Cinéfilo completo, Paulo Emílio Salles Gomes é tema de novo livro em inglês
O crítico brasileiro de cinema Paulo Emílio Salles Gomes é considerado fundamental na criação de um lugar central para o cinema na história cultural do século XX. Sua obra é o tema de um livro lançado agora no Reino Unido em que o seu perfil de "cinéfilo completo" é apresentado para leitores de língua inglesa.
"Paulo Emílio Salles Gomes: on Brazil and Global Cinema" (University of Wales Press) foi organizado e editado pelas pesquisadoras Maite Conde, da Universidade de Cambridge, e Stephanie Dennison, da Universidade de Leeds. Na entrevista abaixo, as duas acadêmicas analisam a importância do crítico brasileiro para o estudo do cinema no Brasil e no mundo.
"Talvez não seja exagero afirmar que foi graças ao seu trabalho pioneiro sobre a cultura cinematográfica que os cineastas, curadores e críticos passaram a ter uma posição privilegiada nos debates culturais no Brasil até hoje", elas explicam.
Pergunta – Qual é a importância do trabalho de Paulo Emílio Salles Gomes para a cultura cinematográfica no Brasil?
Maite Conde e Stephanie Dennison – Se ainda há uma forte tradição cinéfila no Brasil em certos círculos, Paulo Emílio tem muito a ver com isso. E, ao se envolver com a visão mais ampla do cinema e da produção cinematográfica, e a relação dos filmes com o contexto sociopolítico em que são produzidos, Paulo Emílio foi fundamental na criação de um lugar central para o cinema na história cultural do século XX.
Talvez não seja exagero afirmar que foi graças ao seu trabalho pioneiro sobre a cultura cinematográfica que os cineastas, curadores e críticos passaram a ter uma posição privilegiada nos debates culturais no Brasil até hoje. Longe de ser um crítico esclarecido que comunicava ideias preconcebidas sobre o cinema, Paulo Emílio chamou a atenção do público, buscando aprender sobre o cinema a partir dos próprios espectadores.
Esse engajamento com o público está no coração do estilo de crítica de cinema de Paulo Emílio. Além de mostrar uma consciência singular da importância de questões como produção, exibição, recepção e preservação para uma compreensão diferenciada do cinema brasileiro, Paulo Emílio foi um dos primeiros críticos de cinema a encontrar valor no cinema brasileiro popular (por exemplo, chanchadas e os filmes de Amácio Mazzaropi) e a considerar o lugar do cinema brasileiro no contexto da produção cinematográfica latino-americana. Além de fazer crítica de cinema, ele também foi fundamental na criação da Cinemateca Brasileira, do Festival de Cinema de Brasília e na promoção incansável do arquivo e preservação de filmes. E as aulas de Paulo Emílio na Universidade estabeleceram o alto padrão de ensino e pesquisa de estudos cinematográficos que vemos no Brasil hoje.
Pergunta – Qual o impacto que a tradução de Paulo Emílio Salles Gomes terá fora do Brasil?
Maite Conde e Stephanie Dennison – Enquanto prolífico estudioso de cinema, crítico e historiador, o trabalho de Paulo Emílio não foi amplamente divulgado além do Brasil e muito pouco dele existe em tradução. Os únicos trabalhos que receberam ampla divulgação são seus estudos do cineasta francês Jean Vigo, publicados em francês em 1957 e em inglês em 1971, e seu ensaio seminal "Cinema: Trajectory Within Underdevelopment", cujas partes foram traduzidas para o inglês e reproduzidas em antologias cinematográficas nos Estados Unidos e no Reino Unido.
Esta coleção apresenta aos leitores fora do Brasil o extenso trabalho de Paulo Emílio, permitindo que eles vejam suas ruminações sobre o cinema brasileiro e também filmes europeus, soviéticos e de Hollywood, bem como conhecer seu compromisso político e experiência. Essa ampla inclusão foi parte do nosso compromisso de permitir que os leitores pudessem ter uma ideia do vasto conhecimento de Paulo Emílio na cultura cinematográfica. E também romper a camisa de força de críticos e estudiosos brasileiros do cinema como sendo apenas capazes de conversar com e sobre suas bolhas nacionais de cultura cinematográfica, parte de uma limitação e entrincheiramento mais amplos, de modo que as reflexões críticas sobre o cinema europeu e norte-americano por acadêmicos não ocidentais são, de um modo geral, omitidas.
Outra contribuição importante dessa coleção para os leitores não brasileiros será a própria teoria do cinema. Em primeiro lugar, inserindo a cultura cinematográfica e sua abordagem acadêmica do Brasil dentro de uma teoria cinematográfica mais ampla, que tende a ser produzida por acadêmicos norte-americanos ou europeus. Em segundo lugar, o que realmente é a teoria do cinema e como ela é escrita. Paulo Emílio tem um estilo de escrita muito pessoal e íntimo, algo que raramente é evidente na teoria dos filmes norte-americanos e europeus. Esperamos que isso permita que as pessoas reflitam sobre como a teoria é escrita no mundo.
Pergunta – O que vocês aprenderam trabalhando nesse projeto?
Maite Conde e Stephanie Dennison – Nós duas estávamos cientes da importância de Paulo Emílio para estabelecer a cultura do cinema no Brasil, mas ambas ficamos surpresas com a afeição que os críticos, cineastas e acadêmicos de hoje ainda têm por ele, incluindo aqueles que nunca o conheceram. Isso ajudou o projeto imensamente, já que inúmeras pessoas no Brasil nos ajudaram, falando-nos sobre Paulo Emílio, contando-nos histórias pessoais sobre ele e também nos dizendo quais ensaios eram importantes para eles pessoalmente.
Também aprendemos como os compromissos e crenças políticas e sociais de Paulo Emílio deram forma a seus esforços cinemáticos. Decidimos colocar isso em primeiro plano, iniciando a coleção com uma seção dedicada precisamente aos ensaios e manifestos sociais e políticos que ele escreveu, vinculando-os ao seu trabalho sobre o cinema, que ele percebia como parte de sua política mais ampla. Acho que nós duas também ficamos impressionadas com a extensa obra cinematográfica de Paulo Emílio –do seu trabalho como crítico, que cobriu o cinema global em sua totalidade, à sua campanha pelo cinema brasileiro como arquivista de filmes que montou os primeiros clubes de cinema do Brasil.
Ele é realmente um cinéfilo completo, e isso é algo que queríamos que a coleção comunicasse –seu amor completo pelo cinema e sua dedicação em trabalhar para o cinema a ser levado a sério no Brasil. Foi uma experiência esclarecedora a de reunir a coleção, e esperamos que os leitores aproveitem seu trabalho e aprendam a apreciar Paulo Emílio, tanto quanto nós.
Pergunta – Como o livro surgiu?
Maite Conde e Stephanie Dennison – A ideia para o volume veio de Dave Filipi no Wexner Center for the Arts, em Columbus, Ohio. O centro estava envolvido em um grande projeto, o Via Brazil Project, uma iniciativa plurianual focada na cultura contemporânea do Brasil, financiada pela Andrew Mellon Foundation. Enquanto ele estava pesquisando para o projeto, ele continuava passando por citações ao trabalho de Paulo Emílio. Ele logo percebeu o quão central seu trabalho era para entender a cultura brasileira, e ficou francamente surpreso ao descobrir que muito pouco do trabalho de Paulo Emílio tinha sido traduzido para o inglês. Então, ele nos abordou, como acadêmicas do cinema que publicaram sobre a cultura do cinema brasileiro e que estiveram envolvidas em projetos de tradução em larga escala, para editar um volume de ensaios de Paulo Emílio para um público de língua inglesa. Selecionamos 39 ensaios, que datam da década de 1950 a 1970, que percorrem uma paisagem cinematográfica variada.
O livro inclui textos sobre Hollywood, filmes europeus e brasileiros, além de ensaios sobre temas variados como pornografia, filmes de arte, cinema comercial e as vicissitudes de desenvolver um arquivo nacional de filmes e uma cultura cinematográfica contra a resistência oficial do governo e na ausência de infra-estruturas tecnológicas. Incluímos nos ensaios introdutórios para as diferentes seções, para o benefício dos leitores que não estão familiarizados com o contexto em que Paulo Emílio estava escrevendo. Também supervisionamos as traduções, que foram produzidas por Amber Rose McCartney, que tem mestrado em Estudos de Tradução da Universidade de Leeds.
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