'Tribalismo hostil' prejudica posição do Brasil no mundo, diz especialista
Para o consultor britânico Simon Anholt, especialista em imagens internacionais de países, o Brasil precisa desempenhar um papel efetivo de colaboração com outras nações a fim de reconstruir sua confiança e credibilidade em todo o mundo. "Precisa ser um bom país, não apenas um país poderoso", defendeu.
A viagem do presidente Jair Bolsonaro a Israel consolidou uma mudança prometida desde a eleição dele no perfil da política externa brasileira. A partir do início deste ano, o país parece ter invertido suas prioridades, deixando de lado a posição de nação conciliadora e defensora do multilateralismo e de causas ambientais para passar a se alinhar aos Estados Unidos e a assumir uma postura mais agressiva em sua diplomacia.
Segundo Simon Anholt, consultor britânico especialista em imagem internacional de países, essa mudança é perigosa para a projeção do Brasil no resto do mundo.
"Esse tribalismo hostil, competitivo e de autopromoção só pode prejudicar a posição internacional do Brasil nos próximos anos", disse Anholt em entrevista ao blog Brasilianismo.
"Bolsonaro deveria entender que, na era em que vivemos, a colaboração é o comportamento mais competitivo que qualquer nação pode ter", explicou.
Anholt tem experiência em analisar a percepção do mundo sobre o Brasil. Ele foi responsável pela criação do termo "nation branding", usado para designar estudos que avaliam a imagem internacional de diferentes países como se fossem marcas (depois adaptado para se chamar "competitive identity" – identidade competitiva). Ele desenvolveu um dos principais levantamentos globais para medir essas imagens de nações (o Nation Brands Index) e prestou consultoria a vários governos sobre formas de melhorar a imagem dos seus países. Atualmente, seu principal projeto é outro, o Good Country Index, em que promove a ideia de que os países precisam ter uma postura positiva para todo o planeta.
"O que o Brasil precisa fazer para reconstruir sua confiança e credibilidade em todo o mundo é começar a desempenhar um papel efetivo e de princípios na comunidade das nações –algo que é bem capaz de fazer– competir um pouco menos e colaborar muito mais. Precisa ser um bom país, não apenas um país poderoso", defendeu.
"Se eu sei alguma coisa sobre os brasileiros, acho que eles ficarão muito mais orgulhosos de um Brasil (e de um presidente) que apoie a comunidade internacional e promova o interesse de toda a humanidade e de todo o planeta com coragem e imaginação, ao invés de um Brasil que constantemente tenta promover seus próprios interesses às custas dos demais", disse.
Apesar da avaliação crítica, Anholt se baseia na análise de dados de mais de uma década de estudos sobre imagens para indicar que o impacto de uma percepção internacional negativa de Bolsonaro dificilmente pode afetar no longo prazo a projeção positiva do Brasil no resto do mundo.
"É certamente verdade que um Mandela, um Churchill, um Lincoln, um Gandhi ou até mesmo uma Merkel podem, com o tempo, levantar a posição internacional de um país. Até certo ponto, o oposto também é verdadeiro: Hitler e Stálin arruinaram a posição da Alemanha e da Rússia por gerações. Mas um presidente precisaria ser notoriamente horrível (ou surpreendentemente santo) para alterar a imagem de seu país em um único mandato, especialmente se o país já tiver uma imagem internacional razoavelmente bem estabelecida. A imagem do Brasil permanece um pouco melhor do que a realidade do país, e isso efetivamente protege o país de uma série de maus comportamentos e episódios negativos. A Copa do Mundo e as Olimpíadas causaram sérios danos à imagem do país, mas provavelmente esses danos não durarão muito tempo", explicou.
O consultor avaliou ainda a decisão de Bolsonaro de substituir embaixadores brasileiros para tentar combater a imagem de "ditador" que é projetada na imprensa internacional. Segundo ele, a ação parece "muito insensata".
"É sempre preocupante quando um chefe de Estado começa a falar sobre si mesmo e sobre o Estado como se fossem a mesma coisa", explicou Anholt.
"Se ele anuncia publicamente que está nomeando novos diplomatas apenas com base na eficácia com que eles 'vendem' sua imagem, será quase impossível para eles ganhar qualquer confiança ou credibilidade com outros diplomatas em todo o mundo. Eles serão simplesmente considerados pelos seus pares como propagandistas do presidente, e serão educadamente ignorados. Confiança e credibilidade são a base da diplomacia, e Bolsonaro corre o risco de criar um serviço estrangeiro que ninguém escuta: a última coisa que o Brasil precisa nesse momento turbulento de sua história", disse.
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