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Diplomacia de Bolsonaro ameaça isolar o Brasil no mundo, diz pesquisadora

Daniel Buarque

10/04/2019 04h00

Para Mathilde Chatin, doutora em relações internacionais pelo King's College London, a mudança na identidade internacional do Brasil e o afastamento dos princípios consagrados da política externa brasileira, que constituem a base do seu soft power, podem afetar a imagem do país, que assume o risco de se isolar no cenário internacional

Em cem dias de governo, o presidente Jair Bolsonaro e seu ministro de Relações Exteriores, Ernesto Araújo, deixaram clara a mudança nas prioridades e na agenda de política externa do Brasil em uma série de medidas, viagens e declarações públicas. Para a pesquisadora francesa Mathilde Chatin, a mudança na agenda diplomática ameaça o que Brasil construiu ao longo de décadas e pode isolar o país no mundo.

"A alteração da identidade internacional do Brasil e o afastamento dos princípios consagrados da política externa brasileira, que constituem a base do soft power do Brasil, podem afetar a imagem do país, que assume o risco de se isolar no cenário internacional", disse Chatin, que é doutora em relações internacionais pelo King's College London, em entrevista ao blog Brasilianismo.

Segundo a pesquisadora, a política externa de maior ativismo, visibilidade e autonomia dos anos 2000 conseguiu projetar o Brasil como uma potência, mas isso pode se perder pela atual política.

Em entrevista concedida ao Brasilianismo em julho de 2017, Chatin já avaliava a retração da presença brasileira no cenário global nos últimos anos e o encolhimento da diplomacia do Itamaraty, explicando que se tratava de um reflexo de perda de força do Brasil no exterior por conta das crises no país. A atual mudança na postura do Brasil, explicou, fragiliza ainda mais sua capacidade de se apresentar como mediador e afeta sua projeção como um ator de peso dentro do sistema de segurança internacional.

Chatin escreveu um artigo acadêmico (ainda não publicado) sobre a reaproximação das relações entre Brasil e Estados Unidos. Para ela, ao alinhar sua política externa com a dos EUA, o Brasil pode restringir o escopo dos seus parceiros, limitar sua autonomia e independência e perder sua margem de manobra na definição da sua política externa.

A pesquisadora Mathilde Chatin

Brasilianismo – O governo Bolsonaro começou há apenas três meses, mas já indica grandes mudanças na política externa brasileira. Qual a sua interpretação sobre a guinada diplomática do novo governo?
Mathilde Chatin – Jair Bolsonaro construiu sua identidade política em função de um discurso que promove uma mudança radical na política externa brasileira para, segundo ele, distanciá-la do viés ideológico ao qual esteve submissa durante os governos da esquerda "petista". De fato, a política externa conduzida pelo governo Bolsonaro já marcou uma ruptura com as administrações anteriores. Até certo ponto, Bolsonaro também mostrou que está se afastando de certas diretrizes e características duradouras da tradição diplomática brasileira, tal como a preferência pelo multilateralismo e o legalismo, a resolução pacífica dos conflitos, a não-interferência e o respeito à soberania.

Brasilianismo – Parte da mudança trazida pelo novo governo rompe com o que os governos do PT buscavam, mas uma parcela da nova política externa também se afasta de uma tradição histórica do Itamaraty. Que impactos de longo prazo podem ter as mudanças trazidas por Bolsonaro para a política externa?
Mathilde Chatin – Dentro das organizações internacionais, o fato de o Brasil não cumprir seus compromissos terá um impacto sobre a sua credibilidade como um parceiro confiável dentro do sistema multilateral. O Brasil retirou sua oferta de sediar a próxima Conferência das Partes (COP-25) em 2019, anunciou sua saída do Pacto Global para a Migração das Nações Unidas (ONU), assinada em dezembro de 2018, oito dias depois da posse de Bolsonaro e foi o único entre 48 países a votar contra a convenção da Organização Internacional do Trabalho (OIT) sobre os povos indígenas em março de 2019.

Além disso, abandonar o conceito de não ingerência dentro dos assuntos internos na América do Sul, como foi o caso na resolução da crise democrática na Venezuela, cria preocupação nos países vizinhos. Renunciar a uma posição neutra na resolução de conflitos, como mostra o posicionamento do Brasil em favor do líder do governo de transição Juan Guaidó, fragiliza sua capacidade de se apresentar como mediador, bem como sua projeção como um ator de peso dentro do sistema de segurança internacional.

Brasilianismo – Que impactos essa mudança na diplomacia pode ter para o status internacional do Brasil?
Mathilde Chatin – A política externa de maior ativismo, visibilidade e autonomia dos anos 2000 tinha projetado o Brasil como uma potência reconhecida no cenário internacional. O Brasil pode acabar perdendo os benefícios obtidos por essa política, os quais já foram enfraquecidos pela crise econômica e política que o país sofreu nos últimos anos.

Brasilianismo – Que efeitos você acha que Bolsonaro tem sobre a percepção internacional sobre o Brasil? Harold Trinkunas, do Brookings, chegou a falar em riscos ao soft power do Brasil. O que acha disso?
Mathilde Chatin – A alteração da identidade internacional do Brasil e o afastamento dos princípios consagrados da política externa brasileira, que constituem a base do soft power do Brasil, podem afetar a imagem do país, que assume o risco de se isolar no cenário internacional.

Já mencionei essa citação do Embaixador Celso Amorim numa entrevista dada anteriormente e veiculada por esse mesmo blog, que é adequada também nesse caso. Afirmando que o "Brasil não pode desperdiçar seu soft power", ele alertou: "Você não pode decepcionar, porque aquilo que você leva dez anos para criar – uma confiança, uma relação – você, com um ato, pode perder. Depois pode recuperar, mas dá muito trabalho recuperar".

Brasilianismo – Como vê o maior alinhamento do Brasil aos Estados Unidos de Donald Trump?
Mathilde Chatin – O alinhamento com os EUA, que se traduz na implementação por Bolsonaro de medidas inspiradas no "Trumpismo", é o resultado de uma proximidade ideológica entre os dois chefes de estado da direita conservadora atualmente no poder, Bolsonaro e Trump.

Isso pode ser ilustrado por ações simbólicas de Bolsonaro em relação a Israel. Trump transferiu a Embaixada americana de Tel Aviv a Jerusalém; Bolsonaro também declarou que ia transferir a Embaixada brasileira, antes de anunciar a abertura de um escritório comercial durante sua visita oficial no final de março de 2019. Além disso, Trump em 2017 e Mike Pompeo, Secretário de Estado americano, em março de 2019, visitaram a Basílica do Santo Sepulcro e o Muro das Lamentações em Jerusalém-Est, nos territórios ocupadas por Israel. Bolsonaro também visitou esses monumentos durante a viagem dele. Esses eventos refletem o alinhamento com a visão política dos EUA de Trump

Brasilianismo – Acha que há riscos no alinhamento automático com os Estados Unidos?
Mathilde Chatin – Ao alinhar sua política externa com a dos EUA, o Brasil pode restringir o escopo dos seus parceiros, limitar sua autonomia e independência alcançadas em relação às grandes potências e perder sua margem de manobra na definição da sua política externa. Tendo em vista a realidade econômica, em sua aproximação com os EUA o Brasil não pode ignorar o peso econômico da China, primeiro parceiro comercial do Brasil. Com efeito, por causa dessa aliança, optar por posições que não seriam necessariamente do melhor interesse do país. Também, fazer escolhas que não sejam alinhadas à sua tradição diplomática, como entre outras o abandono da equidistância no conflito entre Israel e Palestina.

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Sobre o Autor

Daniel Buarque vive em Londres, onde faz doutorado em relações internacionais pelo King's College London (em parceria com a USP). Jornalista e escritor, fez mestrado sobre a imagem internacional do país pelo Brazil Institute da mesma universidade inglesa. É autor do livro “Brazil, um país do presente - A imagem internacional do ‘país do futuro’” (Alameda Editorial) e do livreto “Brazil Now” da consultoria internacional Hall and Partners, além de outros quatro livros. Escreve regularmente para o UOL e para a Folha de S.Paulo, e trabalhou repórter do G1, do "Valor Econômico" e da própria Folha, além de ter sido editor-executivo do portal Terra e chefe de reportagem da rádio CBN em São Paulo.

Sobre o Blog

O Brasil é citado mais de 200 vezes por dia na mídia internacional. Essas reportagens e análises estrangeiras ajudam a formar o pensamento do resto do mundo a respeito do país, que tem se tornado mais conhecido e se consolidado como um ator global importante. Este blog busca compreender a imagem internacional do Brasil e a importância da reputação global do país a partir o monitoramento de tudo o que se fala sobre ele no resto do mundo, seja na mídia, na academia ou mesmo e conversas na rua. Notícias, comentários, análises, entrevistas e reportagens sobre o Brasil visto de fora.

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