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Blog do Brasilianismo

João Gilberto ajudou a promover o soft power e a imagem do Brasil no mundo

Daniel Buarque

08/07/2019 12h40

A ampla repercussão da morte de João Gilberto na imprensa internacional –como relatado no UOL no fim de semana– é um reflexo da importância do "pai da bossa nova" para a cultura brasileira e também para a forma como o país é visto no resto do mundo. João Gilberto ajudou a criar um dos maiores símbolos globais do país, gerando uma divulgação da cultura brasileira que impulsiona o soft power do Brasil até hoje.

Por mais que o samba (assim como o futebol e o carnaval) ainda seja um símbolo mais popular, um estereótipo mais forte do Brasil no resto do mundo, a bossa nova tem um apelo mais direcionado e talvez mais positivo para o país. A bossa nova é citada com frequência como uma das principais imagens do Brasil, e tem uma associação com uma percepção mais moderna do Brasil, uma música mais complexa. Em vez de ser a tradicional imagem de um país só de festas, é uma cultura mais sofisticada, delicada e cheia de nuances, que acaba sendo exportada com maior facilidade para o resto do mundo.

Em um fim de semana de junho, durante uma viagem pela Croácia, um dos dois únicos bares da pequena ilha Lokrum tocava bossa nova como trilha sonora durante uma tarde de sol. Semanas mais tarde, em um restaurante de Edimburgo, era bossa nova o som ambiente que embalava as refeições. Isso tudo é graças em grande parte a João Gilberto, que é reconhecido como um dos principais responsáveis pela criação desta expressão cultural brasileira.

Em seu livro "Poder Suave", que fala sobre o soft power do Brasil (e de outros países), o jornalista e pesquisador Franthiesco Ballerini dedica um capítulo à importância da bossa nova para esta força de persuasão internacional do Brasil. Segundo ele, trata-se do "ritmo nacional mais internacional até hoje".

Ballerini explica que a bossa nova foi o "ritmo que finalmente colocou a música popular brasileira na pauta de jornais e revistas nacionais e virou ritmo sedutor não só nos elevadores de hotel, mas em filmes de Hollywood, festas no Japão, bares de Angola e cafés da Austrália. Um poder suave original, sofisticado, que colocou o Brasil nas rádios do mundo inteiro".

E de fato, os principais jornais do mundo relataram a morte de João Gilberto indicando o quanto é grande a perda desse importante nome da cultura brasileira.

O New York Times explicou que o cantor e compositor era responsável por um estilo musical que se tornou "uma das principais exportações culturais" do Brasil. Ele "tornou-se o transmissor por excelência das harmonicamente e ritmicamente complexas, canções liricamente sutis da bossa nova."

"A música ganhou popularidade nos Estados Unidos, gerando sucessos pop e até uma moda de danças. Levou o Sr. Gilberto ao Carnegie Hall e levou a um Grammy, entregue a ele e ao saxofonista de jazz Stan Getz, por um esforço colaborativo que foi nomeado álbum do ano de 1964 e que produziu um enorme sucesso, 'The Girl From Ipanema"', diz o jornal.

Em um obituário, o jornal britânico The Guardian argumentou que "junto com o compositor Antônio Carlos 'Tom' Jobim, ele criou um novo estilo romântico e reflexivo no qual os ritmos do samba foram misturados com influências da cena americana 'cool jazz'. Como violonista, ele foi pioneiro em uma nova técnica que mesclou a depilação sincopada de acordes de violão com harmonias influenciadas pelo jazz e progressões de acordes, enquanto, como cantor, seu estilo era descontraído e discreto."

A bossa nova, complementa, surgiu como "um estilo novo, legal e sofisticado que refletia o otimismo do Brasil no começo dos anos 60 e inicialmente se tornou popular entre os fãs de música brasileira de classe média e alta. Então sua popularidade começou a se espalhar", diz.

Este lado mais moderno e sofisticado da cultura brasileira, espalhado como soft power do país no resto do mundo, tem grande importância para a posição do Brasil nas relações internacionais —especialmente em um momento em que a imagem do Brasil parece perder força.

Nos tempos atuais, em que a política gera questionamentos sobre a capacidade do Brasil de manter seu "poder suave", e enquanto o governo de Jair Bolsonaro enfrenta grandes críticas no resto do mundo, criando uma imagem muito negativa na imprensa estrangeira, a bossa nova continua sendo relevante para a percepção externa do país. A morte de João Gilberto, e sua repercussão internacional, lembram que o Brasil e sua cultura –base de grande parte deste soft power– vão além das questões políticas vividas pelo país.

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Sobre o Autor

Daniel Buarque vive em Londres, onde faz doutorado em relações internacionais pelo King's College London (em parceria com a USP). Jornalista e escritor, fez mestrado sobre a imagem internacional do país pelo Brazil Institute da mesma universidade inglesa. É autor do livro “Brazil, um país do presente - A imagem internacional do ‘país do futuro’” (Alameda Editorial) e do livreto “Brazil Now” da consultoria internacional Hall and Partners, além de outros quatro livros. Escreve regularmente para o UOL e para a Folha de S.Paulo, e trabalhou repórter do G1, do "Valor Econômico" e da própria Folha, além de ter sido editor-executivo do portal Terra e chefe de reportagem da rádio CBN em São Paulo.

Sobre o Blog

O Brasil é citado mais de 200 vezes por dia na mídia internacional. Essas reportagens e análises estrangeiras ajudam a formar o pensamento do resto do mundo a respeito do país, que tem se tornado mais conhecido e se consolidado como um ator global importante. Este blog busca compreender a imagem internacional do Brasil e a importância da reputação global do país a partir o monitoramento de tudo o que se fala sobre ele no resto do mundo, seja na mídia, na academia ou mesmo e conversas na rua. Notícias, comentários, análises, entrevistas e reportagens sobre o Brasil visto de fora.

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