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Blog do Brasilianismo

Cobrir impeachment sem maniqueísmo foi um desafio, diz ex-‘NYT’ no Brasil

Daniel Buarque

10/07/2017 16h38

A popularidade da expressão "deu no 'New York Times'" e o interesse dos brasileiros pelo que o jornal americano publica sobre o país ajudou a abrir portas para o trabalho de Simon Romero, ex-correspondente do jornal, que deixou o Brasil na semana passada. Por outro lado, a atenção dedicada à cobertura da imprensa estrangeira fez com que o jornalista aumentasse o cuidado tomado com o que escrevia.

"Eu adoro essa expressão. Ela abre portas em todo o país e oferece uma lembrança da importância que as pessoas associam ao 'New York Times'", disse Romero em entrevista ao blog Brasilianismo, poucos dias após deixar o país.

Ao contrário do caso emblemático de Larry Rohter, que foi correspondente do "NYT" antes dele e que chegou a ser ameaçado de expulsão do país durante o governo Lula, Romero diz que sofreu menos hostilidades de políticos no país do que muitos colegas brasileiros, e indica que Venezuela e mesmo os EUA seguem em caminhos mais complicados para jornalistas do que o Brasil.

Depois de mais de cinco anos chefiando a cobertura que o"'NYT" faz no Brasil, Romero se despede em um momento crítico para o país, com grave crise, mas se diz otimista quanto ao futuro. Um dos motivos para isso, diz, é que antes de vir para o Brasil ele morou na Venezuela, onde a situação social, a polarização política e a pressão sobre os jornalistas são muito maiores.

Na entrevista abaixo, ele relembra algumas de suas coberturas jornalísticas mais importantes no Brasil, e diz que 2016 foi um ano marcante, com impeachment, zika e Olimpíadas.

Para Romero, coberturas políticas em momentos complexos como o impeachment precisam fugir do maniqueísmo. "Esses dramas políticos raramente são simples como preto e branco, pois há muitos interesses diferentes envolvidos na luta pelo poder. É na área cinzenta que podemos encontrar algumas das melhores histórias."

Brasilianismo – Os brasileiros adoram a expressão "deu no 'New York Times'", em referência ao que o jornal fala sobre o país (este blog Brasilianismo trata disso com frequência). Como você lidou com isso enquanto trabalhou como correspondente no Brasil?

Simon Romero – Eu adoro essa expressão. Ela abre portas em todo o país e oferece uma lembrança da importância que as pessoas associam ao "New York Times". É claro que muitos dos assuntos sobre os quais escrevemos já foram cuidadosamente abordados na mídia brasileira. Mas os brasileiros prestam muita atenção a como o país é retratado internacionalmente, então isso faz a imprensa estrangeira ter cuidado com o que escreve.

A expressão também reflete o excelente trabalho feito por meus antecessores como correspondentes no Brasil. Durante a ditadura, por exemplo, "The New York Times" informou sobre questões como abusos de direitos humanos, má gestão econômica e limites à liberdade de expressão, na época em que os jornais brasileiros tinham que imprimir colunas de poesia para substituir artigos cortados pela censura. Esses correspondentes estabelecem padrões elevados com sua cobertura.

Brasilianismo – Durante o impeachment de Dilma Rousseff, a mídia brasileira ficou sob forte pressão para assumir uma postura contra ou a favor da saída dela. Isso chegou a jornais internacionais como o "NYT"? Afetou de alguma forma seu trabalho? Foi difícil manter-se como observador neutro e externo naquele momento?

Simon Romero – Antes de chegar ao Brasil em 2011, passei cinco anos em Caracas, cobrindo principalmente a evolução política na Venezuela. A polarização certamente aumentou no Brasil durante o impeachment de Dilma Rousseff, mas, felizmente, o Brasil permanece menos dividido como uma sociedade do que a Venezuela. Ainda assim, a cobertura de tal divisão é difícil em muitos lugares ao redor do mundo. Os Estados Unidos na era Trump, com jornalistas atacados como inimigos pelas pessoas no poder, são apenas um exemplo.

Cobrir o impeachment de Dilma foi um desafio, mas tentei descrever o que estava acontecendo tão completamente quanto possível. Cabe ao conselho editorial do "New York Times", uma operação separada da Redação, tomar uma posição sobre o assunto.

Durante a batalha do impeachment, tentei explicar a complexidade do que estava acontecendo. Escrevi reportagens que criticavam o governo de Dilma antes de ela sair e escrevi reportagens que criticavam o governo de Temer quando ele se tornou presidente. Esses dramas políticos raramente são simples como preto e branco, pois há muitos interesses diferentes envolvidos na luta pelo poder. É na área cinzenta que podemos encontrar algumas das melhores histórias.

Brasilianismo – Um dos seus antecessores como correspondente do NYT no Brasil, Larry Rohter, escreveu um livro em que fala sobre a atenção que seu trabalho tinha entre políticos e empresários brasileiros, e cita pressões que recebia por isso –incluindo o famoso caso com o ex-presidente Lula. Em uma entrevista ao Knight Center, você também citou hostilidades e ameaças. Que tipo de pressão encontrou enquanto atuou como correspondente no Brasil? Quão diferente esta pressão é do que está sendo muito discutido atualmente nos EUA sobre a relação entre Trump e a mídia?

Simon Romero – Enfrentar a hostilidade é parte do trabalho de cobrir as pessoas que exercem o poder, mas devo enfatizar que o que encontrei foi menor em comparação com a pressão sobre os colegas da mídia brasileira, especialmente em lugares afastados de São Paulo, Rio de Janeiro e Brasília.

Houve momentos no Brasil em que executivos em grandes empresas ficaram chateados com meu trabalho e outros em que as figuras políticas ficaram irritadas com questões simples relacionadas a investigações de corrupção. Checamos muito as informações no "New York Times" em um esforço acertar o que escrevemos e às vezes esse processo pode enfurecer as pessoas no poder.

Felizmente, talvez eu tenha aprendido mais sobre a hostilidade em relação à mídia na Venezuela. Houve momentos em que eu fui criticado na televisão estatal ou em particular pelos ministros ou publicamente em sites associados ao governo, e isso às vezes era desconfortável.

O que está acontecendo nos Estados Unidos agora em termos de ataque a jornalistas tem mais semelhanças com o que presenciei na Venezuela do que com o que vivi no Brasil. Este é um lembrete da importância de reportagens críticas e baseadas na verdade em qualquer sociedade. Como qualquer empreitada humana, a mídia não é infalível. Nós cometemos erros e, quando o fazemos, devemos corrigi-los de forma transparente. Mas há uma enorme diferença entre países onde uma imprensa livre pode prosperar e aqueles onde não ela não é livre.

Brasilianismo – Durante o tempo em que atuou no Brasil, o que mais o impressionou, enquanto um observador que precisava ter sempre um olhar estrangeiro?

Simon Romero – É extremamente desafiador escrever sobre o Brasil como estrangeiro porque as questões que podem parecer simples são muitas vezes muito complexas, quase como um labirinto quando se passa da superfície. Mas algo que eu tentei manter em mente era que as coisas no país provavelmente não eram tão ótimas quanto tinha sido divulgado durante os anos de boom, mas tampouco as coisas eram tão catastróficas como algumas pessoas podiam dizer durante as fases da crise política e econômica. Como qualquer grande país, incluindo os Estados Unidos, o Brasil tem suas fraquezas. Mas há muitos pontos fortes no Brasil que muitas vezes são ignorados.

Brasilianismo – Que reportagem (ou série) considera a mais importante que fez durante seu tempo no país?

Simon Romero – Esta é uma excelente pergunta, mas também é muito difícil de responder, já que o Brasil mudou muito desde que cheguei como correspondente em 2011. Eu diria que o ano de 2016 foi um dos períodos mais intensos em notícias que o Brasil experimentou nas últimas décadas. Havia três temas de importância global –o vírus Zika, o impeachment de Dilma Rousseff e as Olimpíadas de Rio– que exigiam uma cobertura extensa. Cada reportagem teve um certo fascínio para mim, especialmente com a atenção do mundo no Brasil antes dos Jogos Olímpicos. Foi um momento excepcionalmente emocionante para o Brasil.

Brasilianismo – Como sua própria visão sobre o Brasil mudou ao longo do tempo vivendo aqui?

Simon Romero – Eu vivi no Brasil em momentos diferentes, me dando uma chance de entender a evolução do país. Cheguei no país em 1990 para passar um ano na Universidade de São Paulo, o que foi uma época fascinante, mas também muito difícil política e economicamente. Então, voltei como repórter de economia alguns anos depois, trabalhando principalmente para a Bloomberg, abrindo os escritórios da agência em Brasília e no Rio. Fui contratado pelo "New York Times" em 1999 em São Paulo para escrever principalmente sobre a economia e depois me mudei para Nova York, no ano seguinte. Depois de passar por Houston, onde escrevi sobre a indústria global de energia, e Caracas, de onde eu cobri a região andina, voltei em 2011.

O Brasil enfrenta problemas atualmente e alguns ganhos do passado podem parecer frágeis, mas eu aprendi a ser otimista em relação ao país no longo prazo. Veja o quanto ele mudou desde 1990, quando a economia estava em grande parte fechada e a ditadura era uma lembrança muito recente. É fácil esquecer agora, mas não muito tempo atrás o Brasil foi um destinatário da ajuda alimentar estrangeira. Agora é uma superpotência agrícola que exporta comida para todo o mundo. Outros lugares do mundo em desenvolvimento gostariam de ter experimentado tamanha mudança.

Brasilianismo – Você encerrou seu período no Brasil com uma grande série de reportagens sobre a Amazônia brasileira, mostrando coisas que mesmo os grandes jornais brasileiros ignoram. Foi uma escolha pessoal? Que importância tem esta série no seu portfólio de reportagens sobre o Brasil?

Simon Romero – A decisão de concentrar atenção na Amazônia brasileira nos últimos meses foi o resultado de decisões tomadas em conjunto com meus editores em Nova York. Pessoalmente, não conheço uma região da América Latina mais fascinante do que a Amazônia. Cada vez que eu fui para grandes cidades como Manaus ou Belém, ou cidades menores como Rio Branco ou Parauapebas, ou assentamentos remotos no interior do Amazonas ou Rondônia, era como se estivesse descobrindo um novo país.

É caro ir para a Amazônia, então tentei aproveitar ao máximo cada viagem buscando escrever sobre o máximo possível de assuntos. A Amazônia, é claro, significa coisas diferentes para pessoas diferentes, mas achei interessante como a região é urbanizada e cada vez mais estratégica para a economia brasileira.

Também descobri que as pessoas que conheci na Amazônia davam novas ideias de temas que tive vontade de ir atrás, como quando um arqueólogo me contou sobre uma base militar americana abandonada no Amapá, onde a Marinha Americana operaria em missões para encontrar submarinos alemães no Atlântico. Isso aconteceu em uma longa viagem de volta para Macapá, então nós fomos investigar e acabei por descrever o lugar fascinante em uma série de postagens do Instagram.

O "New York Times" tem encorajado os correspondentes a experimentar novas formas de reportagem que envolvam fotografias e vídeos em um esforço para tirar o máximo proveito de tais viagens, oferecendo aos nossos leitores um olhar por trás da cortina no processo criativo. A Amazônia oferece muitos desafios e não é para todos, mas adorei todas as viagens à região.

Brasilianismo – Os brasileiros também têm muito preconceito sobre o desconhecimento dos estrangeiros (especialmente americanos) sobre o Brasil. Enquanto escrevia para um público majoritariamente americano, com que tipo de desconhecimento você teve que lidar? E que tipo de informação sobre o Brasil acha que conseguiu ensinar a seus leitores?

Simon Romero – Por mais que nosso trabalho seja direcionado a um público bem-educado no "New York Times", tentamos ter cuidado ao considerar que nossos leitores conhecem muito sobre os países que cobrimos. Isso significa que nos esforçamos para ter um equilíbrio de cobertura de certos lugares entre a sofisticação –para líderes políticos, estudiosos e especialistas em política externa -, e a explicação de coisas de uma forma que seja convidativa para um público mais geral. Eu amo o Brasil, então eu senti que parte do meu trabalho estava tentando atrair mais pessoas interessadas no país, para além dos estereótipos que às vezes são associados a ele.

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Sobre o Autor

Daniel Buarque vive em Londres, onde faz doutorado em relações internacionais pelo King's College London (em parceria com a USP). Jornalista e escritor, fez mestrado sobre a imagem internacional do país pelo Brazil Institute da mesma universidade inglesa. É autor do livro “Brazil, um país do presente - A imagem internacional do ‘país do futuro’” (Alameda Editorial) e do livreto “Brazil Now” da consultoria internacional Hall and Partners, além de outros quatro livros. Escreve regularmente para o UOL e para a Folha de S.Paulo, e trabalhou repórter do G1, do "Valor Econômico" e da própria Folha, além de ter sido editor-executivo do portal Terra e chefe de reportagem da rádio CBN em São Paulo.

Sobre o Blog

O Brasil é citado mais de 200 vezes por dia na mídia internacional. Essas reportagens e análises estrangeiras ajudam a formar o pensamento do resto do mundo a respeito do país, que tem se tornado mais conhecido e se consolidado como um ator global importante. Este blog busca compreender a imagem internacional do Brasil e a importância da reputação global do país a partir o monitoramento de tudo o que se fala sobre ele no resto do mundo, seja na mídia, na academia ou mesmo e conversas na rua. Notícias, comentários, análises, entrevistas e reportagens sobre o Brasil visto de fora.

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