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Blog do Brasilianismo

A importância da imagem do Brasil que repercute na imprensa internacional

Daniel Buarque

18/03/2016 15h28

Correspondente da Rede Globo em Londres mostra reportagem sobre crise no Brasil na capa do jornal 'Financial Times'

Correspondente da Rede Globo em Londres mostra reportagem sobre crise no Brasil na capa do jornal 'Financial Times'

O noticiário político eletrizado dos últimos dias e o forte impacto dele sobre a situação do país fizeram com que quase todos os grandes veículos de comunicação publicassem um tipo de reportagem muito característico na mídia brasileira: aquela cujo título diz que algo "repercute na imprensa internacional".

Uma busca simples no Google oferece 1.250 textos publicados somente nos últimos dias com construções assim no título, sem contar milhares de outras que citam jornais específicos, como o bom e velho "deu no 'New York Times'". São milhares de textos traduzindo e comentando o que se fala sobre o Brasil no exterior (bem na linha do que este blog Brasilianismo também faz todos os dias há um ano). É uma cobertura tão ampla, e com uma audiência tão alta, que não seria exagero falar em uma certa obsessão nacional pela imagem do país no exterior.

Durante um evento em Londres sobre a realidade brasileira, pouco antes da Copa de 2014, foi curioso perceber que metade do público de uma centena de pessoas era formado por brasileiros interessados em saber como o país ia ser abordado pelos palestrantes gringos.  A revista "The Economist" percebeu isso há uns anos, e publicou um texto em que o repórter relata que quase tudo o que ele escreve sobre o Brasil acaba traduzido e comentado na imprensa brasileira. É algo bem particular do Brasil.

Capa da revista 'Time' sobre o Brasil em 1956

Capa da revista 'Time' sobre o Brasil em 1956

Este interesse nacional leva a alguns questionamentos que estão sempre presentes no trabalho deste blog Brasilianismo, e as pesquisas acadêmicas do seu autor: Por que os brasileiros se preocupam tanto com a imagem internacional do país? E qual é de fato a importância dessa reputação do Brasil no exterior?

Em um texto publicado nesta semana, em inglês, no site plus55, tentei abordar alguns desses pontos, buscando as origens desta obsessão nacional. "Reclamar que estrangeiros não nos entendem é um esporte nacional. Querer ser reconhecido e elogiado pelo resto do mundo é um sonho nacional. Revoltar-se contra o que vemos como críticas desnecessárias parece uma obrigação em todo o país. Como alguém ousa nos criticar?", argumentei.

O assunto esteve bem presente na discussão nacional no início de fevereiro, quando um estrangeiro publicou um texto dizendo que os brasileiros são os culpados pelo problemas do Brasil. Ali houve pessoas que reclamaram do que chamavam de "complexo de vira-latas" nesse interesse brasileiro por imagem, enquanto outras apontavam que o olhar externo permitia uma análise mais independente, diferente do olhar de quem é brasileiro. Ambas têm alguma razão, mas as coisas não têm uma resposta simples e objetiva.

A verdade é que antes mesmo de o Brasil poder ser pensado como um país, já havia esse interesse pela interpretação que se tinha a respeito dele no resto do mundo. A preocupação com a imagem estava presente quando a Família Real portuguesa se mudou para o Brasil, em 1808, e trouxe artistas europeus para retratar esta terra estranha; a partir de 1822 essa preocupação estava presente como sendo um reconhecimento da independência do Brasil (e imposição da sua suposta "superioridade" em relação aos vizinhos); e depois, ao longo do século XIX, estava lá este interesse em promover a imagem nacional em várias Exposições Internacionais realizadas pelo mundo. Mais tarde, em 1889, uma das primeiras decisões da República recém-declarada foi enviar emissários para promover uma boa imagem (de estabilidade) do país na imprensa britânica. E ao longo do século XX, o Brasil promoveu a imagem do país em acordos com grupos de mídia dos Estados Unidos, e em ações diplomáticas, chegando a formalizar sua participação nas duas Guerras Mundiais como uma forma de melhorar sua reputação como nação relevante no cenário global.  

O interesse dos brasileiros e a importância dessa imagem internacional também foram temas abordados no livro "Brazil, um país do presente", que trata da reputação do país no exterior.  Lá, está explicado que o Brasil sempre valorizou estudos externos sobre sua realidade, e que a própria concepção de "país do futuro" veio de uma análise internacional.

Leia também: Em nova edição, livro analisa ascensão e queda da imagem do Brasil no mundo

A opinião dos chamados brasilianistas sobre as notícias do país sempre foi considerada importante, e desde o início da consolidação dessa área de pesquisa nos Estados Unidos, sempre se debateu o quanto parcial seria este olhar externo. O próprio professor Thomas Skidmore, reverenciado como mais relevante brasilianista nos Estados Unidos, usou esta ideia de olhar externo em pelo menos um de seus livros . Isso voltou a ter destaque com um livro anterior de Larry Rohter, famoso no Brasil justamente por ser o autor dos textos em que o país mais se via refletido internacionalmente no principal jornal americano .

Por mais que não seja uma demonstração perfeita da força internacional, entender a percepção que outros países têm do Brasil é importante porque tudo o que um país quer fazer num mundo atual depende da sua imagem. "Se um o país tem uma boa imagem, é mais fácil e barato atrair investimentos, atrair turistas, ajuda, atenção e respeito da opinião pública global, além de valorizar seus produtos e seu povo em todo o planeta", explicou Simon Anholt, consultor britânico que cunhou o termo "nation branding" para se referir a estudos sobre a marca internacional de países. Segundo ele, a opinião pública internacional está se tornando cada vez mais importante, e vai se consolidar como a única superpotência global.

O interesse exagerado talvez seja desnecessário, e talvez seja algo relacionado a uma comparação feita pelo pesquisador de geopolítica George Friedman, que diz que países como os Estados Unidos e o Brasil são nações jovens, adolescentes praticamente, com toda a insegurança que essa idade traz. Com apenas cinco séculos, o país atua sem muita confiança sobre si mesmo, como se ainda estivesse consolidando sua personalidade, o que torna importante tentar projetar uma boa imagem (e que faz com que haja forte preocupação com a forma como se é visto).

Sem querer fazer só uma defesa do trabalho cotidiano do Brasilianismo, é fácil perceber que a imagem internacional de um país tem, sim, muita importância, e faz sentido se preocupar com o que outras nações pensam a respeito do Brasil. A presença global do Brasil depende do que o resto do mundo pensa sobre o país, e muito do que se pensa sobre o Brasil é formado pela cobertura que a imprensa estrangeira faz a respeito do que acontece aqui. Tudo depende da imagem, indicam as principais pesquisas de nation branding, pois o mundo é muito grande, as pessoas não conhecem bem todos os países e baseiam suas opiniões e decisões na imagem genérica que o país tem internacionalmente.

Capa do livro 'Brazil, um país do presente', em sua edição digital

Capa do livro 'Brazil, um país do presente', em sua edição digital

Abaixo, transcrevo um trecho do livro "Brazil, um país do presente" em que fala um pouco mais sobre esse interesse nacional pela imagem internacional

Os brasileiros sempre foram fascinados pelo que os outros pensam deles. Desde as ações "para inglês ver"  do período do império, chegamos a uma relação dúbia com esta imagem externa. Por um lado, queremos ser vistos e admirados, tentamos vender a imagem de um povo feliz, um país de festa; por outro, reclamamos quando os estrangeiros simplificam nossa nação como decorativa, terra do carnaval e, numa consequência deturpada, da sensualidade. Por um lado, reclamamos publicamente dos nossos problemas e até pedimos apoio internacional para resolvê-los; por outro ficamos ofendidos quando nossas falhas são divulgadas e discutidas pelos estrangeiros.

No século XXI, duas décadas depois que a Guerra Fria acabou, os Estados Unidos se consolidaram como única potência global, e o Consenso de Washington tentou padronizar as economias do planeta, o foco dessa preocupação passou naturalmente dos ingleses aos americanos, antigos aliados próximos, que passamos a ver com admiração e suspeita. Mas o fascínio com a interpretação do "eles" em relação ao "nós" continuou. Bastava perceber a atenção dada pela mídia a qualquer menção ao Brasil no exterior – E ver, igualmente, o quanto isso atraía a audiência dos brasileiros .

Parecia um interesse maior do que mera curiosidade que todos têm em relação ao que o outro pensa e fala sobre si, mas uma necessidade de se afirmar pelo discurso do outro, um "complexo de colonizado", de inferioridade, como me disse um pesquisador brasileiro na Universidade da Califórnia em Los Angeles: "Quando o brasileiro se vê representado, isso valida a posição dele e reproduz a posição dele. Quando o brasileiro quer consumir o que o 'New York Times' diz sobre ele, ele se coloca na posição de objeto do outro e reverencia estes gestos", disse . É a "síndrome de underdog" (de vira-latas, ou do oprimido, em tradução livre), como repetiram muitas outras pessoas com quem conversei para tentar entender os motivos deste fascínio. O historiador brasileiro José Murilo de Carvalho já mencionou esta característica dos brasileiros que, segundo ele, alternam "em termos extremados, visões negativas e positivas de nosso povo. Os que só veem nele qualidades foram chamados de ufanistas, como Affonso Celso, ou, em linguagem popular, de 'turma do oba-oba'. Os que nele só enxergam mazelas foram estigmatizados por Nelson Rodrigues como vítimas do complexo de vira-lata" .

Além desta curiosidade e da necessidade de afirmação, havia também, desde o princípio o sentimento de proteção contra ofensas. Era só alguma voz pública falar sobre o Brasil, mesmo sendo na ficção e até mesmo no humor, que os brasileiros reagiam de forma defensiva, como se tivessem sido profundamente ofendidos em sua honra. Foi assim com o episódio dos Simpsons, desenho animado que retratou o Brasil de forma superficial para efeitos humorísticos . Foi assim até mesmo com o ator Robin Williams, humorista, que contou uma piada sobre os motivos de o Rio de Janeiro ter sido escolhido como sede da Olimpíada de 2016 . O mesmo aconteceu com um comentário do ator Sylvester Stallone no lançamento de seu filme gravado em parte no Brasil, quando o americano precisou se retratar e pedir desculpas .

O sentimento protecionista sempre foi forte, mas um pesquisador brasilianista com quem conversei alegou que quem mora no Brasil não deveria ficar ofendido com essa exposição irônica e depreciativa, e que isso, na verdade, demonstra uma maior relevância do país no cenário internacional. "Piadas mostram um interesse maior no país. Ter piadas sobre o Brasil significa que as pessoas estão pensando e falando sobre o país", explicou Joseph A. Page, professor de direito e diretor do Centro para Avanço no Controle Legal nas Américas da Universidade Georgetown, em Washington DC . E o aumento recente nas referências e nas piadas eram uma demonstração clara de que o Brasil estava crescendo em importância, se tornando realmente mais relevante e conhecido, sendo mais alvo de brincadeiras (mesmo que de mal gosto e politicamente incorretas), mas de menos de preconceito real por parte dos americanos.

PS – O blog Brasilianismo completa um ano no ar neste 18 de março, e este é o 365º post publicado aqui – um texto sobre o que "repercute na mídia internacional" a cada dia.

 

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Sobre o Autor

Daniel Buarque vive em Londres, onde faz doutorado em relações internacionais pelo King's College London (em parceria com a USP). Jornalista e escritor, fez mestrado sobre a imagem internacional do país pelo Brazil Institute da mesma universidade inglesa. É autor do livro “Brazil, um país do presente - A imagem internacional do ‘país do futuro’” (Alameda Editorial) e do livreto “Brazil Now” da consultoria internacional Hall and Partners, além de outros quatro livros. Escreve regularmente para o UOL e para a Folha de S.Paulo, e trabalhou repórter do G1, do "Valor Econômico" e da própria Folha, além de ter sido editor-executivo do portal Terra e chefe de reportagem da rádio CBN em São Paulo.

Sobre o Blog

O Brasil é citado mais de 200 vezes por dia na mídia internacional. Essas reportagens e análises estrangeiras ajudam a formar o pensamento do resto do mundo a respeito do país, que tem se tornado mais conhecido e se consolidado como um ator global importante. Este blog busca compreender a imagem internacional do Brasil e a importância da reputação global do país a partir o monitoramento de tudo o que se fala sobre ele no resto do mundo, seja na mídia, na academia ou mesmo e conversas na rua. Notícias, comentários, análises, entrevistas e reportagens sobre o Brasil visto de fora.

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