Polêmica sobre recomendação da ONU amplia imagem de caos político do Brasil
A disputa em torno da decisão do Comitê de Direitos Humanos da ONU (Organização das Nações Unidas) de recomendar ao Brasil que garanta os direitos políticos e a candidatura do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva se tornou um tema de forte polarização no Brasil. Mais do que influir diretamente sobre a questão legal de Lula e sobre a eleição, o debate reflete uma disputa interna no país sobre a imagem que vai se construir externamente a respeito do ex-presidente e do próprio Brasil –uma disputa que se consolidou como parte da política brasileira.
O embate sobre o que se pensa sobre a política brasileira no exterior é histórico, pode ser traçado como algo que existe desde o Barão de Rio Branco, com pontos bem claros na independência e na Proclamação da República. Mais recentemente, ficou bem evidente desde o processo de impeachment, quando os defensores de Dilma Rousseff e do PT tentaram promover no resto do mundo a ideia de que houve um golpe de Estado, enquanto o novo governo enviou emissários a outros países para promover o processo de derrubada da presidente como legítimo.
A briga continuou ao longo de muitos meses, com viagens e declarações públicas da ex-presidente, palestras sobre o "golpe" e cartas e editoriais simpáticos ao PT em alguns do principais veículos internacionais. O lado oficial do governo também não ficou para trás, e sempre respondeu e trabalhou para promover uma ideia de estabilidade institucional um tanto distante da realidade brasileira.
No fim, o que fica ao mundo de toda a crise política e da disputa pela narrativa projetada internacionalmente é a imagem de um país mergulhado em caos político e polarização, o que se fortalece com a disputa no comitê da ONU e não parece ter perspectiva de acabar. Cada vez mais se vê de fora um país imerso em disputas políticas e longe da capacidade de alcançar um consenso positivo para o Brasil.
Tanto assim que o posicionamento da ONU foi abraçado como "regra universal" pelos simpatizantes do PT enquanto foi rejeitada como "sugestão" pelos que defendem a prisão de Lula. Mais uma vez perdeu-se a clareza e não houve tentativa de buscar um consenso que possa oferecer equilíbrio à política brasileira. E nenhum dos dois lados parece estar totalmente certo.
O posicionamento do comitê da ONU tem importância. É um órgão que trata de direitos humanos e que está analisando um caso em um país que até três décadas atrás era uma ditadura e via cidadãos terem direitos cassados de forma autoritária. A forma como foi colocada a decisão pelo comitê, entretanto, soa um tanto confusa, esquecendo que o Brasil hoje é uma democracia e tem instituições independentes. Ao tratar do caso específico do ex-presidente Lula, mas não se posicionar sobre seu julgamento, acabou tratando na verdade da lei da Ficha Limpa e a jurisprudência de ela ser aplicada após segunda instância. Por mais que a recomendação fale especificamente dos direitos políticos de Lula, essa questão legislativa e jurídica é que foi realmente questionada pelo comitê da ONU.
O governo brasileiro, entretanto, não deve simplesmente ignorar o posicionamento do comitê da ONU como "sugestão". É preciso explicar o caráter democrático da lei da Ficha Limpa e explicar a inelegibilidade de condenados por corrupção. Ignorar uma solicitação do conselho da pode de fato ter consequências para um país que busca ampliar seu status em política internacional.
No fundo, o que parece ficar do caso é a disputa não exatamente pela candidatura do ex-presidente, mas pela imagem dele e do país no resto do mundo. A campanha do PT tenta criar no exterior a impressão de que Lula é um perseguido político, enquanto o governo defende que a condenação seguiu os parâmetros da lei do país.
Nenhuma das duas versões parece colar totalmente no exterior. Nem se vê o país como uma "ditadura" que persegue o ex-presidente e o PT, nem se vê o país como uma democracia plena com funcionamento perfeito de todas as instituições. Além de um ou outro defensor com visão mais partidária, a imagem geral é mesmo de um país às vésperas de uma eleição importante e imprevisível, mas dividido, caótico e incapaz de chegar a um simples acordo sobre as regras do jogo democrático para permitir que o próximo presidente consiga buscar consensos para fazer o Brasil deixar para trás a crise.
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