Cobertura pré-olímpica do Rio na imprensa internacional foi irracional
Por João Roberto Martins Filho
Como se viu, a cerimônia de encerramento dos Jogos Olímpicos 2016 confirmou a impressão que se insinuou após a surpreendente abertura e se consolidou gradualmente nas duas semanas de competição: o propalado desastre internacional, causado pela Zika e pela poluição na Baía da Guanabara, pela precariedade das construções e pela incapacidade de organização dos brasileiros, não se consumaria.
Pouco a pouco, a cobertura da mídia internacional virou de pessimista para otimista. Mais exatamente, de catastrófica para moderadamente elogiosa. O Rio de Janeiro, passou-se a dizer, conseguiu superar o obstáculo.
Nenhuma matéria das agências internacionais e dos principais órgãos americanos, europeus e de outros países do Grupo dos Oito fez uma autocrítica que minimamente buscasse explicar as razões de tamanha discrepância entre previsões e realidade.
E não foi a primeira vez que esse processo ocorreu. Quando a África do Sul realizou a Copa do Mundo em 2010 e quando o mesmo evento ocorreu no Brasil em 2014 a curva da cobertura foi a mesma. Por que será que isso se repete?
Aqui do Sul global, podemos dizer que nos três momentos de ousadia de dois países fora do mundo "civilizado", a reação pré-jogos da imprensa internacional foi irracional.
Jornalistas de vários países sofreram um efeito manada que chegou ao extremo na cobertura da Rio 2016: raríssimos repórteres ousaram dizer que havia um exagero no pessimismo ou se arriscaram a dar um mínimo crédito à cidade-sede.
Que eu saiba, nenhuma matéria procurou checar se era verdade que o mês de agosto era passível de sofrer uma epidemia de Zika, se nada havia sido feito para evitar um desastre na Lagoa Rodrigo de Freitas ou na Baía da Guanabara, se o cronograma das obras e o planejamento da logística e da segurança tinham indícios de eficiência, se dezesseis estações de metrô e duas linhas de BRT constituíam um avanço numa cidade carente como o Rio de Janeiro, ou se a reforma de áreas centrais antes abandonadas seria bem vista pela população mais carente da cidade.
Ao contrário, como nos episódios de massa em que todos chutam um homem caído, os mais respeitáveis órgãos de comunicação do mundo embarcaram na onda e aderiram ao linchamento da ex-capital brasileira, cujos problemas sociais, de criminalidade e de mobilidade urbana ninguém pode negar. Mas o exagero foi tão patente que a revolta e sensação de injustiça chegou às torcidas, expressando-se em vaias a atletas específicos, escolhidos como bodes expiatórios.
Ao final, ficou a forte impressão de que o clã dos países adiantados tem extrema relutância em aceitar que grandes eventos possam ocorrer em países fora de seu clube seleto e que qualidades atribuídas geneticamente ao Primeiro Mundo possam existir em países que ainda não chegaram lá.
Nas duas semanas em que o Rio foi o polo de atração global, no resto do mundo continuaram a ocorrer as barbaridades habituais, incluindo atentados, nova revolta urbana nos EUA contra o racismo policial e o assassinato de um clérigo muçulmano em Nova York.
Enquanto isso, presenciamos estupefatos o triste episódio do nadador campeão que quis aproveitar a onda e jogar mais uma pedra certeira na cabeça da Geni, com os resultados que todos conhecemos. Nesse caso choveram pedidos oficiais e oficiosos de desculpas. Mas ainda estamos esperando algo semelhante dos monopólios de mídia internacional.
João Roberto Martins Filho é sociólogo, cientista político e professor titular da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar). Especializado em política brasileira, ele realizou pesquisas em Londres e na Holanda, e orientou estudo sobre a cobertura do Brasil na imprensa internacional.
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