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Blog do Brasilianismo

Rejeição da ‘Economist’ a Bolsonaro reflete busca liberal por estabilidade

Daniel Buarque

24/09/2018 06h10

Em meio à radical polarização da política brasileira às vésperas da eleição presidencial, o posicionamento crítico da revista "The Economist" à candidatura de Jair Bolsonaro levou a uma situação em que eleitores de esquerda se alinham ao que diz a tradicional publicação liberal, enquanto fãs do capitão reformado passaram a acusar de comunista a "bíblia o capitalismo".

Os interesses da revista ao dizer que Bolsonaro seria um "presidente desastroso" refletem algo que vai além do que pensam os eleitores brasileiros: uma uma preferência da publicação pelo apoio à construção de cenários estáveis para o investidor estrangeiro. "A eleição de Bolsonaro tem sido considerada por ela um fator de instabilidade", explicou ao blog Brasilianismo a cientista política Camila Maria Risso Sales.

Sales conhece bem a linha editorial da publicação de economia sobre o Brasil. Ela é autora da tese de doutorado "O Brasil na 'Economist': Pensando a influência do perfil político-ideológico da revista na formação da imagem internacional do país" (clique aqui para baixar a tese completa), defendida na Universidade Federal de São Carlos em 2016, em que analisou a histórica dos textos da publicação sobre o Brasil.

Leia também: Crítica a Bolsonaro, 'Economist' é liberal e também pediu saída de Dilma

Segundo sua pesquisa acadêmica, o Brasil sempre esteve presente entre os assuntos considerados relevantes pela "Economist". "A posição político-ideológica da revista foi identificada a partir de duas ideias básicas: a defesa do liberalismo econômico conjugado com certo conservadorismo político. A forma como o Brasil foi noticiado e interpretado refletiu esse posicionamento", diz sua tese.

Na entrevista abaixo, concedida no fim de semana após a publicação da revista que em sua capa chama Bolsonaro de "ameaça", Sales explicou que o que faz a "Economist" se posicionar contra a candidatura do deputado pode ser depositado em dois fatores: problemas que sua vitória pode trazer para a já difícil governabilidade, e a defesa de valores liberais, sempre muito caros à publicação.

"A 'Economist' sempre sustentou valores liberais na economia, nasce com esse propósito. O olhar da revista é conduzido, portanto, pelo liberalismo político e econômico e por posturas conservadoras quanto a preservação dos direitos de propriedade, do Estado mínimo e do livre comércio", diz a tese de Sales. "A revista tem um diapasão, que seriam as regras do livre mercado. Ela exalta o país quando este se aproxima delas e o deprecia se há afastamento."

Brasilianismo – O que representa esta rejeição da "Economist" à candidatura de Jair Bolsonaro?
Camila Maria Risso Sales – A rejeição da 'Economist' a Bolsonaro era esperada. A revista tem uma preferência pelo apoio à construção de cenários estáveis para o investidor estrangeiro. A eleição de Bolsonaro tem sido considerada por ela um fator de instabilidade.

Brasilianismo – Fãs de Bolsonaro já acusam a economist de ser "comunista". Que interesses a 'Economist' pode ter contra a eleição de Bolsonaro?
Camila Maria Risso Sales – A revista é a mais tradicional e importante publicação liberal do mundo. O que faz a publicação se posicionar contra a candidatura do deputado pode ser depositado em dois fatores: primeiro os problemas que sua vitória pode trazer para a já difícil governabilidade, a sustentação de Bolsonaro no legislativo será muito frágil segundo a 'Economist'.

O segundo fator tem a ver com a defesa de valores liberais, sempre muito caros à publicação. O candidato, que tem, segundo ela um discurso de defesa de um conservadorismo social aliado a um liberalismo econômico, ataca valores da ordem liberal, especialmente aqueles relacionados à liberdade individual.

Brasilianismo – Quanto este posicionamento representa a opinião do mercado internacional?
Camila Maria Risso Sales – É difícil dizer, mas não há dúvidas que a revista é uma voz desse mercado.

Brasilianismo – A revista já publicou pelo menos duas grandes reportagens dizendo que Bolsonaro seria um presidente "desastroso". Já houve na história uma rejeição tão grande da revista a algum outro nome da política do Brasil?
Camila Maria Risso Sales – Não. A revista sempre se posicionou sobre as eleições brasileiras, sempre recomendou voto nos candidatos que ela considerava mais alinhados ao seu perfil político-ideológico, mas nunca se posicionou contra um candidato dessa maneira, pelo menos não com tanto destaque. Em 1989, considerava que uma vitória das forças de esquerda, ou com Lula ou com Brizola, pudesse gerar instabilidade e via com melhores olhos a candidatura de Collor, apesar de naquele momento se apresentar pessimista com qualquer possibilidade.

Brasilianismo – A "Economist" ataca ele agora, mas qual o posicionamento dela em geral durante a ditadura no Brasil?
Camila Maria Risso Sales – O deputado Jair Bolsonaro foi mencionado pela primeira vez na revista em 2000. Nesse artigo, a revista tratava das relações civis-militares e do descontentamento das Forças Armadas com o então presidente Fernando Henrique Cardoso. A revista cita uma frase de Bolsonaro em que ele diz que Fernando Henrique Cardoso deveria ser morto por trair o país fazendo as privatizações. Mas quanto ao posicionamento da revista na ditadura militar podemos dizer que foi bastante pragmático e sempre teve a tendência de atrelar uma cobertura mais positiva do país ao cenário econômico, desconsiderando, em alguma medida a política. Se a economia ia bem, a ausência de democracia importava menos.

Hoje a 'Economist' considera o Bolsonaro uma ameaça populista à democracia, mas certamente está levando em conta a potencialidade de desestabilização ainda maior da economia que ele pode trazer.

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Sobre o Autor

Daniel Buarque vive em Londres, onde faz doutorado em relações internacionais pelo King's College London (em parceria com a USP). Jornalista e escritor, fez mestrado sobre a imagem internacional do país pelo Brazil Institute da mesma universidade inglesa. É autor do livro “Brazil, um país do presente - A imagem internacional do ‘país do futuro’” (Alameda Editorial) e do livreto “Brazil Now” da consultoria internacional Hall and Partners, além de outros quatro livros. Escreve regularmente para o UOL e para a Folha de S.Paulo, e trabalhou repórter do G1, do "Valor Econômico" e da própria Folha, além de ter sido editor-executivo do portal Terra e chefe de reportagem da rádio CBN em São Paulo.

Sobre o Blog

O Brasil é citado mais de 200 vezes por dia na mídia internacional. Essas reportagens e análises estrangeiras ajudam a formar o pensamento do resto do mundo a respeito do país, que tem se tornado mais conhecido e se consolidado como um ator global importante. Este blog busca compreender a imagem internacional do Brasil e a importância da reputação global do país a partir o monitoramento de tudo o que se fala sobre ele no resto do mundo, seja na mídia, na academia ou mesmo e conversas na rua. Notícias, comentários, análises, entrevistas e reportagens sobre o Brasil visto de fora.

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