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Tragédias afetam desenvolvimento mais que regulamentações, diz pesquisadora

Daniel Buarque

29/01/2019 06h16

A cientista política americana Kathryn Hochstetler não ficou surpresa ao ficar sabendo da tragédia ocorrida após o rompimento de uma barragem da Vale em Brumadinho. Após passar anos estudando questões relacionadas ao licenciamento ambiental no Brasil, a professora de desenvolvimento internacional da London School of Economics diz que já conhecia bem os riscos de eventos assim.

Em entrevista ao blog Brasilianismo, ela defendeu que o impacto do rompimento deve servir para que a lição não aprendida depois do desastre de Mariana, em 2015, dessa vez seja assimilada pelo país: calamidades deste tipo atrapalham mais o desenvolvimento do país do que regulamentações que limitam a exploração, explicou.

"Na perspectiva internacional, há um entendimento amplo de que é mais caro esperar pelo acidente do que tentar evitá-lo de antemão, e é de se esperar que regulamentações do governo ajudem a evitar acidentes", disse.

O argumento é considerado extremamente importante por conta do momento político do país. A tragédia em Brumadinho ocorreu menos de um mês depois da posse de Jair Bolsonaro como presidente. Em dezembro, antes de tomar posse, Bolsonaro declarou que pretendia revogar regulamentações em todos os setores do país. "Só servem para arrecadação e entraves de desenvolvimento, sem nenhum retorno prático ao cidadão", afirmou.

Hochstetler diz, entretanto, que esta interpretação é equivocada. "Regulamentações na verdade ajudam o desenvolvimento. Elas levam a analisar os custos dos projetos, os riscos, as melhores formas de garantir a segurança, alternativas, a melhor forma de reduzir riscos. Estas são questões que fazem parte do licenciamento ambiental", explicou.

Segundo ela, a tragédia em Brumadinho vai ser a primeira oportunidade real de saber como vai ser o governo de Bolsonaro. "Sabemos o que ele disse durante a campanha, mas acho que a tragédia de Brumadinho vai ser o evento mais informativo para sabermos como ele vai governar, e saber se ele consegue aprender com as lições de um caso assim. Acho difícil que alguém possa ver este episódio e achar que está tudo bem."

Autora do livro "Greening Brazil: Environmental Activism in State and Society", sobre o ativismo ambiental no país, ela avalia que, no exterior, a tragédia se associa negativamente não à penas à Vale, mas à imagem do Brasil como um todo. "Não é um problema só da Vale. Todas as empresas e o governo têm que olhar para as práticas cotidianas para avaliar se elas são adequadas para proteger o ambiente e as comunidades", disse. "O impacto da tragédia é de que é hora de o governo brasileiro pensar sobre seu processo de licenciamento e monitoramento dessas mineradoras."

Leia abaixo a entrevista completa abaixo

Pergunta – A senhora trabalha com pesquisas de desenvolvimento e licenciamento ambiental no Brasil. Uma tragédia como a de Brumadinho surpreende?
Kathryn Hochstetler – Não foi uma surpresa, pois venho observando o licenciamento ambiental e questões assim há bastante tempo.

O que me impressionou foi saber que o Estado de Minas Gerais na verdade acelerou o processo de licenciamento ambiental, e que em dezembro houve questionamentos sobre o que estava acontecendo lá, preocupação com essas barragens. Me parece que podemos olhar para o que aconteceu e pensar que o processo de licenciamento ambiental no Brasil não precisa ser acelerado. Talvez ele precise ser mais lento, para levar em consideração riscos assim para as comunidades locais e o ambiente.

Pergunta – Olhando de fora, a tragédia de Brumadinho é algo que está ligado à percepção da Vale, como empresa responsável, ou do Brasil, como país que teve duas tragédias tão grandes em tão pouco tempo?
Kathryn Hochstetler – Por conta do foco que a tragédia está gerando na questão da vigilância e do impacto ambiental, e do fato de que esta represa recebeu liberação para operar em dezembro, acho que a percepção externa é de que é hora de o governo brasileiro pensar sobre seu processo de licenciamento e monitoramento dessas mineradoras.

Desde 2003 houve pelo menos 15 esforços no Congresso para tornar o licenciamento ambiental mais rápido e mais simples, e há um impulso político nos últimos 15 anos na direção de um licenciamento ambiental mais fácil. Casos como essas tragédias levam a pensar que o Brasil não precisa tornar o licenciamento ambiental mais fácil. Então acho que não é um problema só da Vale. Todas as empresas e o governo têm que olhar para as práticas cotidianas para avaliar se elas são adequadas para proteger o ambiente e as comunidades.

Pergunta – Acha que as regulamentações ambientais do Brasil são pouco eficientes?
Kathryn Hochstetler – Na verdade o licenciamento ambiental do Brasil é muito bom em comparação com o restante da América Latina. Publiquei um estudo comparando isso em todo o continente, e é evidente que as regulamentações brasileiras são as mais fortes da região. Acho que o licenciamento no Brasil é forte, mas obviamente não está sendo totalmente eficiente. Além disso, há uma questão de nível de licenciamento. Esta avaliação foi feita comparando o que o nível nacional, e o problema é que muitos dos licenciamentos ocorrem no nível estadual, e isso varia muito de estado para estado, e aparentemente Minas Gerais vinha acelerando seu licenciamento. Seria importante analisar mais cuidadosamente o licenciamento que ocorre no nível estadual para evitar problemas e falhas deste tipo.

Pergunta – Acha que a tragédia de Brumadinho e sua repercussão global podem influenciar a forma como o governo e as empresas veem as regulamentações ambientais no país?
Kathryn Hochstetler – Um caso como este precisa fazer as pessoas pensarem mais sobre as regulamentações. Se você é uma empresa como a Vale, que também tem várias atividades internacionais em diferentes países, é importante levar em consideração a segurança. As empresas estão tentando economizar dinheiro, mas também precisam estabelecer sua reputação. E sei que às vezes parece que o mais simples seria não ter essas regulamentações, que são problemáticas, mas na verdade é mais barato e mais fácil para a Vale evitar esse tipo de problemas do que ter duas catástrofes tão grandes em tão pouco tempo. Isso sai muito caro para uma empresa. Então eu diria que, se eu fosse a Vale, o que eu estaria perguntando neste momento seria o quão rapidamente poderíamos fazer um trabalho sério de análise de todas as nossas barragens. Este caso sugere que há um problema nas práticas tradicionais, e assim não esperaríamos este tipo de evento, que deveria ser raridade, acontecer um par de vezes em tão pouco tempo.

Não é que outras mineradoras do Brasil possam pensar que estão livres de problemas. Elas deveriam estar vendo a experiência da Vale e pensando que talvez elas devessem estar analisando suas próprias barragens.

Na perspectiva internacional há um entendimento amplo de que é mais caro esperar pelo acidente do que tentar evitá-lo de antemão, e é de se esperar que regulamentações do governo ajudem a evitar acidentes. Mas se as regulamentações do governo não forem tão fortes quanto deveriam ser, e a supervisão não vier de fora, então cabe às empresas como à Vale ficar adiante das regulamentações.

Não sei se isso é o que vai acontecer de fato, mas quando olhamos para a perda de valor da Vale na Bolsa, o dinheiro que o governo está cobrando da empresa, são questões que saem muito caras. Comparado com elas, o preço de proteger as barragens é baixo.

Pergunta – Analistas indicam que o impacto da tragédia para a Vale é mais de imagem do que de perda de valor. Acha que a preocupação com a imagem poderia ser suficiente para levar as empresas a se preocuparem com a segurança das barragens, então?
Kathryn Hochstetler – Sim. Claro que precisamos levar as vítimas que morreram e o impacto ambiental muito, muito a sério, mas além disso, da perspectiva da empresa, é preciso ver que a imagem dela não é algo que está fora do reino dos custos da empresa, fora do mercado. O acesso a mercados, a abertura de governos de outros países para a entrada da Vale para desenvolver novos projetos, tudo isso tem custo, então imagem não é só algo superficial, mas uma grande vantagem de negócios.

Pergunta – As tragédias podem levar Bolsonaro a repensar sua plataforma de defesa de menor regulamentação?
Kathryn Hochstetler – Esta vai ser a primeira oportunidade real de saber como vai ser o governo de Bolsonaro. Sabemos o que ele disse durante a campanha, defendendo a aceleração do licenciamento, e sabemos que logo no começo do governo ele tomou medidas que reduziram as proteções ambientais, mas acho que a tragédia de Brumadinho vai ser o evento mais informativo para sabermos como ele vai governar, e saber se ele consegue aprender com as lições de um caso assim. Acho difícil que alguém possa ver este episódio e achar que está tudo bem. Ele parece estar levando o caso muito a sério, e foi à região imediatamente. Não sei o que ele vai fazer, mas acho que o comportamento dele vai nos dizer muito sobre como vai ser seu governo.

Pergunta – A pressão externa pode ter algum efeito neste sentido?
Kathryn Hochstetler – Dependendo da forma como acontecer. Não acho que vá ter efeito de uma pressão externa direta, mas a pressão sobre atores específicos sem dúvida tem efeito. Vimos isso quando ele falou em juntar os ministérios do Meio Ambiente e da Agricultura, e foi o agronegócio que rejeitou, percebendo que não poderia manter negociações com a Europa. Há brasileiros que fazem parte da base de apoio dele que percebem este tipo de importância da relação com outros países, e que vão agir de acordo.

Pergunta – Você disse que não ficou surpresa de ver a tragédia ocorrer. Que risco de novos rompimentos de barragens acha que ainda existe no Brasil hoje? Acha que o país vai aprender algo de duas tragédias assim?
Kathryn Hochstetler – Sim. Esta é uma forma de aprender. Estes são eventos de baixa probabilidade. Por mais que o ideal seja de não ocorrer nunca nada assim, há centenas de barragens no país, então o rompimento de duas não é um número tão grande. Ainda assim, vemos claramente que os custos humanos e ambientais de algo assim são muito altos. Então a esperança é que isso seja o suficiente para gerar alertas e uma maior fiscalização em barragens em todo o país.

Pergunta – Por mais que exista o discurso de que as regulamentações afetam o desenvolvimento, poderíamos dizer então que problemas assim atrapalham o desenvolvimento ainda mais?
Kathryn Hochstetler – Certamente. Regulamentações na verdade ajudam o desenvolvimento. A premissa do que ensino na LSE é exatamente esta. Claro que há regulamentações que são desnecessárias, mas de forma geral, elas devem facilitar o desenvolvimento, e não atrapalhar. E isso já vinha acontecendo no Brasil. As regulamentações levam a analisar os custos dos projetos, os riscos, as melhores formas de garantir a segurança, alternativas, a melhor forma de reduzir riscos. Estas são questões que fazem parte do licenciamento ambiental.

Nada pode ser feito sem causar nenhum impacto. Às vezes alguns ambientalistas falam como se houvesse opções de desenvolvimento sem nenhum impacto, e acho que isso é raro. O objetivo deve ser minimizar os impactos e pensar sobre a contribuição de um projeto ao desenvolvimento. O licenciamento ambiental no Brasil tem levantado essas questões, e precisa continuar fazendo.

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Sobre o Autor

Daniel Buarque vive em Londres, onde faz doutorado em relações internacionais pelo King's College London (em parceria com a USP). Jornalista e escritor, fez mestrado sobre a imagem internacional do país pelo Brazil Institute da mesma universidade inglesa. É autor do livro “Brazil, um país do presente - A imagem internacional do ‘país do futuro’” (Alameda Editorial) e do livreto “Brazil Now” da consultoria internacional Hall and Partners, além de outros quatro livros. Escreve regularmente para o UOL e para a Folha de S.Paulo, e trabalhou repórter do G1, do "Valor Econômico" e da própria Folha, além de ter sido editor-executivo do portal Terra e chefe de reportagem da rádio CBN em São Paulo.

Sobre o Blog

O Brasil é citado mais de 200 vezes por dia na mídia internacional. Essas reportagens e análises estrangeiras ajudam a formar o pensamento do resto do mundo a respeito do país, que tem se tornado mais conhecido e se consolidado como um ator global importante. Este blog busca compreender a imagem internacional do Brasil e a importância da reputação global do país a partir o monitoramento de tudo o que se fala sobre ele no resto do mundo, seja na mídia, na academia ou mesmo e conversas na rua. Notícias, comentários, análises, entrevistas e reportagens sobre o Brasil visto de fora.

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