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Em editoriais, mídia estrangeira adota tom crítico polarizado sobre Brasil

Daniel Buarque

21/03/2016 16h45

Em editoriais, mídia estrangeira adota tom crítico e polarizado sobre Brasil

Em editoriais, mídia estrangeira adota tom crítico e polarizado sobre Brasil

A polarização política do Brasil parece ter chegado às páginas dos editoriais de alguns dos principais veículos de comunicação do mundo. Depois de manter um tom mais distanciado e moderado em relação às crises econômica e política, a avalanche de notícias dos últimos dias levou a uma mudança na abordagem da mídia estrangeira. Agora há veículos que pedem abertamente a saída da presidente Dilma Rousseff, enquanto outros denunciam tentativa de golpe e judicialização da política nacional.

Pouco mais de sete meses atrás, em agosto, quando houve o terceiro grande protesto contra a presidente em várias cidades do país, muitos veículos da imprensa estrangeira publicaram editoriais sobre o Brasil. Naquele momento, a mídia internacional se colocava fortemente contrária à ideia de um impeachment no Brasil, com reportagens e análises que apontavam que o caminho da retirada da presidente, do ponto de vista externo, seria um erro.

Em editoriais, mídia estrangeira adota tom crítico e polarizado a crise no Brasil

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O tom era bem homogêneo, e de uma única vez, "New York Times", "Financial Times", "El País", "France Presse" e vários outros veículos deixaram bem mais evidente o olhar estrangeiro contrário ao impeachment. Logo após aquele protesto de agosto, essa mídia estrangeira indicava que o Brasil vinha passando por sérios problemas políticos e econômicos, mas reiterava a necessidade da manutenção da ordem institucional no país e indicam que faltam alternativas viáveis ao atual governo.

Agora o tom é outro.

Editoriais publicados na última semana em jornais como o britânico "Observer" e nos norte-americano "New York Times" e 'Bloomberg", vê-se uma forte crítica ao governo, até mesmo com pedidos de novas eleições. Em outros veículos da imprensa estrangeira, como o argentino "La Nación", a rede venezuelana Telesur e a alemã Deutsche Welle, o tom é crítico à oposição e à forte presença de elementos jurídicos em debates que deveriam ser políticos.

O mais incisivo dos editoriais foi publicado pelo jornal britânico "The Observer", versão dominical do "Guardian", de linha editorial de centro-esquerda – normalmente mais alinhado com o governo do PT. Seu editorial de domingo defendia que Dilma Rousseff deve renunciar ou que sejam convocadas novas eleições.

"Uma preocupação óbvia é que esses protestos (contra e pró-governo), se saírem do controle, poderiam degenerar em violência desenfreada e no risco de intervenção pelas Forças Armadas", diz o jornal. "A democracia brasileira, restaurada em 1985 depois de 20 anos de ditadura militar, não chega a ser uma planta tão robusta que não possa ser desenraizada novamente por uma combinação de fracasso político e emergência econômica. O dever de Dilma é simples: se ela não pode restabelecer a calma, tem de convocar novas eleições – ou sair."

O editorial publicado pelo "New York Times" no fim de semana diz ter sido uma surpresa Dilma, em meio a críticas, achar que tinha capital político para bancar a volta do ex-presidente Lula ao governo, em uma manobra para garantir foro privilegiado para ele. "A explicação de Dilma [para a indicação de Lula] foi surda e ridícula". "Dilma agora criou uma nova crise, de confiança em sua capacidade de discernimento", complementa.

Entre golpe e tragédia, política do Brasil se desmonta, diz alemã Deutsche Welle

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O "NYT" também indica um aumento da chance de fim do governo Dilma. "Se seu último erro acelerar o processo de impeachment à linha final, Dilma só poderá culpar a si mesma", avalia.

Igualmente crítica, a rede de economia "Bloomberg" também atacou, em sua página de editoriais "Bloomberg View", as medidas recentes do governo e disse que Dilma desrespeita a justiça do país. "A presidente Dilma zombou do público brasileiro ao responder aos protestos cada vez mais altos por uma maior responsabilização política. Sua flagrante tentativa de proteger seu antecessor da Justiça não vai acabar bem – para ela ou para o Brasil", diz.

Segundo a "Bloomberg", analistas políticos já apostam no fim antecipado do governo Dilma, o que tem animado o apetite do mercado internacional pelo Brasil.

Com um ponto de vista diferente, a rede alemã Deutsche Welle publicou um artigo editorial em que critica a crise política brasileira, mas aponta que o problema não está todo centrado no governo.

A DW questiona a politização da Justiça brasileira. "Por mais importante que seja a luta contra a corrupção, ela também se transformou em uma guerra política no Brasil. Todos estão lutando contra todos e todos lutam por sua própria sobrevivência", diz. "O sistema de justiça do Brasil pode condenar políticos corruptos, mas não pode governar o país".

O sociólogo português Boaventura de Sousa Santos publicou em seu site "Alice", um artigo com opinião semelhante. Segundo ele, a democracia brasileira está à beira do caos, e o sistema judicial do país está transformado num perigoso fator de desordem jurídica.

"Medidas judiciais flagrantemente ilegais e inconstitucionais, a seletividade grosseira do zelo persecutório, a promiscuidade aberrante com a mídia ao serviços das elites políticas conservadoras, o hiper-ativismo judicial aparentemente anárquico, traduzido, por exemplo, em 27 liminares visando o mesmo ato político, tudo isto conforma uma situação de caos judicial que acentua a insegurança jurídica, aprofunda a polarização social e política e põe a própria democracia brasileira à beira do caos. Com a ordem jurídica transformada em desordem jurídica, com a democracia sequestrada pelo órgão de soberania que não é eleito, a vida política e social transforma-se num potencial campo de despojos à mercê de aventureiros e abutres políticos", defendeu.

O jornal argentino "La Nación" também publicou um artigo questionando os limites entre política e Justiça no Brasil. "Muitos brasileiros independentes suspeitam de Lula. Mas também temem que [o juiz Sérgio] Moroesteja se politizando. Que deixe de ser um juiz imparcial e passe a ser um juiz opositor", explica.

Além dessas visões, há ainda os veículos internacionais abertamente defensores do governo Dilma. A rede de TV Venezuelana Telesur, por exemplo, publicou um artigo falando que ainda há tempo de frear o fascismo no Brasil, em referência a um possível golpe para derrubar o PT do governo.

"O que está acontecendo atualmente no Brasil é de manual. Do Manual de Golpes Brandos, Suaves e outras variedades, que o Império, com a ajuda de cúmplices locais, executa reiteradamente no continente latino americano", diz, em defesa de Dilma.

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Sobre o Autor

Daniel Buarque vive em Londres, onde faz doutorado em relações internacionais pelo King's College London (em parceria com a USP). Jornalista e escritor, fez mestrado sobre a imagem internacional do país pelo Brazil Institute da mesma universidade inglesa. É autor do livro “Brazil, um país do presente - A imagem internacional do ‘país do futuro’” (Alameda Editorial) e do livreto “Brazil Now” da consultoria internacional Hall and Partners, além de outros quatro livros. Escreve regularmente para o UOL e para a Folha de S.Paulo, e trabalhou repórter do G1, do "Valor Econômico" e da própria Folha, além de ter sido editor-executivo do portal Terra e chefe de reportagem da rádio CBN em São Paulo.

Sobre o Blog

O Brasil é citado mais de 200 vezes por dia na mídia internacional. Essas reportagens e análises estrangeiras ajudam a formar o pensamento do resto do mundo a respeito do país, que tem se tornado mais conhecido e se consolidado como um ator global importante. Este blog busca compreender a imagem internacional do Brasil e a importância da reputação global do país a partir o monitoramento de tudo o que se fala sobre ele no resto do mundo, seja na mídia, na academia ou mesmo e conversas na rua. Notícias, comentários, análises, entrevistas e reportagens sobre o Brasil visto de fora.

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