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Blog do Brasilianismo

Eleição de Bolsonaro marca fim da narrativa externa de ascensão do Brasil

Daniel Buarque

19/11/2018 08h02

Ilustração da revista 'The Economist' sobre crise no Brasil

A narrativa internacional sobre a ascensão global do Brasil, tão bem representada pela famosa capa da revista "The Economist" mostrando o Cristo Redentor decolando como um foguete, chegou ao fim.

Apesar da instabilidade política dos últimos anos e da grave crise econômica vivida pelo país, a eleição de Jair Bolsonaro para a Presidência pode ser interpretada como o marco representativo que confirma o encerramento desse ciclo, segundo avaliação do pesquisador chileno César Jiménez-Martínez, da Loughborough University, no Reino Unido.

O pesquisador chileno César Jiménez-Martínez

"A narrativa específica do Brasil como país em ascensão, pelo menos na forma como estava associada a Lula e ao PT, significando não apenas ter sucesso economicamente, mas também ter avanços sociais e relativa estabilidade política, acabou", disse Jiménez-Martínez em entrevista ao blog Brasilianismo. Segundo ele, Bolsonaro não deve ser interpretado como uma falha no sistema político brasileiro, mas como a confirmação do fim do ciclo de ascensão do país.

Autor de uma tese de doutorado na London School of Economics sobre os protestos de Junho de 2013 no Brasil, já havia indicado que a onda de manifestações havia começado a transformar a imagem internacional do país, quebrando a percepção externa sobre o Brasil como um grande caso de sucesso. Agora, diz, o ciclo chegou ao fim.

As disputas sobre a imagem dos protestos e do próprio Brasil foram estudadas em detalhes em sua tese "Nationhood, Visibility and the Media: The Struggles for and over the Image of Brazil during the June 2013 Demonstrations" (algo como "nacionalidade, visibilidade e mídia: as lutas por e sobre a imagem do Brasil durante os protestos de junho de 2013").

O pesquisador rejeita, entretanto, a ideia de que as chamadas Jornadas de Junho tenham sido responsáveis pelo movimento que levou à eleição de Bolsonaro. "É mais apropriado ver os protestos de 2013 como a expressão visível de uma crise política, social e econômica que estava se aproximando no Brasil. Os protestos foram uma manifestação desses problemas e da impossibilidade do Estado brasileiro de resolvê-los", disse.

Jiménez-Martínez apresenta na noite desta terça-feira (20) uma palestra sobre sua pesquisa acadêmica no ciclo de seminários do Brazil Institute, do King's College de Londres (Clique aqui para ver detalhes). 

Na entrevista abaixo, ele fala ainda sobre a atenção que os brasileiros dão à mídia internacional, sobre como o consenso da imprensa estrangeira contra Bolsonaro não teve influência sobre o resultado das eleições e sobre o papel da imprensa dentro de fora do Brasil durante o governo do próximo presidente do país.

Brasilianismo – Em sua tese de doutorado, você argumenta que a mídia internacional é usada para legitimar a posição política dos brasileiros, reforçando seu ponto de vista com apoio externo. A imprensa estrangeira tem criticado muito Bolsonaro desde sua campanha, mas não parece ter tido qualquer efeito sobre o resultado da eleição. Você acha que alguma coisa mudou no papel da mídia estrangeira na política interna do Brasil? Os brasileiros deixaram de se interessar pela imagem do país no exterior?
César Jiménez-Martínez – Há várias coisas em jogo aqui. O primeiro ponto refere-se ao fato de que é verdade que mais brasileiros têm acesso à mídia estrangeira. No passado, você pode ter lutado para conseguir algumas edições atrasadas do "New York Times" ou da "Economist" em um quiosque da Avenida Paulista. Hoje em dia você pode acessar essas publicações diretamente, às vezes assim que eles são publicadas. E, no entanto, as pessoas interessadas em ler os meios de comunicação estrangeiros fazem parte de uma elite intelectual, política ou econômica. Para a maioria dos brasileiros, as mídias nacionais e locais são –ou eram– sua principal fonte de informação. Assim, os relatos da mídia estrangeira sobre o Brasil que atingiram a maioria das pessoas eram, na verdade, filtrados e interpretados pela mídia nacional ou local.

Em segundo lugar, e relacionado ao ponto anterior, uma das questões mais marcantes da eleição presidencial passada foi colocar em questão a centralidade da mídia nacional para a política e a sociedade como um todo. Esse fenômeno não é inteiramente novo, é claro, e tem havido anos de críticas e discussões sobre uma crise de representatividade, em relação a como as pessoas não se veem e não veem o Brasil que elas vivenciam em suas vidas cotidianas, retratados nos meios de comunicação. E, no entanto, é significativo que um dos principais componentes da campanha presidencial de Bolsonaro tenha sido a crítica que ele dirigiu a algumas organizações nacionais de mídia, bem como o fato de que ele não participou dos debates presidenciais na televisão nacional. O conhecimento tradicional era de que participar desses debates era necessário para vencer as eleições presidenciais, mas isso não era o caso. Assim, a campanha presidencial expôs uma mudança no poder percebido e na centralidade social da mídia tradicional no Brasil, que deve ser mais pesquisada. Isso não significa que a mídia tradicional não seja mais relevante. Embora muitas pessoas tenham obtido suas informações por meio do WhatsApp ou do Facebook, elas ainda contavam com ou compartilhavam conteúdo produzido por organizações de mídia legadas, mesmo que fosse para criticá-lo ou acusá-lo de ser uma notícia falsa.

O terceiro ponto e relacionado é o fato de que parece que alguns brasileiros ainda se preocupam com a forma como seu país é retratado na mídia estrangeira. Nos últimos dias, alguns correspondentes estrangeiros compartilharam suas experiências em mídias sociais e postagens em blogs sobre como alguns brasileiros acham que a mídia estrangeira é muito dura com relação a Bolsonaro. Essa é uma evidência de que a cobertura externa ainda importa internamente, que as pessoas ainda celebram ou reclamam como "o mundo vê o Brasil".

Ao mesmo tempo, é altamente significativo que em um de seus últimos discursos como candidato, Bolsonaro tenha dito que 'o Brasil será respeitado lá fora. O Brasil não será mais motivo de chacota junto ao mundo'. Essa é uma evidência de que a percepção estrangeira do Brasil ainda é motivo de preocupação, o fato de que Bolsonaro promete que o Brasil não será uma piada, e o mundo a levará a sério.

Brasilianismo – Por que você acha que houve um consenso tão claro contra o Bolsonaro na mídia estrangeira? Quais interesses podem estar ligados a essa posição editorial?
César Jiménez-Martínez – Como muitas coisas na vida, isso tem a ver com muitos fatores individuais, institucionais e socioculturais. A história pessoal e política de Bolsonaro, suas declarações passadas sobre minorias, assim como seus ataques a jornalistas e organizações de mídia, são fatores significativos para entender isso.

Muitos dos discursos de Bolsonaro podem ser interpretados como se contrapondo a vários ideais e valores pelos quais muitos jornalistas afirmam ser guiados –independentemente do quanto eles realmente os ponham em prática– sobre autonomia e liberdade de imprensa.

Ao mesmo tempo, há preocupação com a ascensão do populismo e do nacionalismo extremista em um nível global. Assim, para várias organizações de mídia estrangeiras, Bolsonaro é visto como outro caso, e muito importante, de uma tendência global de governos populistas. Não obstante o quão certas ou erradas são essas comparações, várias organizações de mídia associam Bolsonaro a Trump, 'brexit' ou Erdogan, e sua Presidência é percebida como o aprofundamento de uma tendência global. Eu me pergunto se, em um contexto global diferente, sua presidência teria recebido esse nível de atenção.

Brasilianismo – O que você acha que é o papel da mídia internacional durante o governo de Bolsonaro?
César Jiménez-Martínez – Essa é uma questão muito interessante e, como tal, é muito difícil de responder. Ouvi pessoas afirmando que a mídia estrangeira deveria desempenhar o papel de oposição dentro do Brasil, examinando as políticas do próximo governo e preenchendo um papel que, de acordo com essa linha de argumentação, a mídia nacional não está desempenhando. Eu não tenho certeza disso, no entanto. Como dito anteriormente, embora a mídia estrangeira tenha se tornado mais relevante no Brasil, seu impacto ainda é limitado. Ao mesmo tempo, as críticas de Bolsonaro a algumas organizações de mídia podem servir para afastá-las um pouco e fazer um trabalho mais investigativo e crítico.

Brasilianismo – O pesquisador americano Harold Trinkunas, do think tank Brookings, argumentou que Bolsonaro pode representar o fim do soft power do Brasil. O que você acha disso?
César Jiménez-Martínez – Depende do que entendemos como soft power e para que ele é usado. Entendemos soft power também como a produção cultural ou a comunicação de realizações esportivas? Isso provavelmente continuará, pelo menos até certo ponto, não importa quem seja o presidente.

Em relação ao uso desse soft power também há muitas perguntas. O Brasil quer construir uma aliança mais próxima com os Estados Unidos, pretende ser potência regional dentro da América Latina, tem como objetivo ser uma potência alternativa de tamanho médio e relativamente não-alinhada, ainda deseja ocupar um assento permanente em o Conselho de Segurança da ONU? Ainda é cedo para responder a essas perguntas.

O que se pode afirmar com certeza é que a narrativa específica do Brasil como país em ascensão, pelo menos na forma como estava associada a Lula e ao PT, significando não apenas ter sucesso economicamente, mas também ter avanços sociais e relativa estabilidade política, acabou. Bolsonaro não é uma falha no sistema, como Temer poderia ter sido interpretado, mas a confirmação do fim desse ciclo em particular. No entanto, isso não significa que outro ciclo de crescimento, mobilidade social e estabilidade política, provavelmente com figuras políticas diferentes, possa recomeçar no futuro próximo.

Brasilianismo – Sua tese de doutorado analisou os protestos de Junho de 2013 no Brasil. Você vê algum elo entre esses movimentos e a ascensão de Bolsonaro e da direita?
César Jiménez-Martínez – Li e ouvi relatos tentando estabelecer uma ligação direta entre os protestos de 2013 e a ascensão de Bolsonaro. Eu tenho dúvidas sobre essas declarações. Os protestos de 2013 foram a favor e contra muitas, muitas coisas. É verdade que havia pessoas nas ruas pedindo o impeachment de Dilma ou até mesmo o retorno da ditadura, mas também havia pessoas pedindo justiça social e direitos das minorias. Eu acho que é mais apropriado ver os protestos de 2013 como a expressão visível de uma crise política, social e econômica que estava se aproximando no Brasil. Os protestos foram uma manifestação desses problemas e da impossibilidade do Estado brasileiro de resolvê-los.

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Sobre o Autor

Daniel Buarque vive em Londres, onde faz doutorado em relações internacionais pelo King's College London (em parceria com a USP). Jornalista e escritor, fez mestrado sobre a imagem internacional do país pelo Brazil Institute da mesma universidade inglesa. É autor do livro “Brazil, um país do presente - A imagem internacional do ‘país do futuro’” (Alameda Editorial) e do livreto “Brazil Now” da consultoria internacional Hall and Partners, além de outros quatro livros. Escreve regularmente para o UOL e para a Folha de S.Paulo, e trabalhou repórter do G1, do "Valor Econômico" e da própria Folha, além de ter sido editor-executivo do portal Terra e chefe de reportagem da rádio CBN em São Paulo.

Sobre o Blog

O Brasil é citado mais de 200 vezes por dia na mídia internacional. Essas reportagens e análises estrangeiras ajudam a formar o pensamento do resto do mundo a respeito do país, que tem se tornado mais conhecido e se consolidado como um ator global importante. Este blog busca compreender a imagem internacional do Brasil e a importância da reputação global do país a partir o monitoramento de tudo o que se fala sobre ele no resto do mundo, seja na mídia, na academia ou mesmo e conversas na rua. Notícias, comentários, análises, entrevistas e reportagens sobre o Brasil visto de fora.

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