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Blog do Brasilianismo

Decisão de museu de NY revela e reforça imagem negativa de Bolsonaro

Daniel Buarque

16/04/2019 10h21

A decisão do Museu de História Natural de Nova York de não mais sediar um evento da Câmara de Comércio Brasil-EUA em homenagem a Jair Bolsonaro, escolhido como "pessoa do ano", é um dos mais fortes índices do quanto a imagem internacional do presidente brasileiro é controversa, marcada por fortes críticas.

Por mais que ele ainda vá ser homenageado pela organização que promove laços comerciais entre os dois países, a reputação negativa é evidente –e pesa contra o Brasil. Ela também acaba sendo reforçada ainda mais pela decisão do museu, que ganhou destaque nos principais jornais do mundo, ampliando a visibilidade do caso.

É fácil perceber o quanto a imagem de Bolsonaro é negativa na cobertura dos principais veículos da imprensa estrangeira desde antes mesmo da eleição dele. E o próprio presidente já se mostrou insatisfeito com isso ao decidir mudar embaixadores para tentar "vender" uma imagem mais positiva, contra a sua descrição como "racista, homofóbico e ditador".

A polêmica em torno do evento no museu e a decisão de rejeitar ser sede do evento em homenagem a Bolsonaro mostra o quanto essa imagem negativa realmente se espalhou nos Estados Unidos –e o quanto a cobertura da imprensa internacional é importante na formação dessa imagem do presidente e do país como um todo. Com imagem tão negativa, o Brasil perde força em sua tentativa de se colocar como um importante país em questões relevantes para a política internacional.

O jornal britânico The Guardian diz isso claramente na reportagem sobre a decisão do museu de Nova York. "O Brasil tem sido saudado como um líder global em soft power e, nos últimos anos, também emergiu como um respeitado país na luta contra o aquecimento global. Mas, sob Bolsonaro –que conquistou uma vitória esmagadora em casa no ano passado, mas é visto com desdém generalizado no exterior–, isso parece mudar dramaticamente, e muitos veem o novo líder radical do Brasil como um pária".

Na sexta (12), o prefeito de Nova York, o democrata Bill de Blasio, pediu ao museu que não recebesse Bolsonaro e criticou seu discurso sobre a Amazônia e o que considera ser posições homofóbicas e racistas do presidente. A homenagem, disse "vai além de uma mera ironia e chega a ser uma contradição chocante. Esse cara é um ser humano muito perigoso", disse o prefeito.

Depois de o museu publicar, no fim de semana, que queria "deixar claro que não convidou o Presidente Bolsonaro; ele foi convidado como parte de um evento externo", nesta segunda (15), foi anunciado que não sediaria mais a cerimônia. "Com respeito mútuo pelo trabalho e pelos objetivos da nossa organização individual, decidimos conjuntamente que o Museu não é a locação ideal para o jantar de gala da Câmara de Comércio Brasil-EUA. Este tradicional evento será direcionado para outra locação na data e horário originais."

"O anúncio [do cancelamento do museu] foi feito após dias de críticas de que uma instituição proeminente dedicada à natureza e à ciência serviria como uma plataforma para reconhecer alguém que propôs a desregulamentação ambiental e a abertura de mais florestas amazônicas para a mineração e o agronegócio", diz um texto do jornal The New York Times nesta terça (16).

"O planejamento do evento irritou alguns funcionários do museu, e outros que disseram que uma instituição dedicada a preservar a natureza não deveria sediar o político. Bolsonaro tem sido criticado por favorecer a mineração na Floresta Amazônica brasileira, bem como a extração de madeira e a exploração de combustíveis fósseis", explica reportagem da Associated Press.

O jornal francês Le Monde noticiou a decisão do museu e ressaltou que vem publicando críticas à postura de Bolsonaro em relação ao ambiente. "Em um artigo publicado em abril no Monde, catorze representantes de povos indígenas do Brasil denunciaram a política ambiental de Bolsonaro, acreditando que estavam à beira de um 'apocalipse'", diz o jornal.

Reportagem da Folha sobre o cancelamento explicou que a cerimônia de premiação está marcada para 14 de maio, e deve ocorrer em outro local. "Todos os anos, a Câmara de Comércio Brasil-Estados Unidos escolhe duas personalidades, uma americana e outra brasileira, e as homenageia diante de cerca de mil convidados, com entradas ao preço individual de US$ 30 mil. O nome do americano homenageado neste ano ainda não foi divulgado."

Em comunicado divulgado em fevereiro, a Câmara diz que a escolha de Bolsonaro como pessoa do ano é um "reconhecimento de sua intenção fortemente declarada de fomentar laços comerciais e diplomáticos mais próximos entre Brasil e EUA e seu firme comprometimento em construir uma parceria forte e duradoura entre as duas nações."

O prêmio reflete o lado positivo da imagem de Bolsonaro logo após a eleição, quando chegou a ser apontado pelo Wall Street Journal como o maior vencedor de 2018. O Mercado e investidores internacionais viram sua eleição sob um prisma mais positivo, acreditando em um governo mais liberal e conservador na economia.

Mesmo esta imagem positiva, entretanto, está ameaçada desde que ele assumiu o poder. O primeiro baque veio pela dificuldade do governo em avançar com a reforma da Previdência, vista como essencial para a economia brasileira, mas que avança lentamente. Na última semana, a situação piorou ainda mais quando o presidente decidiu intervir na política de preços da Petrobras. A agência de notícias Bloomberg publicou um texto avaliando que as credenciais de Bolsonaro como um liberal favorável ao Mercado estavam sendo questionadas, o que pode danificar sua imagem internacional ainda mais.

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Sobre o Autor

Daniel Buarque vive em Londres, onde faz doutorado em relações internacionais pelo King's College London (em parceria com a USP). Jornalista e escritor, fez mestrado sobre a imagem internacional do país pelo Brazil Institute da mesma universidade inglesa. É autor do livro “Brazil, um país do presente - A imagem internacional do ‘país do futuro’” (Alameda Editorial) e do livreto “Brazil Now” da consultoria internacional Hall and Partners, além de outros quatro livros. Escreve regularmente para o UOL e para a Folha de S.Paulo, e trabalhou repórter do G1, do "Valor Econômico" e da própria Folha, além de ter sido editor-executivo do portal Terra e chefe de reportagem da rádio CBN em São Paulo.

Sobre o Blog

O Brasil é citado mais de 200 vezes por dia na mídia internacional. Essas reportagens e análises estrangeiras ajudam a formar o pensamento do resto do mundo a respeito do país, que tem se tornado mais conhecido e se consolidado como um ator global importante. Este blog busca compreender a imagem internacional do Brasil e a importância da reputação global do país a partir o monitoramento de tudo o que se fala sobre ele no resto do mundo, seja na mídia, na academia ou mesmo e conversas na rua. Notícias, comentários, análises, entrevistas e reportagens sobre o Brasil visto de fora.

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