Diplomacia de Bolsonaro inverte prioridades e cria risco à projeção do país
O Brasil está se encaminhando para uma inversão de prioridades na sua política externa, com uma aposta arriscada para a tentativa de construir uma projeção internacional como um país importante na conjuntura global. Em vez de impulsionar uma carta forte consolidada nas mãos do Itamaraty, prefere jogar com uma alternativa incerta e perigosa para o jogo diplomático.
Na mesma semana em que o filho do presidente eleito confirmou que o próximo governo do Brasil de fato pretende mudar a embaixada do Brasil em Israel –o que equivale a comprar uma briga com importantes parceiros comerciais no Oriente Médio–, o próprio Jair Bolsonaro levou à decisão de não receber mais a COP-25, conferência do clima das Nações Unidas, no próximo ano.
Assim, antes mesmo de chegar ao poder, Bolsonaro indica que o Brasil abre mão de um papel de liderança em uma área em que o país já é uma referência internacional –a ambiental–, enquanto leva o Brasil a enfrentar desafios diplomáticos em uma área em que o Brasil não é considerado muito relevante –a segurança no Oriente Médio.
Parece uma aposta arriscada, da qual dificilmente se podem tirar benefícios para o país.
Isso mesmo sem discutir a questão ideológica, já que, se o país pretendesse mudar sua postura na questão ambiental, a melhor forma de fazer isso seria mantendo um papel de liderança, e não abrindo mão de ter uma posição importante na discussão global.
O principal trunfo do Brasil em política externa é o soft power, o poder de persuasão por meios diplomáticos e sociais, sem apelar à força militar ou econômica. Esta linha depende muito da percepção externa que se tem do Brasil. E enquanto o país já é reconhecido por sua atuação na questão climática, não costuma ser muito relevante na hora em que tenta se envolver em questões de segurança internacional.
Tanto é assim que o país é sempre lembrado como importante em conferências climáticas, e teria o potencial de sediar a terceira dessas reuniões internacionais, mas não costuma ser consultado em relação a decisões de segurança –e não foi muito respeitado quando tentou se envolver em negociações com o Irã, por exemplo.
O problema é que, segundo a comunidade global nos países mais poderosos do mundo, a melhor forma de o Brasil aumentar sua influência internacional seria apostar nas cartas mais fortes que já tem na mão, como a questão ambiental, ou as missões de paz, como no Haiti. Isso teria mais relevância na construção e desenvolvimento do soft power brasileiro do que a tentativa de se envolver em grandes questões de segurança nas quais o país não apita nada.
Em minha pesquisa de doutorado no King's College de Londres, tenho entrevistado dezenas de diplomatas e políticos estrangeiros sobre a percepção que eles têm do Brasil. Em todas as conversas, uma pergunta trata da influência real que o Brasil tem ou não no resto do mundo. Uma das respostas mais comuns tem sido que não existe uma resposta genérica sobre a influência global do Brasil, e que o país tem relevância em algumas questões, mas não em outras.
A melhor aposta para o país seria focar nas áreas em que o Brasil é de fato relevante, e deixar de lado aquelas em que o país não é ouvido. "O Brasil precisa definir suas prioridades e aproveitar o que já conquistou", ouvi mais de uma vez. O governo Bolsonaro parece pretender redefinir essas prioridades, abrindo mão do que o Brasil já tem de soft power para apostar em uma relevância que o país não possui.
A questão do Oriente Médio não costuma ser reconhecida como algo em que o Brasil tenha relevância, e talvez não possa virar prioridade. A decisão do presidente eleito parece um alinhamento automático com as decisões de Donald Trump, que podem não gerar resultados para o país.
Conforme analisou o professor de relações internacionais na FGV Matias Spektor, na Folha, em vez de fortalecer a mão de Bolsonaro em Washington, o primeiro movimento do governo terminou por enfraquecê-la. "Se esta missão der o tom da diplomacia dos próximos anos, os opositores podem descansar tranquilos. Não há risco de uma política externa desse tipo dar certo."
O ambiente, sim, era uma dessas prioridades. Brasil começou a se tornar uma referência em questões ambientais no começo dos anos 1990, com a conferência Rio 92. O papel importante do Brasil se reforçou ainda mais há seis anos, com a Rio+20. Os dois eventos sempre são mencionados por diplomatas internacionais quando questionados sobre a força política do Brasil no resto do mundo. Ao rejeitar ser sede da COP-25, o país parece abrir mão do poder diplomático e da projeção internacional que levou quase três décadas construindo.
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