Achar que não se rouba celular na Europa é complexo de vira-lata do Brasil
A declaração do ministro do Supremo Tribunal Federal Alexandre de Moraes, de que não existe roubo de aparelhos celulares na Europa, além de errada, é uma demonstração de uma autoimagem problemática do Brasil –e de imagem errada sobre a Europa.
Por mais problemas que haja no país em meio à crise, ele não é o único lugar do mundo com problemas. Sim, celulares são roubados na Europa (e na Londres do "brexit"), e numa frequência que assusta a população.
Daniel Rob, um pesquisador inglês que conhece bem o Brasil, falou sobre isso numa entrevista comigo. Ele estava esperando para atravessar a rua em frente à Biblioteca Britânica, na região central de Londres, quando três motonetas subiram a calçada rapidamente, e um dos motociclistas arrancou o celular da sua mão.
"Antes que eu tivesse tempo de processar o que aconteceu, eles já tinham ido embora", disse, numa entrevista sobre aumento da violência em Londres publicada pela Folha.
Caso parecido aconteceu com a brasileira Barbara Grasso, que também teve o celular roubado por uma gangue e contou à mesma reportagem da Folha.
Uma estimativa do governo britânico indica que por ano sejam roubados mais de 400 mil telefones celulares no país. Pode parecer pouco quando se considera que 46 milhões de britânicos têm celulares, mas não é um número insignificante de roubos –e se torna ainda mais assustador por estar associado até a morte de vítimas de assaltos.
Tem sido um crime tão frequente que qualquer lugar com maior aglomeração de pessoas, como shows e festas, tem cartazes avisando às pessoas para tomarem cuidado. E há até uma loja vendendo camisetas e cartazes com avisos de que "ladrões de celulares operam nesta área".
No Gordon's, um bar histórico especializado em vinhos que fica na região central da cidade, até a roupa dos funcionários alerta para o risco de furtos. "Por favor preste atenção a seus pertences", avisam.
Uma das principais pesquisas sobre a reputação do Brasil no mundo avaliou também a forma como os próprios brasileiros veem sua nação. Segundo o índice Country RepTrak, desenvolvido pelo Reputation Institute, o Brasil é um dos poucos casos de países que têm uma reputação interna pior do que a internacional. Enquanto o país tem 57,8 pontos na avaliação externa, tem apenas 47,5 na autoavaliação.
Isso pode ser uma das causas para a interpretação do ministro do STF, que parece achar que só no Brasil há problemas. A reputação do país no resto do mundo está sofrendo com a crise, e a reputação interna sofre também.
É um dado que parece comprovar a velha teoria do complexo de vira-lata, a posição de inferioridade que o brasileiro se coloca em relação ao resto do mundo. Isso até diminuiu num período em que o país estava com a reputação internacional "em alta", mas voltou com tudo com a crise.
É claro que a questão da violência é um problema muito maior no Brasil do que na maioria dos outros países, mas o dado mais assustador não diz respeito ao roubo de celulares, e sim aos mais de 60 mil mortos em um único ano, recorde de homicídios. Se é para manter a comparação com a Europa, na Inglaterra houve apenas 600 mortes no mesmo período, um centésimo do número brasileiro.
O Brasil sem dúvida precisa de uma mobilização para reduzir a violência, mas acreditar que o país é o único que lida com o problema enquanto a Europa é um paraíso livre de defeitos não é a forma certa de começar essa mobilização. Isso é só o complexo de vira-latas.
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