo – O que acha da proposta de Reforma da Previdência que está sendo discutida atualmente?
Edmund Amann – A reforma parece dar sinais de avanço ao ser discutida pela Câmara, o que é bom. Mas claro que a reforma proposta é menos ambiciosa do que havia sido sugerido, então seu impacto econômico vai acabar sendo reduzido. Dito isso, ainda é significativo e a economia de cerca de 1 trilhão de reais é importante. Mas mais importante do que é isso é a ideia de que, se esta reforma for aprovada, isso mostra que o novo governo tem a capacidade de avançar com reformas que geram polêmica política, mas que são necessárias. Isso pode indicar que outras reformas podem acontecer mais à frente. É por isso que as pessoas estão tão interessadas nessa reforma da Previdência. Em uma análise final, se esta reforma for aprovada da forma como está sendo discutida atualmente, o impacto econômico apenas dela vai ser marginal, mas isso tem importância sobre o que ela indica sobre o futuro.

Brasilianismo – A importância está ligada então à percepção ligada ao avanço da reforma?
Edmund Amann – Sim. Ela vai trazer mais otimismo em relação ao Brasil. O fato de algum progresso ter sido registrado recentemente, com a aprovação da reforma na Comissão gerou boas reações. Um ponto importante é que o investimento estrangeiro direto no Brasil tem sido muito saudável. Isso indica algum otimismo de que esta reforma vai ser aprovada de alguma forma. Claro que há muita cautela também, já que já vimos propostas anteriores serem frustradas. Então há cautela e a sensação de que esta reforma vai ser aprovada até o fim do ano.

Brasilianismo – Isso não pode gerar o risco de expectativas altas demais? Pode-se dizer que a reforma vai permitir que a economia se recupere?
Edmund Amann – Sozinha, a reforma da Previdência não vai resolver os problemas da economia. Sozinha, ela não vai resolver nem mesmo a questão da Previdência de forma completa. Ela precisa ser vista como um símbolo. É algo que, se for aprovado vai contribuir para uma solução dos problemas de Previdência do Brasil, mas não é uma solução total.

A questão é que a aprovação dela vai indicar que o governo consegue reunir apoio para aprovar reformas. Este é o sinal mais importante que o Mercado está esperando. É menos a aprovação dessa reforma em si, e mais o que ela significa em termos do futuro. Pois, se o governo conseguir aprovar a reforma da Previdência, pode ser possível aprovar outras reformas, como a tributária, ou a reforma das relações entre negócios e o Estado, reduzindo burocracias, questões que ajudariam muito a atrair investimentos e a recuperar a confiança na economia, permitindo que o Brasil cresça mais rapidamente. É por isso que todos os olhos estão voltados a esta reforma. É um teste crucial para o que este governo é capaz de fazer.

Fora do Brasil há muita incerteza sobre a capacidade do governo de Bolsonaro de tomar medidas difíceis e alcançar reformas complicadas. Ele tem uma abordagem pouco convencional de administração da relação com o Congresso, e as pessoas estão esperando para ver o que ele vai conseguir. É por isso que fora do Brasil vê-se esta reforma da previdência como tão representativa. Parece ser um teste sobre o quanto o governo pode ser eficiente.

Brasilianismo – E se a reforma não passar, o que vai acontecer com o país?
Edmund Amann – É um exagero dizer que o Brasil vai quebrar se a reforma não for aprovada. Se a reforma não passar, o governo vai ter que rever a medida e fazer mudanças necessárias. Isso porque esta questão da Previdência vai precisar ser discutida e mudar de alguma forma. As aposentadorias estão se tornando um peso cada vez maior no PIB do Brasil e pressionando os gastos públicos, então uma reforma é necessária. Não importa qual seja o governo do país, este problema vai ter que ser resolvido. A questão é saber apenas qual formato ela vai ter. Se o plano atual do governo fracassar, o governo vai ter que repensar a reforma que vai ser levada adiante de forma que isso tenha apoio. A reforma precisa ser feita. Caso o projeto atual não seja aprovado vai haver uma reação imediata do Mercado, mas novas propostas vão ser discutidas.

Outro ponto importante é que a reforma da Previdência não é a única questão importante para a economia brasileira. Há outros pontos relevantes sendo tratados pelo governo, como a discussão sobre privatizações, questões da política macroeconômica. São medidas que de forma geral os investidores apoiam. Isso pode se ver no investimento internacional sendo direcionado ao país. Há um apoio frequente do Mercado a medidas de responsabilidade macroeconômica.

Não acho que o fracasso desta reforma atual vá quebrar a economia, mas vai deixar a vida mais difícil.

Brasilianismo – O que o senhor acha que atrai tanto interesse internacional nesta questão da Previdência?
Edmund Amann – Quem está prestando mais atenção a esta questão são os investidores, pois há um público estrangeiro com interesses diretos no comportamento da economia brasileira. Além disso, muita gente vê a reforma como sendo uma avaliação da viabilidade política desse novo governo. Ela vai demonstrar se o governo é capaz de reunir um consenso nacional em torno de reformas contenciosas. Ou seja, o governo vai ser mais respeitado e levado a sério, caso consiga aprovar a reforma.

Fora do Brasil há um grau de incerteza em torno do governo de Bolsonaro em termos de tentar saber se ele vai ser capaz de resolver os problemas do país. E acho que se ele conseguir algum progresso nesta reforma, vai parecer que ele foi bem-sucedido inicialmente, e vai ser levado a sério. Isso valeria para qualquer novo governo. As pessoas querem saber se o governo é capaz de atingir resultados positivos, se tem uma relação produtiva com o Congresso, se vai conseguir empurrar o país na direção certa. Atualmente o júri ainda está aberto, e este vai ser o primeiro teste.

Brasilianismo – Como o senhor vê isso no contexto de disputas internas dentro do governo entre grupos que querem levar adiante essas reformas econômicas e a atenção dada a questões ligadas a armamentos, educação e cultura de forma geral?
Edmund Amann – Isso é uma distração, que absorve tempo e atenção do governo, o que poderia ser direcionado a tentar resolver essa questão das reformas mais complicadas para a economia brasileira. Por outro lado, assim como acontece com o governo de Donald Trump nos Estados Unidos, isso é uma forma de o governo tentar angariar apoio popular entre seus eleitores. É preciso fazer um cálculo político para saber se este apoio dos eleitores da base de Bolsonaro pode ajudar a levar adiante reformas, se gera apoio no Congresso. Isso nem sempre é garantido, e parece mais criar antagonismos do que levar ao consenso. Isso pode fazer com que políticos não alinhados contra ou a favor do governo acabem tendo uma postura contra as reformas por conta do discurso. São pessoas que poderiam apoiar o governo, caso a retórica do presidente fosse mais construtiva. Declarações provocativas podem até atrair apoio dos eleitores e políticos que apoiariam o governo de qualquer jeito, mas pode alienar pessoas que não estão neste grupo. É um cálculo político que deveria ser feito pelo governo para tentar atrair apoio a suas propostas.

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Direita usa moralismo como arma desde antes da ditadura, diz historiador http://brasilianismo.blogosfera.uol.com.br/2019/03/10/direita-usa-moralismo-como-arma-desde-antes-da-ditadura-diz-historiador/ http://brasilianismo.blogosfera.uol.com.br/2019/03/10/direita-usa-moralismo-como-arma-desde-antes-da-ditadura-diz-historiador/#respond Sun, 10 Mar 2019 07:00:52 +0000 http://brasilianismo.blogosfera.uol.com.br/?p=5278 Professor da Universidade da Califórnia San Diego, Benjamin Cowan discute o uso do discurso moralista pelo presidente Jair Bolsonaro, diz que isso ecoa o que foi usado durante a ditadura militar e explica que este tipo de mobilização política é usado pela direita ao longo da história do país. 

A publicação de um vídeo obsceno pelo presidente Jair Bolsonaro colocou em evidência a importância do discurso em torno de valores morais conservadores que levaram à sua ascensão ao posto mais alto do Executivo. O professor de relações internacionais na FGV Matias Spektor comentou o caso em sua coluna na Folha e indicou que este tipo de ativismo moralista deve ser visto como “um ato político da maior importância”, um “expediente de longo pedigree nos anais da história brasileira”.

Autor da principal referência para compreender o uso deste tipo de discurso por políticos ultraconservadores no Brasil desde a década 1920, historiador Benjamin Cowan alega que é possível relacionar este tipo de discurso moralista histórico com a ascensão de Bolsonaro, justificando a manutenção deste tipo de ativismo no novo governo brasileiro.

“A situação não é só comparável, mas diretamente relacionada. Os moralistas anticomunistas dos anos 1940, 1950, 1960, e 1970 tornaram-se a nova direita dos 1980, e juntaram-se com ainda mais aliados não só no Brasil mas também no exterior”, explicou Cowan em entrevista ao blog Brasilianismo.

Doutor pela UCLA e professor da University of California San Diego, Cowan estudou o radicalismo de direita, moralidade, sexualidade e imperialismo do século XX, tratando do caso do Brasil durante a Guerra Fria, com especialização na história cultural e de gênero da era pós-1964. Ele é autor do livro “Securing Sex: Morality and Repression in the Making of Cold War Brazil”, publicado pela University of North Carolina Press em 2016.

Na entrevista abaixo (concedida antes do carnaval), Cowan analisa as semelhanças e diferenças entre o ativismo conservador no Brasil, nos EUA de Donald Trump e em outras partes do mundo, avaliando a força da ascensão da nova direita internacional. “‘Direita’ tornou-se uma categoria identitária, cheia de paixões que têm pouco a ver com legislação ou política propriamente dita e mais a ver com reações a uma suposta mudança nos equilíbrios de poder (raciais, sociais, de gênero)”.

Brasilianismo – Seu livro fala sobre moralidade e repressão durante a ditadura. Acha que é uma situação comparável à da nova direita que chegou ao poder no país? Qual a relevância dessa moralidade para a direita brasileira?
Benjamin Cowan – A situação não é só comparável, mas diretamente relacionada. Os moralistas anticomunistas dos anos 1940, 1950, 1960, e 1970 tornaram-se a nova direita dos 1980, e juntaram-se com ainda mais aliados, não só no Brasil mas também no exterior. Basta pensar em figuras como Dom Geraldo Proença Sigaud [Arcebispo-emérito de Diamantina] ou em Dom Antônio de Castro Mayer [Bispo da Diocese de Campos]. Os dois começaram no grupo de ‘O Legionário’, passaram ao ativismo na TFP [Sociedade Brasileira de Defesa da Tradição, Família e Propriedade] e à liderança de grupos conservadores no contexto do Concílio Vaticano, tiveram influência na criação de um programa de moralismo dentro do regime militar, e desempenharam um papel essencial no desenvolvimento de um catolicismo conservador moralista, anticomunista, anti-progressista, pro-autoritário, tradicionalista, e anti-democrático, que formou parte da base da direita de hoje.

A vinculação entre oposição a mudanças morais/culturais percebidas como ameaças (feminismo e direitos LGBT, por exemplo, ou mesmo mudanças na estrutura familiar tradicional) e oposição aos estados de bem-estar e aos programas de redistribuição de renda não tem que ser assim — mas foi articulada por pessoas e organizações no Brasil que tiveram uma atuação muito importante no apoio à ditadura militar.

Brasilianismo – A eleição de Jair Bolsonaro no Brasil foi vista por muitos como um reflexo da ascensão de Donald Trump nos EUA, tanto que ele chegou a ser chamado de “Trump dos Trópicos”, mas seu trabalho acadêmico indica que as coisas não foram tão simples assim. Que tipo de influência a Nova Direita dos EUA realmente teve sobre o Brasil?
Benjamin Cowan – É uma ótima pergunta, mas para mim a questão seria mais sobre as influências que as direitas em ambos países tiveram entre si. Ou seja, a ultra-direita católica no Brasil, baseando-se em um passado fascista-integralista, e de reação à modernização cultural, econômica, social e religiosa do século XX, acabou tendo muito em comum não só com anti-modernistas evangélicos no Brasil, mas também com suas contrapartidas nos EUA. Portanto, criou-se um terreno comum entre ativistas norte-americanos e os do Brasil no que tocava a certos assuntos-chave: anticomunismo (de forma variavelmente relacionada com a realidade do comunismo); moralismo e tradicionalismo cultural; anti-modernismo nas doutrinas cristãs e especialmente oposição à Teologia da Libertação e outras manifestações de progressismo cristão; hostilidade frente aos estados de bem-estar, vistos como “socialistas”; e uma rejeição semelhante dos movimentos sociais, desde reivindicações para justiça social e de raça até o feminismo. Nesse contexto, fez-se muito mais fácil uma troca de idéias e de táticas entre as direitas do Hemisfério Norte e do Brasil, fazendo com que exista, hoje, uma agenda ou programa comum às direitas hemisféricas, e que a direita no Brasil possa chamar-se assim, descaradamente, num contexto nacional onde, antigamente, evitava-se auto-identificar-se como “de direita.”

Brasilianismo – Por outro lado, que importância tem o Brasil na ascensão da nova direita no mundo?
Benjamin Cowan – O Brasil, com sua história de um movimento fascista (integralismo) cujos expoentes voltaram ao poder, de certa forma, na ditadura de 1964-1985, tem um lugar privilegiado na gestação de uma Nova Direita. No Brasil, as ideias da época entre guerras, inclusive o anti-semitismo de figuras como Dom Geraldo Proença Signed e mesmo Plínio Salgado, nunca foram completamente vencidas ou desacreditadas. Na ditadura do pós-1964, essas figuras e outras (Alfredo Buzaid, Tarcísio Padilha) voltaram a ter poder e influência. Acho que isso faz parte da razão pela qual brasileiros desempenharam um papel importante em momentos como, por exemplo, a reação às reformas propostas no Concílio Vaticano II, ou na criação de organizações como a World Anti-Communist League (LAM), o Concílio Internacional de Igrejas Cristãs (CIIC), e o International Policy Forum (IPF), que buscavam unir forças conservadores atrás de fronteiras nacionais e de confissão religiosa.

Brasilianismo – Este movimento de direita do Brasil tem características próprias que o diferencia do que há em outros países?
Benjamin Cowan – Nenhum movimento—e nenhuma face ou facção de movimento, se pensarmos assim—é idêntica a qualquer outro. É claro que as direitas de hoje no Brasil têm particularidades que as fazem distintas entre si e com relação às direitas de outros países. Mas eu acho que, neste momento, as semelhanças são muito mais impressionantes e muito mais significativas. O fato de que a direita brasileira partilha tanto com as direitas do hemisfério norte de hoje (xenofobia, nacionalismo racial, racismo articulado, sexismo articulado, reação aos movimentos sociais e às poucas conquistas dos regimes anteriores em termos de valores democráticos-liberais e programas de redistribuição, para nomear alguns), nos convida a contemplar não só os fatores estruturais internacionais que facilitaram tais posições e os populismo que as propagam, mas também as organizações, instituições e indivíduos que fizeram com que os programas dessas direitas existissem e se comunicassem entre si. Dessa perspectiva, certos detalhes—o fato de a direita brasileira ser muito mais disposta a, por exemplo, usar a palavra “comunista” em vez de “socialista”, como ocorre nos EUA—não têm tanta importância para mim. É muito mais importante entender como ambos cenários direitistas vieram a poder persistir em se opor ao comunismo ou socialismo em um mundo onde esses sistemas de governo quase não existem.

Brasilianismo – Por muito tempo o Brasil parecia avesso ao rótulo de direita na política. Acha que isso realmente aconteceu e mudou nas últimas eleições, ou foi era um erro ver a situação assim?
Benjamin Cowan – Houve todo um processo de re-introdução da direita auto-identificada ou, vamos dizer, “assumida” na política brasileira. Penso no pastor Joanyr de Oliveira declarando em 1988 que: “Não há nenhum desdouro em ser conservador. A grande Margaret Thatcher não é conservadora? E não foi conservador o maior estadista que a Inglaterra produziu neste século, Winston Churchill? Não sei por que razão os conservadores têm medo de afirmar sua posição. Deixam-se intimidar pelas acusações de radicais que os chamam de retrógrados, de direitistas, de reacionários…”. Nesse instante, 30 anos antes da eleição do Bolsonaro, já vimos um movimento claro para se auto-afirmar como “direitista” ou “conservador”. E foi num contexto histórico específico de reação: fim da ditadura brasileira, começo de uma nova era democrática, empoderamento da nova direita não só no Brasil mas em todo o hemisfério, e consolidação de um programa que tomou por base um moralismo inerentemente vinculado com anticomunismo, anti-estatismo e pavor frente às mudanças propostas por “progressistas” dentro e fora das igrejas, desde modernistas na teologia até feministas e ativistas LGBT.

Brasilianismo – Que futuro vê para esses novos movimentos de direita no Brasil e no mundo?
Benjamin Cowan – Prognósticos não são, deveria dizer, a perícia que vem naturalmente ao historiador. Mas acho que há várias razões para temer um endurecimento das direitas no Brasil e no mundo. Primeiro, “direita” tornou-se uma categoria identitária, cheia de paixões que têm pouco a ver com legislação ou política propriamente dita e mais a ver com reações a uma suposta mudança nos equilíbrios de poder (raciais, sociais, de gênero) .

Em outras palavras, é muito difícil você convencer uma pessoa que pensa num passado mitificado de bem-estar e ordem geral, e que se auto-identifica como “conservador”—para reter um senso (real ou imaginado) de poder e controle—, que os movimentos sociais ou os programas de redistribuição de renda e poder não são um “zero-sum game” [jogo de soma zero] e não estão desenhados para tirar recursos de ninguém mas para ampliar os recursos de todos.

Segundo, as redes sociais e os formatos da mídia (quanto social como profissional/corporativa) facilitam que as pessoas se definam mais e mais nas suas posições identitárias, em vez de discutir posições ou programas ideológicos. Esses dois fatores, entre outros, dificultam qualquer troca de ideias, e muito menos possibilitam que as direitas decomponham-se por razão das suas contradições internas. Nesta altura, são posições identitárias, sem vinculação necessária a particularidades de legislação ou até de retórica (pense, por exemplo, na tendência de persistir em apoiar um Bolsonaro ou um Trump, retrucando que a retórica tão ofensiva deles não significa ou não tem efeitos na realidade política).

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Lei anticrime de Moro é populismo punitivo e visa vingança, diz acadêmica http://brasilianismo.blogosfera.uol.com.br/2019/02/09/lei-anticrime-de-moro-e-populismo-punitivo-e-visa-vinganca-diz-academica/ http://brasilianismo.blogosfera.uol.com.br/2019/02/09/lei-anticrime-de-moro-e-populismo-punitivo-e-visa-vinganca-diz-academica/#respond Sat, 09 Feb 2019 06:00:59 +0000 http://brasilianismo.blogosfera.uol.com.br/?p=5213

O projeto de lei anticrime apresentado pelo ministro da Justiça e Segurança Pública, Sergio Moro, foi recebido com fortes críticas de acadêmicos no Brasil e no resto do mundo. Para muitos estudiosos do assunto, o plano tem um potencial maior de gerar apoio popular para o governo, e votos, do que de resolver de fato o problema da violência e da criminalidade no Brasil.

Segundo a pesquisadora Michelle Bonner, estudos acadêmicos em diferentes partes do mundo já demonstraram que este tipo de medida política dura contra o crime não costuma reduzir a criminalidade, e pode até aumentar a violência. Ainda assim, projetos do tipo são cada vez mais populares.

“Este tipo de plano funciona muito bem politicamente. Ele alimenta o desejo emocional das pessoas por vingança, pelo sentimento de que há um senso de ordem, quando a vida é cheia de inseguranças. Ele oferece o que parece uma resposta simples para um problema muito complexo”, disse Bonner em entrevista ao blog Brasilianismo.

Segundo ela, o projeto também é preocupante ao ampliar o arbítrio de policiais, que passam a ter o poder de decidir quem é criminoso e executar a punição sem que haja um processo legal.

Professora de ciência política da Universidade de Victoria, no Canadá, ela é especializada em política latino-americana e questões de violência e direitos humanos, e realizou estudos sobre a criminalidade na América Latina. Segundo ela, este tipo de medida pode ser classificada como “populismo punitivo”: “O uso de retórica e políticas duras contra o crime para vencer eleições e ganhar apoio popular”, explicou.

Um dos seus trabalhos mais recentes trata justamente deste tipo de medida que tem mais apelo político do que resultado prático contra a criminalidade. Ela é autora do livro “Tough on Crime: The Rise of Punitive Populism in Latin America” (Duro contra o crime: O aumento de populismo punitivo na América Latina).

Segundo Bonner, um combate real contra a violência a criminalidade precisa de ações de longo prazo e requer medidas mais amplas do que a punição, como a criação de programas de apoio social, com investimentos em saúde, educação e formação de comunidades.

Leia abaixo a entrevista completa

Brasilianismo – O que a senhora achou do plano anticrime anunciado pelo governo brasileiro?
Michelle Bonner – É um plano consistente com outros pacotes políticos duros contra o crime em outros países. Ele vai aumentar o número de pessoas que são mandadas para a prisão e vai aumentar o nível de arbítrio da polícia. O problema dessas políticas é que, de acordo com pesquisas acadêmicas, elas na verdade não reduzem a criminalidade. Nos melhores casos, essas política não fazem nenhuma diferença no nível de violência. E nos piores cenários elas podem até mesmo aumentar a o nível da criminalidade. Isso é o que é mais preocupante.

Brasilianismo – Pode aumentar a criminalidade?
Michelle Bonner – Estudos mostram que, quando um país aumenta a população carcerária, isso leva à prisão de muitas pessoas que originalmente não tinham associações com o crime organizado. Essas pessoas muitas vezes passam a ter ligações com gangues deste tipo depois que estão na cadeia. Uma pesquisa feita em El Salvador mostrou isso muito claramente, indicando que 10% das pessoas que foram presas sem ter ligação com o crime organizado, saíram fazendo parte do crime organizado. Isso pode levar potencialmente a níveis mais elevados de violência e criminalidade.

Além disso, ao liberar o arbítrio de ação da polícia, o plano também é preocupante. O Brasil já tem problemas de envolvimento de policiais com atividades criminosas, então isso pode aumentar as oportunidades para que isso aconteça.

Brasilianismo – Vê mais problemas em um aumento da liberdade de ação da polícia?
Michelle Bonner – O projeto parece ter um problema muito sério, pelo que li em reportagens sobre ele, ao indicar que os policiais podem atirar contra criminosos. A própria linguagem usada para escrever soa estranha. Se uma pessoa é morta pela polícia na rua, então ela não foi processada nem julgada para ser considerada criminosa. Então elas são no máximo suspeitas de algum crime. Um estudo que fiz na Argentina, por exemplo, mostrou que muitos dos chamados suspeitos não tinham na verdade cometido crimes.

Este tipo de medida permite que um policial possa decidir quem é um criminoso, e então executar a punição sem que haja um processo legal para determinar se a pessoa estava envolvida com algum crime ou não. Isso é muito preocupante.

Brasilianismo – Se a pesquisa acadêmica mostra que este tipo de plano não funciona para reduzir a criminalidade, por que o Brasil e outros países ainda criam projetos assim?
Michelle Bonner – Este tipo de plano funciona muito bem politicamente. Ele alimenta o desejo emocional das pessoas por vingança, pelo sentimento de que há um senso de ordem, quando a vida é cheia de inseguranças. Ele oferece o que parece uma resposta simples para um problema muito complexo.

Muitos estudos apontam que, se você quer reduzir o crime, precisa lidar com questões socioeconômicas que contribuem para a criminalidade. Esta é uma abordagem mais complexa e de longo prazo, que tem grandes chances de dar resultados, mas que não é fácil de vender para os eleitores, de conquistar apoio popular. É muito mais fácil gerar planos como este do Brasil, especialmente quando os políticos querem ter apelo com a mídia.

Nas últimas décadas, a busca por audiência tem levado a imprensa a apelar a casos que têm apelo emocional com o público, e a criminalidade é um desses formatos. Ele produz drama ao dar voz à polícia e às vítimas e geram uma reação emocional do público, criando uma defesa de uma política dura contra o crime, uma vingança contra o criminoso, querendo que alguém pague pelo que aconteceu. Com o aumento da cobertura midiática, a audiência se identifica com isso. Então este tipo de política funciona para isso, mesmo que não tenha a complexidade necessária para realmente solucionar o problema da criminalidade.

Brasilianismo – É isso que você chama de “populismo punitivo” em seu trabalho recente?
Michelle Bonner – Sim. Populismo punitivo é o uso de retórica e políticas duras contra o crime para vencer eleições e ganhar apoio popular. Muitas vezes, líderes políticos seguem esta linha porque realmente acham que ela pode reduzir a criminalidade, por mais que a pesquisa acadêmica mostre que não. Outras vezes, eles adotam este tipo de medida simplesmente porque ela funciona politicamente. É uma estratégia que já vemos usadas tanto por políticos de direita quanto por políticos de esquerda.

Brasilianismo – Considerando que este plano foi anunciado como realização de uma promessa de campanha de Jair Bolsonaro à Presidência do Brasil, isso se encaixa como populismo punitivo?
Michelle Bonner – Sim. As pessoas estão chateadas com o alto nível de criminalidade no Brasil, e querem uma resposta, algo que mude esta situação, que ofereça uma vingança. Infelizmente, esta não vai ser a resposta para o problema, por mais que muitos dos eleitores fiquem satisfeitos com o plano.

Brasilianismo – Considerando que o problema da violência no Brasil é realmente muito grande, e que a população está preocupada de fato com a situação, o que poderia ser feito no curto prazo para mudar o quadro desesperador da crminalidade no Brasil?
Michelle Bonner – Existem muitos fatores envolvidos na violência e na criminalidade, e é preciso saber exatamente qual o foco das medidas de curto prazo. Por mais que pareça absurdo, uma medida possível seria diminuir o policiamento, já que muitos policiais estão envolvidos em crimes e homicídios.

No curto prazo, seria importante repensar o foco dado a algumas questões relacionadas com a criminalidade, como o uso de drogas, que pode passar a ser visto como uma questão de saúde. Outro ponto seria criar programas de apoio social, o que requer investimentos em saúde, educação e formação de comunidades. São comprometimentos que muitos governos não querem fazer, entretanto, mas que poderiam começar a dar resultados rapidamente na redução da criminalidade.

Além disso, é preciso pensar sobre o lado emocional das pessoas, para ajudar elas a se sentirem mais seguras. Além de diminuir a violência, é preciso reduzir o medo que as pessoas têm da violência. O Chile, por exemplo, tem níveis de violência parecidos com os do Canadá, mas o medo do crime é uma das maiores preocupações da população. Isso passa por uma mudança na forma como a mídia nacional apresenta questões relacionadas ao crime, reduzindo o apelo emocional da discussão e buscando tratar mais profundamente das complexidades da criminalidade. Isso levaria as pessoas a entenderem que é preciso pensar mais seriamente sobre as formas de combater o crime.

Brasilianismo – O plano anticrime anunciado no Brasil também tem uma abordagem forte contra a corrupção. Qual a importância de incluir uma medida contra a corrupção no projeto contra a criminalidade?
Michelle Bonner – Seria importante especialmente ter uma preocupação com a corrupção no nível da criminalidade, em torno da polícia, por exemplo. Mas tenho a impressão de que esta abordagem do plano no Brasil visa corrupção política, que não vejo como sendo tão próxima assim da questão da criminalidade.

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Para especialista, lei anticrime de Moro segue modelo que tende a fracassar http://brasilianismo.blogosfera.uol.com.br/2019/02/06/para-especialista-lei-anticrime-de-moro-segue-modelo-que-tende-a-fracassar/ http://brasilianismo.blogosfera.uol.com.br/2019/02/06/para-especialista-lei-anticrime-de-moro-segue-modelo-que-tende-a-fracassar/#respond Wed, 06 Feb 2019 18:55:18 +0000 http://brasilianismo.blogosfera.uol.com.br/?p=5195

O projeto de lei anticrime apresentado pelo ministro da Justiça e Segurança Pública, Sergio Moro, na segunda-feira (4) segue um modelo que tem problemas em seu funcionamento e que não costuma ter efeito real, segundo o cientista político Pablo Policzer.

Diretor do Centro de Pesquisas sobre a América Latina na Universidade de Calgary, no Canadá, Policzer avalia que a proposta, promessa da campanha presidencial de Jair Bolsonaro, pode até ter impacto político, mas não costuma se revelar eficiente no combate ao crime.

“Essas políticas de ‘mano dura’ muitas vezes encontram muito apoio político, especialmente em contextos onde as pessoas genuinamente se sentem inseguras. Mas elas têm repetidamente fracassado na prática”, disse Policzer ao blog Brasilianismo.

O projeto apresentado por Moro contém mudanças em 19 áreas e endurece a legislação em relação ao cumprimento de penas de condenados em segunda instância. A proposta será encaminhada ao Congresso Nacional.

Policzer é especialista em política comparativa com foco na América Latina e há anos desenvolve pesquisas sobre violência no continente. Segundo ele, além de o projeto de lei anticrime ter problemas, ele precisa ser pensado no contexto de um governo que já agiu para facilitar o acesso a armas no país. Para ele, essas medidas têm pouco efeito real e podem até piorar ainda mais a sensação de falta de segurança no país.

“O que é especialmente preocupante é o afrouxamento das leis de controle de armas no Brasil, onde a violência dos vigilantes já é um grande problema. Em vez de segurança, esse movimento provavelmente gerará mais medo e insegurança”, disse.

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