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Para escritor, insegurança dá força a frases de estrangeiros sobre o Brasil

Daniel Buarque

20/08/2017 09h22

Barack Obama durante discurso no Theatro Municipal, no Rio de Janeiro

É com uma pitada de insegurança e uma grande vontade de entender a si mesmos que os brasileiros costumam dar grande atenção ao que se fala sobre o Brasil no exterior. Assim, frases ditas por estrangeiros acabam se tornando conhecidas no país, ganhando fama e ajudando a criar uma forma de reflexão e autorreconhecimento.

"Parece que estamos sempre em busca de uma autoridade estrangeira para confirmar nossas próprias ideias", comenta Paulo Gravina, em entrevista ao blog Brasilianismo, por email.

Veja lista de frases mais famosas de estrangeiros sobre o Brasil

Livro reúne frases de estrangeiros sobre o Brasil

Autor do livro "Que Brazil é esse? — O que eles disseram sobre o Brasil" (Ed. Livros Ilimitados), em que reúne mais de três dezenas dessas declarações famosas de quem olha de fora para o Brasil, Gravina se debruçou sobre o que essas declarações significam. "O livro também acaba sendo um convite aos brasileiros a mudarem a imagem que têm do país", explica.

Conheça a confusa história por trás da frase 'o Brasil não é um país sério'

Formado em economia e com mestrado em literatura, Gravina atua no mercado editorial, escrevendo, traduzindo e editando livros. Na entrevista abaixo ele explica o processo de seleção das frases incluídas no livro e analisa o impacto delas na imagem do Brasil dentro e fora do país.

Brasilianismo – De que forma acha que as frases selecionadas para o livro "Que Brazil é esse?" resumem a imagem internacional do Brasil construída ao longo da história?
Paulo Gravina – Pois é, não resumem. A proposta do livro é apresentar as imagens mais famosas, ou pelo menos as mais citadas, fornecendo o contexto e o percurso histórico dessas imagens.

Mas como é possível resumir, por exemplo, a imagem do país que tem um estrangeiro que imigrou para o Brasil? Ou de alguém que vem ao Brasil por um curto período e tem experiências turísticas fascinantes ou péssimas? Ou de um estudioso estrangeiro da história, da política, da literatura ou do cinema brasileiro? Ou de um estrangeiro ou uma estrangeira que está casado ou casada com uma brasileira ou um brasileiro? Ou ainda dos filhos deste casal? É um cenário imenso e complexo.

Brasilianismo – Em um dos textos do livro, você fala sobre como algumas dessas frases são reapropriadas e usadas pelos próprios brasileiros em sua interpretação crítica sobre o país (como no caso de que 'o Brasil não é um país sério'). Por que acha que isso acontece?
Paulo Gravina – Tenho a sensação que nós brasileiros somos bastante inseguros em relação à nossa imagem no exterior. Isso está relacionado a questões históricas, mas também à influência que os estrangeiros e certas organizações externas possuem sobre o nosso país. Parece que estamos sempre em busca de uma autoridade estrangeira para confirmar nossas próprias ideias. A grande reação dos brasileiros ao episódio de 'Os Simpsons' que ridiculariza o país foi algo muito curioso nesse sentido, quer dizer, porque se trata de um desenho animado de comédia. Dessa forma, o livro também acaba sendo um convite aos brasileiros a mudarem a imagem que têm do país.

Paulo Gravina, autor do livro

Brasilianismo – Essas frases muitas vezes se tornam o símbolo do desconhecimento do resto do mundo sobre o Brasil. Que tipo de evolução acha que é possível perceber nas interpretações do Brasil ao longo da história?
Paulo Gravina – Muitas imagens mudaram, mas algumas simplesmente assumiram outras feições. A imagem do atraso (que está na seção sobre a declaração do português Adriano Moreira ['Seja, porém, qual for a modalidade de povoamento –que se considere nas províncias ultramarinas portuguesas– com populações locais ou originárias de qualquer outra parcela nacional, de caráter urbano ou rural, comercial, industrial ou agrícola, profissional, administrativo ou cultural, na base da sua concepção estará sempre a realização da vocação ecumênica do povo luso, a traduzir-se na criação de comunidades plurirraciais plenamente integradas e estáveis, síntese harmônica de valores culturais de variada origem, e de cuja fecundidade na formação de novas civilizações tropicais de singular riqueza se tem apontado o Brasil como exemplo mais acabado e eloquente'], por exemplo, ainda permanece com força. Já as imagens preconceituosas e racistas (presentes nas seções sobre as declarações do argentino Diego Maradona 'Se os negrinhos [do Brasil] acordam, estamos ferrados'] e, principalmente, do inglês Charles Darwin ['Os brasileiros possuem somente uma pequena quantia daquelas qualidades que dão dignidade à humanidade']) ganharam certas nuances, mas continuam mantendo a função de excluir grande parte da população do convívio social efetivo.

Brasilianismo – Já tratamos do fato de os brasileiros valorizarem essas frases. Também é possível perceber a força delas na forma como os estrangeiros pensam o país? Ou elas são menos conhecidas fora do que dentro do país?
Paulo Gravina – Sem dúvida elas têm força no exterior. Há duas seções do livro que tratam de diversos estudiosos estrangeiros que se dedicaram ao Brasil (nas frases do norte-americano Thomas Skidmore ['O Brasil criou, sob uma fachada de harmonia, uma sociedade contraditória'] e do francês Auguste De Saint-Hilaire ['Havia um país chamado Brasil; mas absolutamente não havia brasileiros']) e é impressionante que não há uma visão alternativa às deles, seja externamente ou mesmo dentro do Brasil.

Brasilianismo – Durante a pesquisa e escolha das frases, qual delas mais o surpreendeu?
Paulo Gravina – Várias me surpreenderam em vários sentidos. Achei muito singular e original a visão do francês Albert Camus [O Brasil 'é o país da indiferença e da exaltação']. Já o português Eduardo Lourenço ['No Brasil, Portugal está em todo o lado e em lado nenhum'] me surpreendeu pela profundidade. O austríaco Stefan Zweig ['Brasil, um país do futuro'], o alemão Albert Einstein ['A pergunta que minha mente formulou foi respondida pelo ensolarado céu do Brasil'] e o norte-americano John dos Passos ['O principal patrimônio do Brasil são os brasileiros'] foram surpreendentes porque o Brasil parece ter-lhes causado uma forte impressão. Ao contrário, os norte-americanos Richard Nixon ['Conforme avança o Brasil, também avançará o resto do continente latino-americano'] e Vernon Walters ['Se perdermos o Brasil, não será outra Cuba. Será outra China'] foram uma surpresa negativa, pois só mostraram ter interesse pelo país no sentido de influenciá-lo politicamente. E o norte-americano Barack Obama ['Minha mãe agora partiu, mas ela nunca imaginaria que a primeira viagem do seu filho para o Brasil seria como presidente dos Estados Unidos'] foi surpreendente por toda a história que envolve suas relações afetivas com o Brasil, que vêm de sua mãe.

Brasilianismo – Qual a origem do livro? Como ele surgiu?
Paulo Gravina – O livro "Que Brazil é esse?" surgiu a partir de outro livro que eu estava pensando em publicar. Há um tempo atrás eu decidi circular um texto meu de fantasia, intitulado "A fábula do príncipe Narseu", que está agora com uma ilustradora e com um diagramador para publicação. Um editor da Versal gostou tanto do texto que resolveu fazer a proposta desse livro de frases do Brasil, já que a editora Versal não costuma publicar ficção, mas livros de história. Mas aí veio a crise e o livro acabou não saindo pela Versal. Quando acabou o período do contrato, entrei em contato com eles e avisei que iria começar a buscar outras editoras. A editora Livros Ilimitados acabou assumindo o projeto e está fazendo um excelente trabalho!

Brasilianismo – Como foi o processo de seleção de frases? Qual foi a primeira que escolheu?
Paulo Gravina – A escolha foi bem ampla. Eu já tinha uma boa noção do tema por causa da minha formação, dos anos de estudo para o concurso de admissão à carreira diplomática e por meus pais serem jornalistas. A seleção das frases teve foco principalmente nas imagens mais conhecidas do Brasil no mundo, tentando sempre contextualizar e entrando no debate se essas imagens correspondem realmente ao Brasil ou não. Muitas vezes a discussão acabou sendo: de qual Brasil exatamente se está falando, conforme já está sugerido no título do livro, "Que Brazil é esse?".

A primeira frase ['O Brasil não é um país sério'] não foi tanto escolha minha, mas do editor da Versal. Ele, em nossa primeira reunião, apresentou a ideia do livro, citou duas frases como exemplo ("O Brasil não é um país sério", atribuída ao francês Charles de Gaulle, e "Brasil, um país do futuro", do austríaco Stefan Zweig) e pediu que eu redigisse dois textos como amostra para a aprovação do projeto do livro. Eu decidi aproveitar as duas frases que ele havia citado na reunião como ponto de partida e elas acabaram sendo as duas primeiras seções do livro.

Brasilianismo – Como fez a pesquisa para cada uma delas?
Paulo Gravina – A pesquisa envolveu muita leitura, mas também consultas a determinadas pessoas que sabiam de determinados temas. Tive bastante ajuda na pesquisa. Mesmo a redação do livro, na qual não obtive ajuda direta, envolveu muitas citações e referências (todas creditadas) e também, depois que o livro estava pronto, revisões do texto e do conteúdo por parte da família e de amigos.

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Sobre o Autor

Daniel Buarque vive em Londres, onde faz doutorado em relações internacionais pelo King's College London (em parceria com a USP). Jornalista e escritor, fez mestrado sobre a imagem internacional do país pelo Brazil Institute da mesma universidade inglesa. É autor do livro “Brazil, um país do presente - A imagem internacional do ‘país do futuro’” (Alameda Editorial) e do livreto “Brazil Now” da consultoria internacional Hall and Partners, além de outros quatro livros. Escreve regularmente para o UOL e para a Folha de S.Paulo, e trabalhou repórter do G1, do "Valor Econômico" e da própria Folha, além de ter sido editor-executivo do portal Terra e chefe de reportagem da rádio CBN em São Paulo.

Sobre o Blog

O Brasil é citado mais de 200 vezes por dia na mídia internacional. Essas reportagens e análises estrangeiras ajudam a formar o pensamento do resto do mundo a respeito do país, que tem se tornado mais conhecido e se consolidado como um ator global importante. Este blog busca compreender a imagem internacional do Brasil e a importância da reputação global do país a partir o monitoramento de tudo o que se fala sobre ele no resto do mundo, seja na mídia, na academia ou mesmo e conversas na rua. Notícias, comentários, análises, entrevistas e reportagens sobre o Brasil visto de fora.

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