Evento celebra brasilianista que profissionalizou ensino econômico no país
O brasilianista Werner Baer, morto em março, transformou o ensino e a pesquisa de economia no Brasil.
Por meio de trabalhos realizados no país a partir dos anos 1960, ele ajudou a moldar a estrutura do ensino e pesquisa econômicos nacionalmente, estabelecendo as bases para o que existe até hoje. Ao longo de cinco décadas, orientou e formou dezenas de profissionais, deixando como legado uma genealogia que aponta a existência de mais de 1.700 herdeiros acadêmicos do seu trabalho.
A atuação analítica de Baer já havia sido mencionada neste blog Brasilianismo após sua morte. Em entrevistas realizadas ao longo da última década, ele se mostrava sempre equilibrado e distante dos radicalismos que cercam a análise das oscilações das finanças do país.
Em um seminário dedicado a celebrar sua importância para a economia brasileira e a partir dos seus estudos para pensar saídas para a atual crise brasileira, alguns dos nomes mais importantes da pesquisa econômica do país destacaram a importância de Baer, que abriu horizontes do estudo acadêmico do Brasil e deixou um legado marcante nas universidades nacionais.
Realizado na quinta-feira (29/09) em um auditório do Senado, em Brasília, o Seminário de Economia Brasileira em Homenagem ao professor Werner Baer ganhou o título "E agora, Wener?", numa busca por respostas para resolver problemas atuais da economia a partir do seu trabalho. Além de um panorama crítico da situação atual, com indicações de possíveis caminhos para uma retomada da economia, os palestrantes ressaltaram a importância histórica de Baer para o país.
Arquiteto da formação
"Ele criou a profissão de economistas profissionais no Brasil", segundo Claudio de Moura Castro. Baer foi o arquiteto da máquina administrativa de formação de economistas, disse.
Sua atuação como pesquisador estrangeiro no país abriu horizontes e revolucionou o pensamento econômico brasileiro ao mudar a abordagem dos estudos dessa área e passar a cobrar pesquisas baseadas em números, o mundo real, além da teoria.
"Até os anos 1960, a formação dos economistas era baseada em economia política. Estávamos em Aristóteles, com boas ideias e teorias. Ali, passamos ao empirismo", explicou Castro.
Decano entre os participantes do evento, Paulo Haddad explicou que até a chegada de Baer no Brasil, apenas um terço do que os estudantes de economia estudavam no país era realmente economia. "Todo o resto era dominado por outros temas, como direito e contabilidade."
Segundo ele, a profissão de economista no Brasil é fruto de um projeto, e o professor Baer foi importante nisso, ajudando a implementar a Associação Nacional dos Centros de Pós-Graduação em Economia (Anpec). "Ele construiu um projeto de modernização do ensino e pesquisa de economia no Brasil", disse Haddad.
Além do projeto local, Baer ajudou a desenvolver a estratégia de formar brasileiros no exterior para que desenvolvessem a área no Brasil.
Assim como demonstrou em sua avaliação mais recente sobre a economia brasileira, Baer também atuou para impulsionar a democracia de pensamento econômico do país, formando linhas variadas de pesquisas econômicas, segundo Haddad. Isso permitiu que as universidades nacionais atuassem em várias frentes e com diferentes doutrinas de pensamento econômico.
Seu trabalho para profissionalizar o estudo de economia no país acabou tendo um efeito nacionalizador, o que fez com que os brasilianistas passassem a ter um papel secundário, explicou Castro. Com o aumento no número de pesquisas "made in Brazil", se tornaram menos importantes os estudos como o que ele mesmo fazia, com base internacional.
"Até ele, os estrangeiros lideravam estudos sobre o Brasil, mas ele puxou o tapete de gente como ele mesmo", disse Castro.
Com várias passagens pelo Brasil, Baer foi professor de economia da Universidade de Illinois e autor de uma das principais obras internacionais sobre a economia brasileira: "The Brazilian Economy", cobrindo todo o desenvolvimento econômico do país desde períodos coloniais até o século XXI. Formado no Queens College e com mestrado e doutorado em Harvard, ele viveu no Rio de Janeiro e em Portugal, e recebeu título de doutor honoris causa de universidades como a Federal de Pernambuco e a do Ceará. Depois de ter começado sua carreira acadêmica pesquisando a Alemanha e Porto Rico, Baer se voltou para o Brasil no início dos anos 1960, discutindo relações entre inflação e crescimento econômico. Ele estudou ainda questões de nacionalismo brasileiro, desigualdades regionais e especialmente a industrialização do país.
Durante cinco décadas ajudando a desenvolver o estudo de economia no Brasil, Baer teve 107 alunos brasileiros nos Estados Unidos e orientou a formação de 86 doutores em economia.
Após sua morte, Baer tem 1.788 sucessores no Brasil atual, segundo uma análise de pesquisas realizadas entre 1990 e 2010, que mostra que ele deixou legado de "filhos", "netos", "bisnetos" e até "trinetos" acadêmicos.
O levantamento realizado por Eduardo Amaral Haddad, que também estudou com o brasilianista, traça a genealogia acadêmica de Baer, que deixou estas gerações de economistas brasileiros, sendo 107 "filhos acadêmicos", 917 "netos", 693 "bisnetos" e 71 "trinetos".
E agora?
Após a celebração da importância histórica e do legado do brasilianista, o seminário se voltou especialmente a tentar traçar caminhos a partir da obra de Baer para que o Brasil possa sair da atual crise econômica.
Segundo a ex-ministra Dorothea Werneck, o idealismo de Baer fez a atuação de economistas no país avançar muito desde os anos 1970, mas continua havendo uma batalha nos dias de hoje porque as visões acadêmica e tecnocrata da economia continuam muito separadas.
"É preciso aproximar os dois para que a academia contribua para políticas públicas", disse, ressaltando que no setor público, a velocidade dos projetos é muito maior, mas que a academia precisa formar gestores públicos.
Werneck criticou a crescente partidarização do serviço público no país, defendeu uma busca por maior eficiência do estado e propôs que a saída da atual crise depende de um tripé baseado em equilíbrio fiscal (receitas e gastos), volta ao federalismo e um trabalho para liberalizar regulamentações e burocracias.
Apesar da forte recessão no país, José Márcio Camargo defendeu que o governo de Michel Temer tem uma linguagem mais próxima da realidade dos economistas do que o da ex-presidente Dilma Rousseff, o que dá um pouco mais de previsibilidade.
Ainda assim, Camargo criticou problemas estruturais que tornam o Brasil "um inferno fiscal, trabalhista e de produtividade", o que afasta investidores
Para Edmar Bacha, a única alternativa possível para a crise é integrar a economia brasileira ao mundo. "O Brasil é um dos países mais fechados do mundo", criticou, indicando que o país tem a 7ª maior economia, mas apenas o 25º maior exportador.
Ele admite que o argumento pela integração é complexo, e "há oposição de interesses locais, pois os benefícios são de longo prazo, mas os custos são imediatos. Não o fazer, entretanto, é uma leitura simplista da história do país."
Mesmo sem uma receita óbvia para que o país se recupere da crise atual, o evento serviu para mostrar a importância de Baer na formação dos que pensam sobre a situação econômica do Brasil. Em um seminário marcados por momentos de forte emoção e nostalgia por parte dos participantes, o brasilianista e seu legado foram celebrados como uma base do pensamento econômico nacional.
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