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Serra ajudou a encerrar declínio do Itamaraty, diz pesquisador canadense

Daniel Buarque

27/02/2017 14h09

Serra ajudou a restaurar confiança no Itamaraty, diz pesquisador Sean Burges

Ao renunciar ao cargo de ministro das Relações Exteriores, José Serra deixa o Itamaraty com mais confiança do que encontrou a diplomacia brasileira, menos de um ano antes. A avaliação foi feita pelo pesquisador canadense Sean Burges, especialista em diplomacia brasileira.

Segundo Burges, apesar de ter ficado pouco tempo no cargo, Serra conseguiu "acabar com o declínio do Itamaraty que começou sob Dilma, e restabelecer o Ministério das Relações Exteriores como uma parte importante do processo de política nacional", disse ao blog Brasilianismo.

Vice-diretor do Centro de Estudos Latino-Americanos da universidade Australian National, Burges é pesquisador sênior do Council on Hemispheric Affairs e autor do livro recém-lançado "Brazil in the World: The International Relations of a South American Giant" ("Brasil no Mundo: As Relações Internacionais de um Gigante Sul-Americano), editado em inglês pela Manchester University Press.

Leia abaixo os principais trechos da entrevista sobre a saída de Serra.

Brasilianismo – Você acha que Serra deixa alguma marca na diplomacia brasileira depois de se demitir?
Sean Burges – Para ser justo com Serra, tudo o que era esperado que ele realmente fizesse era acabar com o declínio do Itamaraty que começou sob Dilma, e restabelecer o Ministério das Relações Exteriores como uma parte importante do processo de política nacional. Acho que ele teve algum sucesso nisso, embora obviamente não tenha havido muitos resultados concretos devido à combinação de restrições orçamentárias e a falta de atenção política de Temer devido às investigações Lava Jato.

Imagino que tudo o que Temer queria do Itamaraty era alguém que pudesse manter o Brasil em um trajeto global constante e que evitasse que esta área da política pública se transformasse em um problema. O fato de o secretário de Estado dos EUA, Rex Tillerson, ter pedido a Serra que o Brasil servisse como uma espécie de árbitro na questão da Venezuela sugere que houve algum sucesso nessa frente.

Brasilianismo – Qual acha que é o impacto de seu curto período como ministro das Relações Exteriores?
Sean Burges – Serra restaurou uma certa confiança no Ministério das Relações Exteriores. Houve muita reação negativa na academia e nos círculos de análise de políticas sobre algumas decisões de Serra, como rever o status de algumas das missões que foram abertas por Lula, mas acho que essas críticas podem estar equivocadas. As conversas que tive com diplomatas sugerem que isso é uma coisa boa, porque retoma o processo de pensar como a política externa pode ser usada para fazer avançar as prioridades de políticas públicas do Brasil, particularmente na frente do desenvolvimento.

A maior conquista de Serra é, portanto, de lembrar ao resto da Esplanada que o trabalho do Itamaraty é importante e pode contribuir de maneira séria para as agendas externas e às vezes internas de outros ministérios e agências governamentais. Trata-se de uma conquista silenciosa, um pouco subestimada, mas também muito importante para garantir a inserção do Itamaraty no processo mais amplo de políticas públicas.

Brasilianismo – Quando foi nomeado, Serra argumentou contra o uso da ideologia na diplomacia. Já falamos sobre isso, e você disse que era uma questão de retórica, e que o Itamaraty retomaria sua diplomacia profissional. Sua renúncia afetará a diplomacia brasileira?
Sean Burges – Temer e a maneira pela qual ele foi elevado ao Palácio Planalto são os fatores que causaram a tensão com o eixo bolivariano e significou que qualquer pretensão de continuar uma relação próxima com governantes como Maduro estava fora da mesa de discussão. Ideologia é provavelmente a palavra errada para descrever a abordagem de Serra. Eu, em vez disso, argumentaria que ele tomou uma abordagem de tomada de decisão muito mais aberta e baseada em interesses do que vimos com Lula e Dilma.

Se a ideologia é ou não um fator importante dependerá de quem Temer nomeia como substituto de Serra. Provavelmente, Temer não vai querer o alvoroço público que seria criado por um ideólogo de direita no Itamaraty e eu acho que vamos ver algum tipo de espelhamento da nomeação de Sergio Amaral para Washington.

Brasilianismo – Em entrevista anterior, você mencionou que a nomeação de Serra melhorou o moral dos diplomatas brasileiros. Acha que sua saída pode afetar a equipe do Itamaraty?
Sean Burges – A incerteza nunca é bem-vinda na burocracia e sempre traz turbulência. Além disso, é realmente difícil dizer que impacto terá. Depende de quem vai substitui-lo. Desde que Temer não deixe o cargo vago por um longo período, tenho certeza que os profissionais de carreira vão se adaptar.

Brasilianismo – Quem você acha que Temer deve nomear como novo ministro das Relações Exteriores?
Sean Burges – Em vez de sugerir um nome, prefiro apresentar uma lógica para escolher o indivíduo. O alinhamento político não deve ser um fator importante nessa decisão, e historicamente nunca foi um. O uso acertado da política externa pode agregar uma enorme quantidade de assistência a outros ministérios que perseguem as prioridades políticas da presidência.

Em certo sentido, o que eu sugiro que Temer procure é alguém que pode chegar e trabalhar construtivamente em toda a Esplanada para ajudar outros ministérios a aproveitar as oportunidades internacionais e se proteger de ameaças externas.

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Sobre o Autor

Daniel Buarque vive em Londres, onde faz doutorado em relações internacionais pelo King's College London (em parceria com a USP). Jornalista e escritor, fez mestrado sobre a imagem internacional do país pelo Brazil Institute da mesma universidade inglesa. É autor do livro “Brazil, um país do presente - A imagem internacional do ‘país do futuro’” (Alameda Editorial) e do livreto “Brazil Now” da consultoria internacional Hall and Partners, além de outros quatro livros. Escreve regularmente para o UOL e para a Folha de S.Paulo, e trabalhou repórter do G1, do "Valor Econômico" e da própria Folha, além de ter sido editor-executivo do portal Terra e chefe de reportagem da rádio CBN em São Paulo.

Sobre o Blog

O Brasil é citado mais de 200 vezes por dia na mídia internacional. Essas reportagens e análises estrangeiras ajudam a formar o pensamento do resto do mundo a respeito do país, que tem se tornado mais conhecido e se consolidado como um ator global importante. Este blog busca compreender a imagem internacional do Brasil e a importância da reputação global do país a partir o monitoramento de tudo o que se fala sobre ele no resto do mundo, seja na mídia, na academia ou mesmo e conversas na rua. Notícias, comentários, análises, entrevistas e reportagens sobre o Brasil visto de fora.

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